“Mostra busca desmistificar figura de
Mata Hari, 100 anos após sua morte. Mata Hari. A menção ao nome evoca uma
história de aventuras da cortesã e dançarina exótica que se converteu em espiã
na Primeira Guerra Mundial (1914-18), sendo executada há cem anos por seus
serviços ao Império Alemão.
Certo? Nem tanto. Como a bibliografia
biográfica recente explorou e uma nova exposição condensa, a personagem estava
mais para uma vítima de seus erros.
‘Os elementos do mito, a espiã, a
dançarina, são o que a maioria das pessoas acha que sabe. Mas ela era bem mais
que isso: uma criança que teve muitas experiências negativas, uma mãe que
perdeu o filho e teve de fazer várias escolhas difíceis’, afirma, por e-mail,
Yves Rocourt.
Ele é o curador da mostra ‘Mata Hari -
O Mito e a Donzela’, aberta em no dia 14 de outubro de 2017, no Museu da Frísia, em Leeuwarden (Holanda),
cidade natal de Margaretha Geertruida Zelle —a Mata Hari.
A exposição recolhe reminiscências de
sua infância na cidade, onde nasceu em 1876, filha de um lojista, e de sua
trajetória posterior.
Como conta uma de suas mais argutas
biógrafas, a americana Pat Shipman, ela era tratada como uma ‘princesa’,
condicionada a buscar atenção o tempo todo. Sofreu a falência e o divórcio dos
pais, além da morte da mãe quando tinha 15 anos.
Aos 16, teve seu primeiro caso
rumoroso, com o diretor da escola local, 51. Dado o ambiente patriarcal da
época, previsivelmente, ela pagou o preço do escândalo e foi expulsa da escola.
CASAMENTO
Zelle encontrou por meio de anúncios
de jornal o capitão Rudolph McLeod, 22 anos mais velho e um alcoólatra
violento. Casaram-se e foram morar na Indonésia. A jovem não gostou da vida de
casada e colecionou casos.
Acabou tendo dois filhos, Norman e Nonnie.
O primeiro morreu aos dois anos, talvez por overdose do mercúrio usado para
tratar a sífilis congênita que herdou do pai.
O fato arrasou a união, não menos
porque Zelle acusou McLeod pela doença do filho. Eles voltaram para a Holanda e
se separaram, e o ex-militar publicou em jornais aviso para que ninguém
vendesse a crédito à jovem de hábitos perdulários.
Sozinha e quebrada, teve de entregar a
filha a Rudolph. Restava usar os talentos que tinha à mão. Em 1903, a Meca da
luxúria europeia era Paris. Dançando e se prostituindo, criou a Mata Hari, cujo
nome significa ‘aurora’ em algum dialeto indonésio.
Ela adicionou ao strip-tease que fazia
toques de misticismo oriental, inventando histórias sobre como havia sido
criada em um templo na selva em Java, e virou sucesso em toda a Europa.
De apresentações privadas a casos cada
vez mais numerosos com ricaços, Mata Hari construiu sua fama. Usualmente nua ao
fim das danças, nunca retirava o sutiã ornamentado: considerava seus seios
muito pequenos.
A carreira foi errática, contudo. Em
maio de 1914, ela conseguiu um bom contrato em Berlim. Três meses depois, a
guerra estourou e ela teve de voltar à Holanda, logo ocupada pela Alemanha.
A SERVIÇO DE BERLIM
Miserável, foi visitada por um
diplomata alemão, que lhe ofereceu dinheiro para virar espiã de Berlim —o que
ela aceitou sem pensar, mas, segundo seus biógrafos, sem executar a função de
fato.
Seja como for, passou a ser seguida
por serviços de espionagem dos Aliados quando voltou a Paris. ‘Expomos
relatórios dos agentes que a seguiam’, diz Rocourt.
Mata Hari retomou sua carreira nos
palcos e camas da cidade. Em 1916, tudo mudou. Ela se apaixonou por um capitão
russo, Vadim, 18 anos mais novo. O militar estava estacionado com os franceses
na região de Vittel, perto do front, e ela precisava de um passe para
visitá-lo.
Encontrou ajuda com Georges Ladoux,
chefe da inteligência militar francesa. Ele concordou em lhe dar o passe em
troca de espionagem.
Na volta a Paris, ela foi enviada para
seduzir o governador militar alemão da Bélgica. Não deu certo, e ela acabou na
Espanha, onde buscou mostrar serviço nos braços de um oficial alemão.
Quando Mata Hari apresentou um
relatório sobre manobras secretas para Ladoux, a situação se voltou contra ela.
Segundo afirma Shipman, ela foi vítima
de uma caça às bruxas misógina ao estilo medieval, tendo a fama jogada contra
si. Rocourt prefere não usar termos como feminista ou libertária para
defini-la. ‘Era um produto de seu tempo. Evito rótulos modernos’.
Em fevereiro de 1917, ela foi presa
num processo que a Justiça francesa admitiu ser falho 30 anos depois. Em 15 de
outubro, vestida elegantemente, acabou fuzilada num bosque perto de Paris, após
jogar um beijo para o padre e outro para seu advogado. ‘A criação do mito
começou com ela’, sustenta o curador.
Coube a Hollywood eternizar a figura,
a partir do papel de Greta Garbo em ‘Mata Hari’ (1931). Desde então, houve
cerca de 50 filmes e séries de TV sobre a espiã ou baseados livremente em sua
vida.
Não só. Em 2016, foram lançados um
livro com correspondências inéditas e um romance de Paulo Coelho (‘A Espiã’)
sobre ela. Morta há cem anos, a Mata Hari ficcional segue bem viva no
imaginário ocidental.”
Texto: Igor Gielow | FSP
Imagens:
- Estátua de Mata Hari no bairro em que ela nasceu em Leeuwarden, no norte da Holanda, em 1876
- Exposição sobre a vida de Mata Hari foi aberta neste mês no Museu da Frísia, em Leeuwarden (Holanda)
(JA,
Out17)