Parte I – O nascimento e a educação de
uma arquiduquesa
Ao se avaliar o quanto da
história do Brasil seus atuais habitantes assimilaram, muitos deixam passar que
durante os anos de 1822 a 1889 vivemos uma fase única, entre todos os países do
continente Sul-americano: o Império. Nesses 67 anos de regime monárquico,
observou-se a elevação de dois soberanos, e também de suas respectivas
consortes (três ao todo).
Dentre elas, a que mais contribuiu para a
caracterização de uma definição acerca da unidade nacional, foi, sem dúvida, D.
Leopoldina de Habsburgo-Lorena, arquiduquesa austríaca que aos vinte anos
partiu da mais ilustre corte europeia para um país com crenças e costumes, a
maioria deles, alheios aos seus, para casar-se com o herdeiro da coroa
portuguesa, nosso caríssimo D. Pedro I (aquele que ficaria marcado pela famosa
frase ‘Independência ou Morte’, supostamente proferida às margens do riacho
Ipiranga, em 07 de setembro de 1822).
Imperador Francisco I da Áustria, por Friedrich von Amerling |
Mas será que os
acontecimentos se sucederam da forma como foi passado a muitos de nós, enquanto
estudantes do ginásio e ensino médio? Qual seria o papel do primeiro Imperador
do Brasil e de sua primeira esposa no processo que rompeu os laços de
vassalagem que ligavam este país a Portugal? Analisando a trajetória de tão
formidáveis personagens, podemos concluir que muitas das decisões que marcaram
o período em questão tiveram forte influência de uma princesa predestinada e
decidida a impedir que os ideais da revolução francesa se disseminassem em
território brasileiro, e abalassem o equilíbrio do regime que estava enraizado
no seu berço.
Entretanto, parece que a
personalidade de D. Leopoldina pouco vem alcançando a devida atenção perante os
olhos dos pesquisadores. Sendo assim, o presente texto (dividido em duas
partes), objetiva retraçar de forma singela os passos dessa impressionante
mulher, revelando sua fundamental contribuição na vida política do Império.
Feito as considerações
iniciais, partamos então para o início, ou melhor, para uma breve
contextualização do palco político da Europa de finais do século XVIII, marcada
por profundas transformações na ordem política e social: o antigo regime
(absolutista) encontrava-se ameaçado por uma onda revolucionária que iniciara
na França em 1789, e se alastrara para os demais países vizinhos, entre eles, o
Sacro Império Romano-Germânico.
Em meio a esse processo de
turbulência, a 22 de janeiro de 1797 nascia na corte de Viena mais uma
descendente do Imperador Francisco II (mais tarde Francisco I da Áustria) e de
Maria Tereza da Sicília, aquela que viria ser a Imperatriz Maria Leopoldina do
Brasil. Por volta do início dos anos 1800, Napoleão Bonaparte se lançara em
sucessivas campanhas militares contra os domínios dos Habsburgo, e chegara
inclusive a marchar sobre a corte vienense, ocasionando na fuga da família
imperial (como se tentassem escapar do mesmo destino de outra dos seus: Maria
Antonieta, outrora rainha da França).
Toda essa euforia, contudo,
teve apenas um breve apaziguamento quando em 1809 a Áustria e a França
assinaram uma aliança, selada pelo casamento de Maria Luísa, filha mais velha
de Francisco I, com seu maior inimigo.
Arquiduquesa Carolina Leopoldina (retrato na Biblioteca Nacional da Áustria) |
Finalmente, em 1813 as forças
napoleônicas capitularam na Batalha dos Povos em Leipzig, fazendo com que os
Habsburgo retomassem suas antigas posses no continente. Nesse contexto de confrontos
armados, cabe a nós pensarmos como se deu a educação dos jovens príncipes da
casa d’Áustria, que à medida que cresciam, assimilavam de forma antagônica os
acontecimentos de então. Segundo Bettina Kann (professora de história da
Universidade de Viena e bibliotecária da Biblioteca Nacional da Áustria):
‘O Imperador Francisco
programou a educação de seus filhos de acordo com as tradições de seu pai e
tio. As matérias lecionadas eram leitura, escrita, aritmética, alemão, francês,
italiano; em seguida dança e desenho ou pintura; finalmente história geografia,
música e cravo. Na segunda fase da educação havia adicionalmente matemática
(aritmética e geometria), literatura, física, latim, canto e trabalhos
femininos…” (Kann et al., 2006, pag. 65).
