O senso comum gosta de afirmar que
devemos estudar história para evitar a repetição de seus erros
Há 80 anos, na data
de hoje, iniciava-se o maior conflito que a espécie humana já enfrentou: a
Segunda Guerra Mundial. No amanhecer de 1.º de setembro de 1939, tropas alemãs invadiram a cidade de Danzig, hoje
Gdansk, arrasando a resistência polonesa e encerrando as tentativas
franco-inglesas de apaziguamento. Ao final de seis anos, mais de 60 milhões de
mortos completariam a estatística recorde de genocídios e devastação.
A palavra mundial é correta,
no sentido de que, fiel a um fenômeno já verificado no século 18 com a Guerra
dos Sete Anos (1756-63), houve batalhas em quase todos os continentes. Porém,
os dois conflitos mundiais do século 20 trariam novos significados à extensão do horror.
Muitos tinham se espantado
com os danos à população civil na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). O
choque tendo por capa a ideia religiosa levou ao túmulo quase um terço da
população alemã.
A Segunda Guerra traria civis
de cidades como Varsóvia, Londres, Hamburgo, Hiroshima, Stalingrado como
vítimas principais de uma devastação inédita. A guerra total tinha chegado e o
horror excedeu tudo o que pudesse ser imaginado.
Guerra Mundial, sem dúvida,
mas ainda marcada pela memória europeia. O bombardeio sistemático do Japão a
cidades do litoral chinês havia começado dois anos antes, em 1937, com o
incidente da Ponte Marco Polo. O número de mortos chineses excede as cifras de
qualquer país europeu, com exceção da URSS. A guerra asiática começou antes e terminou depois.
Enquanto a Europa suspirava, aliviada, pelo fim do conflito em maio de 1945, os
asiáticos teriam de esperar até agosto/setembro do mesmo ano para que a palavra
paz aparecesse.
Não existe justificativa para
que se date a Segunda Guerra de setembro de 1939; há apenas a tradição eurocêntrica usual na memória.
Também um foco EUA-França-Inglaterra impede de se avaliar, por vezes até
hoje, o peso decisivo das tropas soviéticas na derrota do nazismo.
O mesmo ocorre com as
datações da Guerra Fria como tendo origem em 1945 nas divergências dos antigos
Aliados. O choque do capitalismo e do socialismo pode ser diagnosticado em
questões diplomáticas após a vitória bolchevique de 1917 e na
invasão do território russo logo na sequência. Toda a década de 1920 foi tomada
por ações de países como França/Inglaterra/Japão contra o governo soviético.
Datas são símbolos de como concebemos o mundo e o poder.
O senso comum gosta de
afirmar que devemos estudar história para evitar a repetição de seus erros. Se
assim for, trabalho em área inútil, porque pouco ou nada se aprende, em
especial sobre guerras. Vejamos:
- A guerra de 1914 tinha sido para acabar com todas as guerras. O lema
foi reforçado pelo discurso idealista do presidente dos EUA W. Wilson. Terminou
com a humilhação da Alemanha e um espírito revanchista contido no Tratado de
Versalhes.
- Mesmo assim, avaliando o custo enorme das trincheiras com gases e metralhadoras, Londres e Paris fizeram concessões ao nazifascismo antes de 1939. As tentativas de apaziguamento, como o Acordo de Munique de 1938, de muitas formas incentivaram as ditaduras de Berlim e Roma a exigir cada vez mais. Ou seja, o aprendizado do horror da Grande Guerra tinha se revelado um incentivador para novo conflito. Assim, da mesma forma, tendo sofrido com o pesadelo de duas frentes de batalha entre 1914 e 1917, a Alemanha, grande pátria de historiadores, refez o erro em 1941.
- Terminada a guerra, em 1945, temos novas ações de provocação que nos empurram para o risco de outro conflito mundial: o bloqueio de Berlim, o conflito na Coreia, os choques de fronteira entre China e URSS, a guerra do Vietnã, a crise dos mísseis de Cuba e tantos outros.
Aprendemos pouco e repetimos erros de forma sistemática. O ‘aprendizado da história’ sempre me parece como o caso do clichê tradicional de um homem que se casa cedo, constrói patrimônio com uma mulher, aprende muito, amadurece e, quando chega aos 60 anos, pleno de lições e de sabedoria, abandona a antiga companheira e se casa com uma jovem de 20 anos... Nós, humanos, nem sempre nos tornamos sábios com o passar dos anos.
Quando a rádio alemã anunciou
a invasão da Polônia no amanhecer de 1.º de setembro de 1939, muitos foram às ruas comemorar. Guerras causam
algumas alegrias nos primeiros dias. O mesmo ocorreria com uma multidão em
Buenos Aires, em 1982, saudando outra aventura ditatorial: a invasão das
Malvinas. O entusiasmo diminui sistematicamente com a chegada de corpos.
Existe uma ironia a refletir.
A ‘causa imediata’ (historiadores abominam a palavra causa, hoje) da Segunda
Guerra na Europa foi a invasão da Polônia. O governo polonês, derrotado, fugiu
para Londres.
Teoricamente, todo o esforço
dos seis anos seguintes seria para restaurar aquela administração. Ao final do
conflito, os soviéticos impuseram outro governo à Polônia, e os dirigentes de
Varsóvia ficaram sem o reconhecimento oficial das potências ocidentais.
Em outras palavras, uma
guerra termina muito distinta do que a fez começar, e as causas ‘elevadas’
apresentam um custo tão alto que deveriam ser muito avaliadas.
Por fim, se existe uma lição
em 1939 é de que democracias plenas não declaram guerra umas às outras na
História. A guerra sempre envolve um governo autoritário em um dos campos, ou
em ambos. Não bastasse tudo, esse seria um grande motivo de defesa do Estado
Democrático de Direito.
Fonte: Leandro Karnal, OESP
(JA, 01-Set19)