Outro dia, uma das minhas filhas pediu que fizessem
'canja de galinha' em casa. Eu concordei, mas disse que eu não gostava.
Perguntaram: ‘- Por que?’ Respondi que não gostava, e pronto – não sabia porque.
Entretanto, fiquei sensibilizado com uma lembrança que me ocorreu nessa hora e,
dos meus olhos, saíram algumas lágrimas que naturalmente disfarcei.
Voltei no tempo, e me vi numa situação que não era
incomum naquela época. Era então um garoto de cerca de 10 anos, e minha mãe sofria de terríveis enxaquecas.
Isto acontecia mais ou menos uma vez por mês e, quando acontecia, ela ficava de
cama, por uns dois ou três dias seguidos, até se recuperar. Nesse meio, tempo, eu cuidava da casa.
Ela não comia nada no início da crise e, depois, quando
melhorava um pouquinho, pedia uma sopinha de arroz aquecido em água, sem
tempero, que eu preparava e levava. Ela
comia em seu quarto, na cama, meio recostada. Ver aquele arroz flutuando na
água – que para mim parecia vômito, me causava espécie. Mas, tudo bem. Lembro-me que não sentia nada - apenas fazia
o que deveria ser feito, como faço ainda hoje – em situações diferentes, é
claro.
Não me lembrava de sentir nada, mas sentia sim - as
lágrimas de agora mostraram isso. Sentia-me triste vendo aquela mulher poderosa,
vencida pela dor, desesperada, gemendo, sofrendo, impotente.
Senti pena de mim mesmo, inexperiente, tendo que
enfrentar e superar aquela situação, sem poder contar com ninguém. E ela, provavelmente,
sofria também; tanto pela sua dor como por estar naquela situação, na
dependência de uma criança, seu filho.
Todos superamos tudo. E, se não se tratar de
propaganda enganosa, ela atualmente deve
estar num bom lugar - sou testemunha de que cumpriu com dignidade seu destino. Da
minha parte, segui o meu caminho, e hoje, olhando para a minha história, para o
meu passado, tive oportunidade de sentir o que não havia sentido antes,
resgatando e externando um sentimento que carreguei inconsciente por tantos
anos.
Foi como se tivesse assistido a um bom filme, ou lido
um bom livro: ‘Chorei nas partes
tristes, ri nas alegres, me aborreci nas tediosas. Mas, ao terminar, fiquei com a sensação de que valeu a
pena, que ganhei alguma coisa, que cresci no processo. Minha compreensão da
vida, certamente, foi ampliada’.