Complementa ainda a autora
que, nesse processo, D. Leopoldina desenvolveria ávido interesse por
mineralogia e zoologia. Dessa forma, podemos avaliar que apesar dos
acontecimentos, os filhos do imperador, especialmente a futura princesa real,
conseguiram concluir seus estudos em meio às turbulências daqueles anos de
guerras.
As características que a jovem Leopoldina desenvolveu já em tenra
idade, por sua vez, poderiam ser comprovadas anos mais tarde, quando de sua
instalação na corte do Rio de Janeiro.
A notícia da derrocada de
Napoleão foi particularmente bem vinda entre a corte de D. João VI, que desde
fins de 1807 (ano de falecimento da mãe de D. Leopoldina) fugira da ameaça
francesa para sua mais próspera colônia, na América do sul. Numa tentativa de
sair da sombra imposta pela Inglaterra, a família real portuguesa viu então na
união matrimonial de seu príncipe e herdeiro, D. Pedro, com uma das filhas do
imperador Francisco, uma forma de intensificar seus laços com o continente
europeu.
Desse ponto em diante, os olhos
da nobreza vienense recaíram sobre a jovem escolhida para desempenhar tal
tarefa; aquela cujo matrimônio selaria a união entre a casa de Habsburgo e a
casa dos Bragança. As arquiduquesas eram preparadas desde cedo para ser vir aos
interesses do Estado, através de um casamento com um príncipe estrangeiro,
selando assim uma aliança política entre a Áustria e o outro reino.
Nesse consórcio, amor e
felicidade eram dois elementos com os quais elas não podiam contar. Sendo
assim, é possível compreendermos que. para além de uma instrução esmerada, a
futura princesa real do Brasil estava ciente de suas obrigações. Afinal, ela
fizera longa viagem aos trópicos para lembrar à sua nova família de que
representava o apoio da casa d’Áustria nos seus interesses políticos, e
vice-versa.
Retrato da Princesa Real, Maria Leopoldina em 1817 na Ilha da madeira, onde fez uma parada durante sua viagem para o Brasil |
Todavia, apesar de estar
economicamente deficitário, o Brasil de D. João demonstrou ostentação e
requinte ao enviar o Marquês de Marialva para representá-los em Viena no
casamento por procuração de D. Pedro e da referida Arquiduquesa (de acordo com
estimativas, os gastos com o cerimonial chegaram a quase 1,5 milhão de
francos).
Destarte, a comitiva de Leopoldina só partiria a três de junho de
1817, composta, além da criadagem e objetos da princesa, de famosos paisagistas
e pesquisadores, entre os quais Johann Baptist Von Spix e Karl Philipp Von
Martius, que retornariam para a Europa com um arsenal de imagens, registros
textuais e amostras de plantas e animais, que mais tarde foram reunidos e
compilados numa extensa bibliografia sobre as terras brasileiras.
A viagem durou cerca de três
meses, com eventuais paradas. De seu navio, a futura imperatriz escreveria
muitas cartas para sua família em Viena, relatando seus anseios, e também sua
crença no acaso, ‘pois sempre tive singular pendor pela América e, quando
criança, eu dizia que queria ir lá’ (apud Gomes, 2010, pag. 132).
Com efeito, a nova princesa
real aportaria em sua pátria de adoção a cinco de novembro de 1817, para êxtase
dos habitantes do Rio de Janeiro, que a receberam com grande pompa,
categoricamente registrada pelos retratos baseados nos esboços de Debret (o principal
pintor da corte de D. João VI) sobre a ocasião.
Seu jovem esposo,
particularmente, mostrar-se-ia extremamente atencioso e educado para com a
jovem esposa. Em várias de suas cartas para a irmã Maria Luísa, ela contaria de
sua imensa felicidade no casamento, ressaltando beleza e a compreensão do
cônjuge um ano e oito meses mais novo que ela mesma. Do palácio de São
Cristóvão, ela escreveria ao pai, em 08 de Novembro de 1817:
‘Com a ajuda divina cheguei
muito feliz e saudável ao Rio de Janeiro, após uma travessia de 84 dias, da
qual me despedi no penúltimo dia com uma tempestade bastante violenta; a
entrada no porto é estreita e acho que nem pena nem pincel podem descrever a
primeira impressão que o paradisíaco Brasil causa a qualquer estrangeiro; basta
dizer-lhe que é a Suíça com o mais lindo e suave céus…’ (apud Kann et
al., 2006, pag. 313).
