A monumental ‘Domestikator’, do
ateliê holandês Van Lieshout, deveria ser instalada no Jardim das Tulherias
durante a edição de 2017 da Feira Internacional de Arte Contemporânea (Fiac),
que será realizada de 19 à 22 de outubro em Paris.
Mas, há poucos dias, o Museu do
Louvre resolveu renunciar à exibição da obra devido à sua ‘conotação sexual’.
Com 12 metros de altura, a instalação
é formada por grandes blocos geométricos vermelhos de material reciclável e
sugere uma relação sexual de um homem com um animal.
Segundo a galeria Carpenters
Workshop, que representa o ateliê Van Lieshout em Paris, a obra faz parte do
projeto ‘CryptoFuturism’, em que o coletivo holandês revisita o futurismo
italiano - movimento cultural revolucionário que pretendia transformar o mundo
através da tecnologia e do progresso, mas acabou por glorificar a violência e a
guerra e terminou com a emergência do fascismo.
‘Domestikator se inscreve, antes de
tudo, na crítica da dominação. Essa obra monumental estigmatiza a força
dominante do homem, seu frenesi pela domesticação e sua irreverência diante do
mundo natural. A representação sexual e o aspecto provocante de sua exibição
pública são apenas os reveladores da violência e da dominação’, salienta a
galeria Carpenters Workshop.
‘Domestikator’ foi exposta durante
três anos, até o início deste mês, em um parque da cidade de Bochum, no oeste
da Alemanha, onde foi aclamada pela crítica. Na França, apesar de estar
prevista para que fosse exibida no final de outubro, ela não chegou nem mesmo a
desembarcar.
‘Infelizmente, entre as obras
selecionadas, devemos recusar a proposta do Atelier Van Lieshout, Domestikator’,
diz o comunicado assinado pelo presidente do Museu do Louvre, Jean-Luc
Martinez, e enviado à direção da Fiac.
O documento reitera que, ‘apesar de
expor de forma lúdica e artística a dominação do homem sobre o planeta Terra, é
impossível ignorar a conotação sexual da instalação’.
Além disso, ‘circulam informações na
internet que atribuem a essa obra uma visão brutal que pode ser mal
interpretada pelo tradicional público do Jardim das Tulherias’, completa o
comunicado. O local "é muito frequentado por famílias" e, perto de
onde ‘Domestikator’ seria instalada, ‘há um parque infantil’.
‘Não posso validar a apresentação de
uma obra que corre o risco de atingir a sensibilidade de alguns de nossos
visitantes e peço que ela seja retirada da edição de 2017 [da Fiac]’, conclui a
nota.
‘É CENSURA’, DIZ ARTISTA
Em entrevista à RFI Brasil, o artista
Joep Van Lieshout, classifica a atitude do Museu do Louvre como ‘censura’. ‘De
que outra forma poderíamos classificar essa decisão?’, questiona.
Van Lieshout se diz surpreso com o
cancelamento. ‘Meu trabalho não tem sexo explícito ou nudez. Há muito mais
sexualidade nos nus expostos dentro do Museu do Louvre do que em minha obra’,
argumenta.
Segundo ele, o objetivo de ‘Domestikator’
é mostrar o quanto o ser humano controla a natureza, domestica e transforma o
mundo. ‘É o que nos faz humanos. Desenvolvemos relações, sistemas sociais, de
saúde, de educação, de inteligência artificial, mas nesse processo de
domesticação e de aplicação de novas tecnologias, também ultrapassamos e
mudamos as fronteiras éticas. É nesse momento podemos nos questionar se esse
caminho que estamos tomando é o correto’.
O artista ressalta que jamais quis
confrontar ou insultar as pessoas com seu trabalho. Ao contrário, sua proposta
era de realizar uma reflexão. ‘É preciso ir além do que está explícito. Antes
de opinarmos, é preciso pensar. Acho que o diretor do Louvre estava com medo da
opinião do público. Mas ele deveria estar orgulhoso que a arte pode iniciar uma
reflexão. No próprio Louvre há muitas obras que falam sobre liberdade, nudez,
bestialidade, ética. Ou seja, há muitas similaridades entre a arte clássica e o
meu trabalho’, defende.
Para Cyrielle Hervé, diretora de
vendas da galeria Carpenters Workshop, o sentimento com o cancelamento da
exibição de ‘Domestikator’ é de decepção e incompreensão.
‘Sabemos que isso passa uma imagem de
uma França medrosa em relação às obras de arte. Mas queremos deixar claro que
essa decisão representa apenas o Louvre: não queremos englobar uma ideia única
e uma concepção geral sobre a arte na França’, enfatiza.
Outro aspecto em relação ao
cancelamento da exposição que incomoda a galerista é o fato de o público ser
evocado todo o tempo, mas não ter sido consultado em nenhum momento: ‘a censura
se deu unicamente devido ao medo da direção do Louvre’, sublinha.
‘Ter essa atitude é ceder a uma
consideração simplória sobre as obras de arte. Para a França, onde a arte
sempre teve um espaço importante, é uma decepção muito grande se recusar a
receber peças se limitando com a justificativa do visual delas’.
Por outro lado, ela lembra que a
polêmica em torno da instalação de Van Lieshout resultou em uma importante
publicidade para o artista. O caso chamou a atenção da imprensa francesa e
anglo-saxã, que publicou várias matérias sobre a questão. ‘O que é fabuloso é
que, graças a essa censura, a mensagem do artista está sendo divulgada no mundo
inteiro’, comemora.
POLÊMICA FIAC
Essa não é a primeira vez que a Fiac
causa polêmica com as obras selecionadas para suas exposições em espaço
público. Em 2014, a gigante ‘Tree’, do artista americano Paul McCarthy, exibida
na célebre Praça Vendôme, estremeceu Paris. O motivo: a ‘árvore’ de 24 metros
lembrava um plug anal.
Depois de ver sua obra ser
vandalizada diversas vezes e ser ele próprio fisicamente agredido no local,
McCarthy desistiu de exibi-la, mas deixando claro a principal característica da
instalação. ‘As pessoas podem ficar ofendidas ao pensar que a árvore é um plug
anal, mas para mim, ela não passa de pura abstração’, declarou na época.
No hall das obras que chacoalharam a
capital francesa recentemente, também está Dirty Corner (Canto Sujo, em
português), do britânico Anish Kapoor. Exposta em 2015 nos jardins do Palácio
de Versalhes, a polêmica começou quando o próprio artista descreveu o trabalho
como ‘a vagina de uma rainha tomando posse’. Dias depois, a obra amanheceu
pichada.
Na época, Kapoor reagiu indignado,
dizendo que o ato de vandalismo reflete ‘uma certa intolerância na França’.
Segundo ele ‘o problema é mais político do que relacionado à arte em si’.
Texto:
Daniela Franco da RFI | FSP
Imagens:
- 'Domestikator', de Van Lieshout, foi exposta durante três anos em um parque de Bochum, na Alemanha
- 'Tree', escultura inflável de 24 metros do americano Paul McCarthy, instalada na praça Vendôme em Paris, em 2016
- Um turista em frente à escultura vandalizada de Anish Kapoor, no Palácio de Versalhes, em 2015
(JA, Out17)