Tudo ocorreu em 1641 e o Mosteiro de São
Bento colonial foi o cenário deste episódio
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‘Aclamação de Amador Bueno’, 1931 - Oscar Pereira da Silva, 1865-1939 |
Durante os mais de 500 anos
da história do Brasil, grandes e curiosos episódios passaram despercebidos na
nossa trajetória. O mais emblemático deles talvez seja o ‘quase-rei’ de São
Paulo, figura essa, que atende pelo nome de Amador Bueno de Ribeira, 1584~1649.
Em 1640 tomava posse dos
domínios portugueses o rei Dom João IV, Duque de Bragança, retomando o reino, e
marcando a independência de Portugal. Esse
período ficou conhecido como ‘Restauração’. Era o fim da União Ibérica,
iniciada em 1580, quando Portugal ficou sob o domínio espanhol.
Nessa época, em São Paulo
haviam muitos espanhóis. Eles acreditavam que a capitania de São Vicente
poderia ficar sob domínio da Espanha se os paulistas decidissem se separar de
Portugal. No entanto, eles não podiam revelar suas verdadeiras intenções, e
propuseram nomear um rei paulista. O escolhido foi o rico fazendeiro Amador
Bueno da Ribeira.
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Amador Bueno, desenho de Belmonte, 1941 |
Esse icônico personagem vinha
de uma próspera família de raízes hispânicas - seu pai era espanhol, e participou da Câmara da Vila de Piratininga. Ele possuía uma grande fazenda de
trigo, na qual trabalhavam muitos índios guaranis.
Argumentavam que os paulistas
não poderiam, não deveriam, reconhecer por um soberano um príncipe português, a
quem ainda não haviam jurado obediência.
Lembravam ainda que, nessa
investida, poderiam utilizar os milhares de índios e escravos que controlavam,
podendo formar ‘exércitos formidáveis’, intento
que seria facilitado pela localização de São Paulo, isolada do mar pela
serra.
Pela Vila foi-se espalhando
que São Paulo teria um rei, e a população se exaltou, aclamando popularmente
Amador Bueno como ‘Rei de São Paulo e dos Paulistas’.
Quando recebeu a proposta
para ser o ‘rei’ de São Paulo, Bueno ficou pasmo. Lembrou a todos que todos
deviam aceitar o destino do reino de Portugal, e se recusou travar uma guerra
contra o resto do país em prol do interesse espanhol, contra o poder da coroa
portuguesa.
Mas sua recusa não teve o
efeito desejado. A população não aceitou sua decisão, e o ameaçou de morte caso
não empunhasse o cetro.
Ele teria saído de sua casa
escondido, com a espada na mão, caminhando apressado para o Mosteiro de São
Bento. Mas todos corriam atrás gritando: ‘Viva Amador Bueno, nosso rei!’. Ao
que ele respondeu muitas vezes, em voz alta: ‘Viva o senhor D. João IV, nosso
rei e senhor, pelo qual darei a vida!’.
Chegando ao mosteiro, Amador
Bueno pediu a intervenção do abade e dos monges para ajudá-lo a traçar uma
estratégia para convencer a turba acerca do legítimo direito da Casa de
Bragança ao trono lusitano.
Em seguida, o aclamado,
juntamente com os clérigos, se dirigiu ao encontro dos revoltosos que estavam
agrupados na porta do mosteiro para obrigá-lo a empunhar o cetro, ou matá-lo,
caso continuasse a se recusar.
Contudo, os argumentos de que
com a morte do último rei da dinastia de Avis, o Cardeal D. Henrique, a Coroa
passaria naturalmente para a Casa de Bragança - se os reis de Castela não
tivessem usurpado tal direito, conseguiram levar os amotinados ao
arrependimento e a aderir ao movimento restaurador.
Assim, em 3 de abril de 1641,
Dom João IV foi solenemente reconhecido soberano dos paulistas, que a ele
juraram fidelidade e obediência. Portanto, o ‘reinado’ de Amador Bueno durou
pouco.
Por esse ato, Amador Bueno recebeu
carta de el-rei qual que lhe agradecia a lealdade. Quase duzentos anos
depois, Dom Pedro I fez questão de ressaltar que foi aclamado Imperador pela primeira
vez, na terra do ‘fidelíssimo, e nunca assaz louvado, Amador Bueno de Ribeira’.
Atualmente, há diante da
portaria do mosteiro uma placa lembrando este episódio, bem como, na lateral da
Igreja São Bento, na Rua Florêncio de Abreu, uma efigie de Amador Bueno, rejeitando
a coroa que se encontra aos seus pés. Amador
Bueno empresta seu nome a uma rua próxima ao Largo Treze de Maio, em São Paulo,
e a uma estação da CPTM, que faz parte da extensão operacional da Linha
8–Diamante, localizada no município de Itapevi.
O principal relato da
aclamação de Amador Bueno é o de frei Gaspar da Madre de Deus, 1715-1800, um
padre que viveu entre Santos, Rio de Janeiro e São Paulo, tendo chegado ao
cargo de abade no Rio em 1766. Frei Gaspar foi autor das ‘Memórias Para a
História da Capitania de São Vicente’, em que narrou a aclamação de 1641. A
narrativa começa quando chega a São Paulo a notícia de que o duque de Bragança
tinha sido aclamado rei de Portugal, com o nome de D. João IV.
Fonte: São Paulo in Foco, WP, Dvs
(JA, Set19)