Desembarque de D. Leopoldina no Rio de Janeiro, segundo estudo de Debret |
Infelizmente, a alegria de
Leopoldina não duraria por muito tempo, pois, à medida que descobria o
verdadeiro caráter explosivo de seu ‘querido e amado esposo’ (como costumava
iniciar as cartas que endereçava a ele), ia percebendo que nem tudo que via ou
ouvia era o que imaginava antes de partir de sua pátria. Porém, na fase inicial
do casamento, tudo parecia perfeito aos olhos da jovem, completamente encantada
com o país que a acolhera, e com sua fauna e flora, abundantes de variedades.
Mal sabia aquela jovem princesa, que poucos anos depois, assumiria um papel
importantíssimo no destino político daquela nação, passando assim do
estereótipo de ‘mulher recatada’, para a imagética da verdadeira matriarca da
independência.
Parte II – Da desilusão à ação
De acordo com o que vimos na
primeira parte deste texto, ao aportar no Rio de Janeiro em cinco de novembro
de 1817, Leopoldina de Habsburgo-Lorena, a nova princesa real, estava encantada
com tudo e todos, principalmente para com o jovem esposo, Pedro. As cartas que
escreveu durante esse período revelam seu estado de êxtase, ao referir-se
inclusive à nova família como ‘anjos de bondade’. Através das mesmas
correspondências, podemos perceber que as noites do casal eram bem agitadas,
pois, segundo ela, o marido ‘não me deixava dormir’.
A Imperatriz D. Leopoldina, por Luis Schlappriz (Museu do Estado de Pernambuco, Recife Brazil) |
Com efeito, o Brasil para a
arquiduquesa, por sua vez, era como um parque temático, onde podia observar as
mais diversas espécies de plantas e animais, em grande parte alienígena à fauna
e flora europeias.
Ela costumava cavalgar com
Pedro, e a sair em passeio sempre acompanhada, uma vez que o rei não permitia
que fizesse fosse sozinha à cidade do Rio de Janeiro, para privá-la de
determinados fatos que em muito lhe causariam transtorno, como foi o caso do
trato que era dado aos negros escravos, que, com espanto, ela constatara tempos
mais tarde que eram considerados perante aquela sociedade não como pessoas, mas
como coisas.
A partir daí, Leopoldina foi
percebendo que o quadro que o Marquês de Marialva lhe havia pintado sobre a
família real portuguesa era pura fachada.
Segundo observações do
período, não tinha uma boa relação com a sogra Carlota Joaquina, a quem
condenava o comportamento. O marido logo se mostraria em seus modos grosseiros
e impacientes, humilhando-a com seus casos extraconjugais. A terra prometida,
tão distante da Viena natal, fazia muito calor e apresentava condições
insalubres para uma moradia nos padrões europeus.
Todos esses aspectos fizeram
com que a arquiduquesa passasse cada vez mais a se definir como alemã,
contrastando assim seus modos e etiqueta com os dos habitantes do Brasil. É a
historiadora Mary Del Priore quem oferece um quadro comparativo entre os
costumes da princesa real com os da corte portuguesa:
'Os hábitos de Leopoldina
aumentavam a distância entre ela e seus súditos. Ela comia com talheres; eles,
com as mãos. Ela gostava de ler, eles desconheciam o prazer da leitura. Ela
sentava-se em cadeiras, mas as damas, de acordo com o costume oriental, com as
pernas cruzadas no chão'. (Priore, 2012, pág. 33).
De fato, Leopoldina não era
uma grande beldade. Porém, o que lhe faltava em atributos físicos, lhe sobrava
em moral e inteligência. Características que viriam a se mostrar fundamentais
para seu grande papel na independência do país.
Com a revolução do porto, em
1820, as cortes de Lisboa exigiam de forma impaciente o regresso do rei e sua
família para Portugal. No ano seguinte, D. João VI não tinha escolha a não ser
retornar à pátria, ou ficar e correr sérios riscos de perder a coroa.
O filho Pedro ficaria então
como regente no Brasil, porém, como os acontecimentos provariam, não era um
rapaz cujo conhecimento o tornava apto para tal tarefa, cabendo, assim, à
instruída Leopoldina a tarefa de aconselhar o cônjuge sempre que sua
intervenção fosse necessária.
