Ele tinha cerca de 70 anos.
Eventualmente se imaginou voltando na época da sua adolescência. Como então
consideraria aquele que se tornou? E vice-versa: como consideraria hoje
aquele jovem que foi um dia?
É difícil dizer. Mas, a
tendência é sermos condescendentes conosco mesmo.
Num determinada oportunidade eles
conseguiram. Em sonhos ou não – não sabem explicar- cada um viajou para o tempo
do outro, e tiveram oportunidade de conviver consigo mesmo, com o seu ambiente e
problemas da época, e de refletir sobre aquelas existências compartilhadas, no
passado ou no futuro.
O Jovem
O idoso visitou o jovem que
ele fora. Momentos da infância, adolescência, mocidade, e ficou sensibilizado
com a seriedade daquele garoto. Era de família simples, mas que soube orientá-lo:
alimentou sua autoconfiança, conseguiu fazê-lo estudar em bons colégios, fez
ele conviver com pessoas que serviram para motivá-lo a lutar, a superar suas
limitações.
Aquele jovem cheio de sonhos,
tinha consciência de nada seria fácil na sua vida. Sabia do trabalho e do empenho que teria que dedicar para superar as
barreiras naturais, para chegar aonde ele julgava que merecia. Todavia, aquela
consciência não o assustava pois acreditava que tinha capacidade para superar
tudo isso.
Considerando tudo, inclusive as oportunidades fortuitas, não é
difícil dizer que, de modo geral, ele
foi bem sucedido. Soube bem visualizar, criar e aproveitar oportunidades,
e trabalhou para conseguir alcançar seu melhor degrau.
Essa luta para superação
ficou evidente quando fazia curso superior à noite, e trabalhava durante o dia num grande banco americano.
Lá no banco conheceu um pessoal que fazia algo que ele sentiu que gostaria de fazer: ‘Organização
Administrativa’.
Tentou ser transferido para o setor mas foi informado que isso seria
impossível: as pessoas que trabalhavam lá já eram formadas, e pela
melhores faculdades do país. Bem, não era o seu caso. Porém, tinha um colega na
faculdade que trabalhava nessa área, numa outra empresa. Tentou, tentou, até
conseguir que ele o ajudasse a ser admitido. Esse foi o início de uma carreira bem
sucedida, que tinha muito a ver com a sua área de formação.
Nessa sua ‘viagem’, nunca se
aproveitou ou provocou sofrimento em alguém; ao contrário - sempre procurou ajudar quem estivesse em dificuldade. Além disso, nunca se rebaixou –
comprometeu a imagem que seus pais projetaram nele desde sempre. Esse orgulho, essa autovalorização 'hereditária',
isso sim pode ter prejudicado a sua evolução, em alguns momentos.
Mas, se melindrou algumas pessoas com
essa sua atitude, foi porque elas se julgavam melhores, mais capazes e merecedoras do que
ele e, se tivesse agido diferentemente, mesmo que conquistasse alguma vantagem, provavelmente ela seria pontual e, lá na frente, poderia, de alguma forma, mais prejudicar do que beneficiar.
Por outro lado, as pessoas
que não se sentem devidamente reconhecidas, de acordo com a ideia que elas fazem
de si próprias, ficam frustradas pelo sucesso do outro que consideram inferior,
e guardam rancor. Esse rancor, de acordo com a sua experiência, fica latente,
às vezes pela vida toda. E, quando surge alguma possibilidade, o 'prejudicado' tentará
reverter ou, na impossibilidade, dificultar a vida do ‘culpado’.
Um exemplo típico de uma situação
desse tipo, ocorreu anos mais tarde, num encontro que reuniu colegas de
faculdade para comemoração dos seus 40 anos de formatura.
Nesse encontro ele foi convidado pelos
organizadores a falar, registrar o momento, considerando que foi o orador
da turma na cerimônia de graduação. Um dos colegas, que na época queria ter
sido o escolhido, e que foi preterido, reagiu então através de comentários
depreciativos sobre a escolha anterior, e se manifestou contra a escolha atual. Novamente
perdeu – mas houve a tentativa de prejudicar, já que reverter seria impossível.
O idoso voltou para o seu
tempo. Nada do que ele vira foi novidade, mas foi importante ele ter podido
relembrar aquelas passagens, aqueles momentos -muitas vezes decisivos, que
permitiram estar onde está hoje. Sentiu orgulho e afeição por aquele jovem que parecia
estar lutando contra tudo para conseguir cumprir o seu destino.
Aquele retorno foi significativo e uma grande
motivação para, mesmo com suas limitações atuais, continuar a se empenhar em desempenhar um
papel que tenha algum valor social,
que ajude outras pessoas a superarem o que for necessário para que possam cumprir a sua
missão de vida, da melhor maneira possível.
O Idoso
O jovem, tomando contato com o
idoso que se tornou, sente inicialmente uma afinidade natural e afeição muito grande
por ele. Reconheceu o trabalho que ele teve para chegar ali, e tinha consciência que, diante da previsibilidade inicial, o desfecho poderia
ser considerado ótimo.
Ele já não trabalha há alguns
anos, pois, em nosso país, após os 70 isso é praticamente impossível, à menos
que você tenha um negócio próprio – o que não foi o caso. Ele sempre trabalhou como
empregado – bem empregado sim, mas o negócio não era seu.
Econômica e financeiramente, está
bem. É claro que completamente tranquilo ninguém nunca estará. Mas, a situação
é administrável. Casou-se, teve filhos, netos e, atualmente, vive com a esposa
numa boa casa, num condomínio residencial do litoral.
Ele tem saúde, e continua praticando
atividades física. Entretanto, se sente meio improdutivo, por não trabalhar, e sozinho, por estar distante dos amigos. A ausência dos amigos é corrigida quando, esporadicamente, conseguem se
encontrar e colocar a conversa em dia. Quanto
ao se sentir improdutivo, procura compensar participando ativamente nas mídias
sociais. Ele, entre outras, administra três blogs, sendo que cada um deles tem
uma finalidade específica:
A - Registro de pensamentos e/ou
informações que gostaria de passar para seus filhos, mas que dificilmente teria
oportunidade de falar.
B -Divulgação de obras e
eventos que ocorrem em espaços culturais, relacionados com a arte, com a
proposta de incentivar o envolvimento, participação de um maior número de pessoas nessas atividades,
como uma alternativa paralela ao mundo extremamente racional e consumista em fomos
induzidos a viver.
C - Registro de pensamentos
e/ou informações para seus contemporâneos, pessoal da terceira idade ou 60+, com objetivo
ajudá-los a superar, o mais positivamente
possível, essa fase de suas vidas, para a qual muitos não estão preparados.
Além disso, ele lê muito, e está sempre bem informado sobre temas da atualidade.
Diante de tudo isso, o jovem
que inicialmente sentiu uma profunda afinidade e uma afeição muito
grande pelo idoso, passou também a admirá-lo. Afinal, ele tinha cumprido um grande
missão – viveu a sua vida -literalmente, e ainda tinha sonhos, ideais, e continuava se empenhando em realizá-los. O que é viver,
senão fazer isso?
Ele voltou para o seu tempo revigorado,
pretendendo fazer de tudo para, não só alcançar o que teve oportunidade de ver
no futuro, mas, quem sabe, até ultrapassar.
(JA, Mai19)