Pistoia, uma cidade
italiana, a meia hora de trem de Florença, abrigou entre 1945 e 1960, os corpos
de 465 soldados brasileiros mortos na II Guerra Mundial. Em 1960 seus restos
foram trasladados para o monumento então inaugurado no Aterro do Flamengo, no
Rio de Janeiro.
Hoje, no
antigo cemitério de Pistoia, junto a uma bandeira do Brasil e uma pira eterna,
ergue-se uma elegante peça de concreto, com formas que lembram uma tenda, ou,
melhor ainda, um baldaquino. Desenhado pelo arquiteto modernista Olavo Redig de
Campos, 1906-1984, o monumento lembra os brasileiros caídos em combate e serve
de abrigo ao soldado desconhecido: um último pracinha, encontrado no campo de
batalha de Montese depois do traslado dos demais e nunca identificado, repousa
entre suas esguias colunas. Num local retirado, junto a uma estrada de pouco
movimento e na vizinhança de plantações de oliveira, o Brasil assinala aqui uma
presença silenciosa e honrosa.
A participação
do país na guerra vai desaparecendo da memória dos brasileiros. Quando se
lembram dela, o comum é fazer graça do papel de formiguinha entre as feras em
confronto. No entender das próprias feras, porém, o papel da formiguinha não
era irrelevante.
Em livro
relançado neste ano, acrescido de partes inéditas (Getúlio Vargas, Meu Pai), a
filha do então ditador brasileiro, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, conta que,
em viagem de lua de mel aos Estados Unidos, foi convidada, junto com o marido,
Ernani do Amaral Peixoto, a visitar o presidente Franklin Roosevelt na Casa
Branca. Era julho de 1939, vésperas do início da guerra. Aplicando uma régua
sobre um mapa-múndi, Roosevelt mostrou a pouca distância entre Natal e Dacar;
segundo ele, se os alemães dominassem o litoral africano, teriam um trampolim
para, pelo Nordeste brasileiro, invadir o continente americano.
Roosevelt
empenhava-se em trazer o Brasil para a causa aliada, num momento em que nossos
dois principais chefes militares, Eurico Dutra e Góes Monteiro, favoreciam o
nazifascismo, e os sinais de Getúlio eram ambíguos.
E se a célebre batalha do Norte da
África tivesse terminado com a vitória dos alemães?
Recado
semelhante havia sido dado meses antes pelo presidente americano ao chanceler
brasileiro Oswaldo Aranha. Os estrategistas americanos, segundo escreve Lira
Neto, biógrafo de Getúlio, temiam que o Brasil se constituísse ‘na porta de
entrada dos nazifascistas no hemisfério’. Ao contingente de 25 000 soldados
enviados à Itália somou-se, como contribuição brasileira, a cessão da base
aérea com que os aviões americanos, de Natal, abasteciam as tropas aliadas na
África. Ao se cogitar do rumo que o conflito poderia ter tomado, apresentam-se
dois ‘e se’. Primeiro: e se o Brasil tivesse optado pela neutralidade, de todo
conveniente aos alemães? Segundo: e se da célebre batalha do Norte da África,
entre o inglês Montgomery e o alemão Rommel, o segundo tivesse saído vitorioso?
Ter o Brasil ao lado garantiu uma vantagem estratégica para a causa aliada à
qual não se costuma atentar.
O monumento de
Pistoia tem como administrador um batalhador incansável pela divulgação da
relevância do Brasil na guerra. O ítalo-brasileiro Mario Pereira exerce essa
função, subordinada à embaixada brasileira em Roma, desde a morte de seu pai,
Miguel Pereira, em 2003. Miguel foi um dos 58 soldados brasileiros que se
casaram com italianas; radicou-se em Pistoia e assumiu a administração,
primeiro do cemitério, depois do monumento, a partir de sua inauguração, em
1967. O filho faz frequentes viagens ao Brasil, para palestras. Quando lhe é perguntado
quem paga essas viagens, ele tira a carteira do bolso: ‘É isso aqui que paga’.
O terreno do
antigo cemitério foi cedido pelo governo italiano ao brasileiro em regime de
comodato. O Brasil empenha-se em obter sua doação, e as negociações caminhavam
bem, segundo explica Mario Pereira, até que o caso Cesare Battisti, ao azedar as relações entre os dois
países, reconduziu-as à estaca zero.
Atrás do
monumento, Redig de Campos ergueu um muro em que se inscrevem os nomes dos
soldados mortos. No Dia de Finados, como em todos os anos, haverá no local uma
cerimônia, com a presença do embaixador na Itália e talvez de alguma autoridade
vinda do Brasil.
Quando ativo,
o cemitério possuiu uma quadra para generosamente abrigar também os alemães
mortos nas batalhas com os brasileiros; 47 deles estiveram ali enterrados.
Ao contrário
de muitos outros, esse é um lugar em que é reconfortante ver tremular a
bandeira do Brasil.
Texto:
Roberto Pompeu de Toledo | Rev. Veja
(JA, Out17)