Para redescobrir o agora, precisamos
olhar para trás, olhar para o lugar de onde viemos, para o estado original.
Olhar para trás, nesse caso, não significa olhar para trás no tempo, retroceder
milhares de anos. Significa olhar para trás em nossa própria mente, olhar para
um ponto anterior ao começo da história, anterior ao início do pensamento,
anterior à eclosão de qualquer pensamento. Quando estamos em contato com este
solo original, as ilusões do passado e do futuro nunca nos confundem, pois
somos capazes de permanecer continuamente no agora.
Esse estado original do ser é
comparável a um espelho primordial, cósmico. Primordial, aqui, significa
incondicionado, não causado por nenhuma circunstância. O que é primordial não é
uma reação a favor ou contra uma situação qualquer. [...] à semelhança do
espelho, é capaz de refletir tudo, do mais óbvio ao mais sutil, e continua a se
manter como é. O quadro de referência básico do espelho cósmico é extremamente
vasto e está absolutamente livre de qualquer predisposição: matar ou curar,
esperança ou medo.
A maneira de olhar para trás e
vivenciar o ser do espelho cósmico é simplesmente relaxar. Relaxar, nesse caso,
é algo muito diferente de amolecer ou ficar à toa [...]. Aqui, relaxar
significa relaxar a mente, deixar de lado a ansiedade, os conceitos e a depressão
que normalmente nos aprisionam. [...] Durante a meditação não nos colocamos nem
"a favor" nem "contra" as experiências. Ou seja, em vez de
louvar determinados pensamentos e reprovar outros, adotamos uma atitude
imparcial. Deixamos que as coisas sejam como são, sem julgamento, e assim nós
mesmos aprendemos a ser, a expressar nossa existência de maneira direta e não
conceitual. Esse é o estado ideal de relaxamento, um estado que nos permite
vivenciar o agora do espelho cósmico. Na verdade, isso já é a vivência do
espelho cósmico.
[...] Quando somos capazes de olhar
para as coisas sem dizer: "Isso me é favorável ou desfavorável",
"Concordo com isso" ou "Não concordo com isso", estamos
vivenciando o ser do espelho cósmico, a sabedoria do espelho cósmico.
Normalmente limitamos o significado
das percepções. A comida nos faz pensar em comer; a sujeira nos lembra de fazer
a faxina da casa; a neve nos lembra de limpar o carro antes de ir para o
trabalho; um rosto nos evoca um sentimento de amor ou de um ódio. Em outras
palavras enquadramos o que vemos num esquema familiar e cômodo. Excluímos de
nosso coração toda a grandeza da percepção, toda possibilidade de uma percepção
mais profunda, fixando-nos em nossa própria interpretação dos fenômenos. Mas é
possível ir além da interpretação pessoal, deixar que a grandeza entre em
nossos corações por meio da percepção. Sempre temos escolha: podemos limitar
nossa percepção e com isso excluímos que a grandeza, ou permitir que essa grandeza nos toque.
(Chögyam Trungpa, Shambala, A Trilha
Sagrada do Guerreiro, Editora Cultrix, São Paulo, 1997)