A futura imperatriz
demonstrava em suas cartas à irmã Maria Luísa o medo de que uma revolução como
a que devastara a França três décadas antes, também ocorresse no país, dado o
caráter de adesão do marido aos princípios liberais, em contraposição ao que
denominava como ‘bons e velhos’ preceitos, ou seja, as bases do regime
monárquico.
Reforçando, então, a extrema
necessidade do esposo em adotar uma postura mais firme e de não atender aos
desejos das cortes de regressar ele também a Lisboa, fica evidente a
participação da princesa na passagem que ficou conhecida como ‘o dia do fico’,
em nove de janeiro de 1822
.
Para Leopoldina, a
incorporação dos ideais do liberalismo era necessária apenas para separar o
Brasil de Portugal, sem, contudo, anular a soberania da casa bragantina no
reino local.
No entanto, em
correspondência ao secretário Schäffer datada de 08 de Janeiro de 1822, (um dia
antes do ‘dia do fico’) ela relatava o seu temor, ao dizer:
“O Príncipe está decidido [a
ficar no Brasil], mas não tanto quanto eu desejaria. Os ministros vão ser
substituídos por filhos do país que sejam capazes. O governo será administrado
de um modo análogo ao dos Estados Unidos da América do Norte (apud Kann et. al., 2006, pag. 389).
José Bonifácio de Andrada de Silva, por Oscar Pereira da Silva |
Ainda na mesma
correspondência, a futura Imperatriz revela seu protagonismo nos eventos
ligados ao marido, ao completar afirmando que ‘muito me tem custado alcançar
isso tudo – só desejaria insuflar uma decisão mais firme’.
Com a transferência da sede
do reino português de volta para Lisboa, a elite carioca sentira-se
economicamente defasada. O Estado, por sua vez, encontrava-se sem recursos para
quitar suas dívidas, pois antes de sua partida D. João raspara os fundos
monetários do Banco do Brasil.
Sendo assim, pode-se notar
como o clima do período estava propício a grandes tensões de cunho político e
administrativo. Coube a Leopoldina tomar nova medida junto ao príncipe regente,
ao sugerir a nomeação de José Bonifácio de Andrada e Silva para o ministério
(em janeiro de 1822), cargo este que o paulista relutou tanto tempo em aceitar.
A partir daí, todas as peças do quebra cabeça da futura independência já
estavam devidamente encaixadas, exceto pelo fato de Pedro ainda continuar a
vacilar.
Apesar de tudo, o primeiro
imperador do Brasil ainda sentia-se em obrigação para com o pai e o reino de
Portugal. Não queria tomar uma atitude que prejudicasse os interesses de D.
João VI. Todavia, se continuasse nesse estado de inércia, acabaria perdendo sua
soberania no Brasil, que, por sua vez, não queria transformar-se novamente em
colônia. Carlos H. Oberacker Jr., autor do maior ensaio biográfico já publicado
sobre a vida de D. Leopoldina, diz-nos o seguinte:
Enquanto D. Pedro se vinha
recusando a atender aos patriotas e hesitando mais tarde, procedimento
compreensível em virtude de suas inclinações liberais e seus juramentos
anteriores de fidelidade às cortes, os patriotas cuidavam de entrar em contato
com D. Leopoldina, que já se encontrava do lado deles. Sabiam que seu conselho
pesava muito nas decisões do jovem príncipe que, apesar de vacilar com o pai,
atendia, ao contrário deste, o conselho de pessoas de confiança (Oberacker Jr., 1973, pág. 231).
Sem dúvida, Leopoldina, e
futuramente José Bonifácio, era uma dessas pessoas de confiança. A prova está
na decisão do príncipe de nomeá-la regente, enquanto viajava para São Paulo em
agosto de 1822.
A arquiduquesa estava, então,
no lugar certo e no momento certo, quando ela e o ministro Bonifácio
deliberaram pela independência, em 02 de setembro daquele ano, numa sessão do
Conselho de Estado. Em carta ao marido, ela o incitava a seguir em frente,
dizendo ‘senhor, o pomo já está maduro, colhe-o já, se não apodrece’, pois, nas
palavras do ministro ‘o dado já está lançado e de Portugal não temos a esperar
senão escravidão e horrores’.
Aclamação de D. Pedro I como Imperador, por Jean-Baptiste Debret (D. Leopoldina ao seu lado e a princesa D. Maria da Glória no colo) |
Em 07 de setembro de 1822, D.
