Ele tinha uns 10 anos de idade. Não
tinha irmãos da sua idade, mas, em compensação, tinha muitos amigos. Era um menino inteligente e de grande
imaginação. No quintal de sua casa, por exemplo, montou uma barraca utilizando
sarrafos de madeira descartados e cobertura de papelão, e fazia de conta que
ali era o seu quartel general.
Tinha uma tia que era costureira. Ela
lhe dava carreteis de linha velha ou que não tivesse mais utilidade. Quase
todos os dias pela manhã, utilizava essa
linha para empinar as pipas que fazia. Logo em
seguida devia almoçar para ir para a escola. Aguardava até o último
minuto, até a mãe o chamar, gritando, dizendo que estava na hora. Nessas alturas, havia soltado quase toda a
linha da pipa; à distância ela ficava
tão pequena no espaço que quase não era visível. Então, para ganhar tempo, ao
invés de recolher a pipa, cortava a linha, almoçava rapidamente, e saia. No
caminho para a escola, ficava procurando a pipa que deveria ter caído naquela
direção. Naturalmente, nunca encontrou nenhuma.
Comandava grandes operações de
espionagem/guerra. Definiu postos de observação com os demais meninos,
considerando os seus horários escolares. O objetivo era controlar os aviões que
passavam no seu espaço aéreo para observar variações significativas. Em um
caderno especial, tinham horário, modelo, e altitude aproximada, registrados. E, quando descansava, sonhava que tinha um
carro tipo trailer, seu escritório e quarto móvel. Nesses seus sonhos, sempre
havia uma menina que lhe fazia companhia nos deslocamentos. Companhia no
sentido literal porque, naquela época, ainda não havia novelas de TV, e esses
assuntos - relacionamento entre homem & mulher – eram tabu, eram restritos,
exclusivos para adultos.
Próximo da casa dele havia um terreno
abandonado que era utilizado como campinho de futebol pela criançada. Certo dia, um outro grupo de moleques,
vizinhos, passou a utilizar o campinho. Utilizaram por pouco tempo pois logo
foram escorraçados dali pelos ‘proprietários’ do espaço. Estes utilizaram latas
de óleo de cozinha, com pequenos furos nas laterais, e uma alça de arame. Nessas
latas colocaram carvão e acenderam fogo. Quando a lata era girada pela alça, o
vento entrava através dos furos e atiçava o fogo. Essas latas foram então
jogadas no campinho em que os meninos rivais estavam jogando futebol, descalços
como era costume na época; o carvão em chamas saiu das latas e se espalhou pelo chão. Então, ...
Mais tarde passou a jogar futebol de
salão na casa de um dos colegas, o mais abonado - tanto que tinha um campo de tamanho oficial nos fundos
de sua casa. Todo sábado de manhã se encontravam, conversavam, tomavam lanche,
e jogavam. Fizeram isso por muitos anos.
Mais crescido, ele e a 'turma'
resolveram fazer uma ‘grande’ viagem para conhecer o Rio de Janeiro. Ele
conseguiu alojamento para o grupo, por uns dias, num dos colégios de lá,
administrado pelos mesmos padres do seu colégio aqui em São Paulo. Só foram os
meninos.
Chegando lá, já havia um grupo de
adolescentes que, sabendo da chegada dos paulistas, os estavam aguardando para
um partida de futebol. Foi só acabar de
chegar, trocar de roupa, colocar um
tênis, e logo todos estavam em campo. Os paulistas estavam acostumados a jogar
juntos e, embora o campo fosse do
adversário, não foi difícil ganhar.
Após a partida todos se reuniram para
conversar. Um dos seus amigos, o mais extrovertido perguntou o que havia para
fazer ali. Os cariocas confabularam e, então, um deles disse que havia um lugar
interessante, mas que era muito caro. Esse amigo disse então que ele não estava
perguntando preço. Os cariocas ficaram
olhando meio que assim, e todos os paulistas comentaram a bobagem que ele havia
dito: “Cariocas já acham paulistas metidos , e você ainda diz uma coisa dessas
...” Mas, já havia dito.
Sem nada para fazer, saíram para
passear utilizando o bonde que ainda circulava naquela época. No bonde
conheceram e conversaram com duas moças – uma, um pouco mais velha, e a outra, mocinha.
Apresentaram-se, conversaram, e acabaram sabendo que elas trabalhavam num canal
de televisão, como dançarinas. Elas os convidaram para ir assistir o show no qual
participariam..
Todos foram. Era mesmo um show, de
música e dança com gente famosa da época. Por exemplo, uma das estrelas da
noite, era cantor Caubi Peixoto, que todos conheciam mas que ninguém do grupo
ainda tinha visto pessoalmente.
Depois, encontraram as moças e,
conversa vai conversa vem, elas
simpaticamente os convidaram para ir no apartamento delas, no dia seguinte, à
tarde, para tomar um café. Saindo dali todos
começaram a discutir para definir quem deveria ir e quem não, porque não teria
sentido todos irem. O mais extrovertido considerou que ele tinha direito, uma
vez que foi ele que puxou conversa com elas,... Ficaram discutindo muito tempo,
e acabaram por não chegar a nenhuma conclusão.
No dia e hora marcados, todos
chegaram lá, e foram atendidos por uma senhora de idade que depois vieram a
saber tratar-se da mãe da ‘moça’ mais velha, que por sua vez, era mãe da mais
nova.
Essa senhora cuidava do apartamento
onde, além das duas ‘moças’, morava também o marido da mais velha, e o outro
filho dela, ainda pequeno. Enfim, era para tomar café mesmo. Isso serviu de
lição par muitos deles, nas suas excursões futuras nessa parte. O mais extrovertido disse mais tarde que se
correspondeu com a mais nova, e que acabou saindo com ela. Mas isso, ninguém nunca vai ter certeza.
O grupo viveu muito mais histórias.
Mas a proposta de hoje não é contar todas; é apenas dar uma ideia de como foi a
sua vida com esse grupo de amigos, a convivência, desde a infância até a
juventude.
Cresceram, se formaram, e cada um foi
tocar a sua vida. Arrumaram empregos,
assumiram responsabilidades, constituíram família,... Hoje em dia,
certamente, todos têm saudades daqueles tempos com gosto de aventura, de tudo
poder, com um espaço aberto incomensurável pela frente.
Encontra-se ainda com alguns,
esporádica e ocasionalmente – com outros, nem isso. Nesses encontros camaradas,
fica claro que ainda se estimam, que compartilharam ótimos momentos e
lembranças. Porém, infelizmente, fica claro também que já não sãos mais os garotos
daquela época. Têm consciência de que aquele garoto ainda existe dentro de
cada um, mas não há como resgatá-lo, tão distante está da sua realidade atual. É, é como se diz: “A vida passa como um rio, e todos os papeis que representamos fazem parte da realidade, mas foram ficando pelas margens, preservados, cada um a seu tempo."