Donos de conglomerado bilionário
contrataram historiador para investigar período pregresso sombrio
Peter Harf, porta-voz da família e um dos dois sócios gerentes da JAB Holding, durante conferência em Berlim |
A família Reimann, que
controla o conglomerado de bens de consumo JAB Holding Co., contratou um
historiador recentemente para mergulhar nos arquivos da empresa e pesquisar
suas atividades durante os 12 anos do regime nazista.
Loja de Judeus vandalizada, Noite dos cristais novembro 1938 |
Anunciadas 74 anos após o fim
da Segunda Guerra Mundial, as primeiras revelações são profundamente
perturbadoras.
Albert Reimann, pai, e seu
filho Albert Reimann Jr., que comandaram a empresa nos anos 1930 e 1940, foram
partidários entusiastas de Hitler e antissemitas convictos.
Eles aprovavam o uso de
trabalhadores forçados não apenas em sua empresa de produtos químicos
industriais, no sul da Alemanha, mas também em sua residência.
Operárias do leste europeu
eram forçadas a ficar em posição de sentido, nuas, em seus alojamentos nas
fábricas. As que se recusavam a fazê-lo eram sexualmente agredidas.
Trabalhadores levavam chutes e eram espancados. Foi o que aconteceu com uma
trabalhadora russa que fazia a faxina da mansão privada dos Reimann.
A notícia do passado
tenebroso da família foi divulgada primeiramente pelo tabloide Bild.
Peter Harf, porta-voz da
família e um dos dois sócios gerentes da JAB Holdings, disse que os fatos
trazidos à tona pelo historiador ‘coincidem plenamente’ com o que a família já
sabia.
‘Reimann pai e Reimann Jr.
eram culpados’, disse Harf. ‘Deveriam ter ido para a cadeia’.
A exploração de trabalhadores
forçados foi generalizada na Alemanha na época da guerra, uma época de escassez
aguda de mão-de-obra.
Estima-se que 12 milhões de
pessoas de mais de uma dúzia de países europeus foram sequestradas pelos
nazistas e forçadas a trabalhar para sustentar o esforço de guerra alemão. Em
seu auge, os trabalhadores forçados teriam chegado a formar 20% da força de
trabalho alemã.
Fazendas e empresas
industriais importantes para o esforço de guerra eram priorizadas pelo
departamento governamental que distribuía os trabalhadores –homens e mulheres
arrancados de suas casas em territórios sob ocupação nazista, ou, em alguns
casos, prisioneiros de guerra.
O caso da família Reimann se
destaca pela brutalidade especial detalhada em alguns dos documentos citados e
também pelo fato de que pai e filho parecem ter se envolvido pessoalmente nos
maus-tratos, disse Andreas Wirsching, diretor do Instituto Leibniz de História
Contemporânea, em Munique.
‘Era muito comum que
companhias fizessem uso de trabalhadores forçados. Mas não era comum que os
diretores das companhias tivessem contato direto e físico com esses
trabalhadores’, explicou Wirsching.
Consta que após a guerra
Albert Reimann, pai, que morreu em 1954, e Albert Reimann Jr., morto em 1984,
nunca falaram sobre a era nazista. Foi apenas no início dos anos 2000 que a
geração mais jovem da família começou a vasculhar documentos antigos da empresa
e topou com materiais sugerindo que seu pai e avô tivessem sido nazistas convictos.
Em 2014 a família convidou
Paul Erker, historiador econômico da Universidade de Munique, a documentar a
história da empresa. A pesquisa de Erker ainda está em andamento. O que emergiu
até agora veio de uma apresentação provisória que ele fez no início do ano,
disse Harf.
‘Ficamos atônitos’, disse.
‘Ficamos envergonhados, pálidos como a parede’.
Harf disse que quando o
historiador completar seu relatório, previsto para 2020, o texto será levado a
público. A família pretende doar 10 milhões de euros, cerca de R$ 43,64
milhões, a uma entidade beneficente que ainda não foi identificada.
No ano 2000 o governo alemão
ajudou a criar um fundo de 10 bilhões de marcos (5,1 bilhões de euros) para
pagar indenizações a trabalhadores forçados. Metade do dinheiro veio de
empresas como a Siemens, Deutsche Bank, Daimler e Volkswagen.
A lista de empresas alemãs
muito conhecidas que lucraram com o uso de mão-de-obra forçada –e com os crimes
nazistas de modo mais geral— é longa. Muitas dessas empresas levaram décadas
para abrir seus arquivos a pesquisadores.
A Daimler foi uma das
primeiras a fazê-lo, na década de 1980. A fabricante da Mercedes usou quase 40
mil trabalhadores forçados perto do final da guerra. A Volkswagen usou 12 mil,
entre os quais prisioneiros de campos de concentração que eram mantidos em um
campo ocupado apenas por seus trabalhadores.
A Hugo Boss produzia os
uniformes pretos da SS. O Deutsche Bank foi uma de muitas empresas que lucraram
com o confisco de firmas de seus proprietários judeus.
Os Reimann fizeram sua
fortuna inicialmente com uma empresa química que se tornaria a Reckitt
Benckiser, gigante de bens de consumo que vale US$ 58 bilhões e cujas marcas
incluem a Lysol.
Mais tarde eles canalizaram
boa parte de seu dinheiro para o conglomerado JAB, que graças a uma série de
aquisições ágeis tornou-se um dos maiores nomes no mundo dos bens de consumo.
A JAB gastou bilhões para
rivalizar com empresas como Starbucks e Nestlé, adquirindo redes como a Peet’s
Coffee & Tea, Krispy Kreme e Pret A Manger.
No ano passado ela ajudou a
Keurig Green Mountain, empresa de café em cápsulas, a comprar a Dr Pepper
Snapple por quase US$ 19 bilhões.
A JAB também controla a
gigante dos cosméticos Coty, dona dos perfumes Calvin Klein, e foi no passado
dona de grifes de moda de luxo como Jimmy Choo.
De acordo com a publicação
financeira ‘Manager Magazin’, a fortuna dos Reimann, uma das famílias
industriais alemãs que guarda mais segredo sobre suas atividades, foi estimada
no ano passado em 33 bilhões de euros.
Mais recentemente, os Reimann
figuraram em segundo lugar em listas das famílias mais ricas do país.
Com base no que foi revelado
até agora, Andreas Wirsching, o historiador, disse que o mais provável é que os
Reimann tenham sido não apenas oportunistas, mas também ‘nazistas comprometidos
com a causa’.
Pai e filho se filiaram ao
partido nazista, e fizeram doações à SS, antes mesmo de Hitler chegar ao poder.
Em julho de 1937 Albert
Reimann Jr. escreveu uma carta ao líder da SS, Heinrich Himmler, que comandou o
Holocausto.
‘Somos uma empresa familiar
puramente ariana com mais de cem anos de história’, ele escreveu. ‘Os
proprietários são seguidores incondicionais da teoria racial’.
O Bild divulgou que em 1943,
175 trabalhadores, ou um terço do total, eram mão-de-obra forçada.
Além de civis russos e do
leste europeu, os Reimann usavam prisioneiros de guerra franceses. Em 1940
Albert Reimann Jr. teria se queixado ao prefeito de Ludwigshafen, a cidade onde
ficava sua fábrica, dizendo que os franceses não trabalhavam com afinco.
Quando a guerra acabou, as
forças de ocupação aliadas investigaram os Reimann. Os franceses os proibiram
de continuar com suas atividades comerciais, mas os Estados Unidos revogaram a
decisão, segundo o Bild.
Fonte: NYT
(JA, Mar19)