Pedro selaria para sempre o destino do Brasil, ao proclamar, diante de poucos
espectadores, a emancipação política do país.
A aclamação de nosso primeiro
imperador ocorreu no campo de Santana, no Rio de Janeiro, e foi esplendidamente
retratada pelos olhos do desenhista da corte, Jean-Baptiste Debret.
Como era fluente em mais de
uma língua e representava os interesses da casa d’Áustria em território
nacional, D. Leopoldina enviou cartas às cortes europeias para reconhecerem a
soberania do Estado brasileiro.
Porém, tanta luta política,
aliada às desilusões amorosas para com o marido, além das gravidezes sucessivas
(nove no total), cobraria seu preço, tanto no aspecto físico, quanto no
psicológico da Imperatriz.
Podemos perceber em carta a
sua irmã Luísa como se encontrava o estado de espírito da imperatriz no fim de
seus anos, quando diz que ‘nós, pobres princesas, somos tais quais dados, que
se jogam, e cuja sorte ou azar depende do resultado’. Havia mergulhado em
profunda melancolia, afogada em dívidas contraídas para ajudar as famílias que
lhe recorriam, e dedicada ao cuidado dos filhos, confiante na infeliz certeza
de que nunca mais retornaria à Europa. E assim o foi.
Conclusão
Ainda hoje persistem muitas
especulações acerca do que poderia ter causado na morte precoce da Imperatriz
seis semanas antes de completar 30 anos, em onze de dezembro de 1826.
Boatos dão conta de que teria
sido agredida por D. Pedro, quando esta se recusou a comparecer há um evento de
despedida organizado pelo imperador, que estava de partida para o sul, o qual
contava com a presença de Domitila de Castro, a marquesa de Santos, reconhecida
amante real. Quanto a isso, não se pode ter certeza, embora não é improvável
que tal tenha se sucedido, dado que explosões de raiva eram corriqueiras em
Pedro.
À época estava grávida, tendo
abortado um feto do sexo masculino em dois de dezembro. Na última carta que
escreveu a sua irmã Maria Luísa, ela da conta de suas enfermidades, ao dizer
que estava ‘reduzida ao mais estado deplorável de saúde e tendo chegado ao
último ponto de minha vida, em meio aos maiores sofrimentos’.
Ao saber da notícia do
falecimento da imperatriz, o outrora ‘adorado Pedro’, aquele a quem ela se
referiu na mesma carta à irmã como ‘monstro sedutor’, que a havia diminuído ao ‘estado
da maior escravidão’”, retornara para o Rio de Janeiro, e permanecera trancado
de luto, enquanto toda a pátria chorava a perda de sua mãe.
D. Leopoldina havia
conquistado seu lugar no panteão de heróis do país, como a matriarca do
Império, aquela cuja intervenção seria decisiva para que uma revolução republicana
não atingisse o país e fragmentasse o território nacional, assim como aconteceu
às colônias espanholas na América.
Todavia, ainda hoje se nota
certa dose de desleixo por parte de alguns historiadores que passam por cima da
figura dessa impressionante mulher quando analisam o processo de soberania do
país. Leopoldina fica quase eclipsada diante dos estereótipos de D. Pedro, o
primeiro imperador, e José Bonifácio, o patriarca da independência.
Entretanto, foram suas
articulações políticas com o ministro que definiram os acontecimentos que
culminaram no grito do Ipiranga. Não obstante, apesar de identificar-se pouco
com os costumes do Brasil, assumiu suas responsabilidades de esposa e mãe com
total competência, intercedendo por aqueles a quem considerava dignos de
misericórdia.
O país terá sempre uma dívida
de eterna gratidão para com esta nobre arquiduquesa austríaca que triunfou na
morte, assim como se desiludira em vida. A ela, dedico minha total admiração e
respeito!
Bandeira Imperial do Brasil |
Referências Bibliográficas
- Gomes, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
- Kann, Bettina; Lima, Patrícia Souza. ‘D. Leopoldina: cartas de uma imperatriz’ – São Paulo: Estação Liberdade, 2006.
- Oberacker Jr., Carlos H. ‘A imperatriz Leopoldina, sua vida e época: ensaio de uma biografia’ – Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973.
- Priiore, Mary Del. ‘A carne e o sangue: A imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I e Domitila, a marquesa de Santos’. – Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
Fonte: Renato Drummond Tapioca Neto |
Rainhas Trágicas
(JA, Mar19)