Tradições milenares, religião e convenções sociais da época da
revolução industrial moldaram a nossa rotina de hoje
Em 1856 trabalhadores australianos ainda lutavam para trabalhar apenas 8 horas |
Um ano dura 365 dias porque é
esse o tempo que a Terra leva para dar uma volta completa ao redor do Sol. O
mesmo vale para a duração de um dia, que tem 24 horas porque o planeta demora
esse tempo para dar uma volta em torno de si mesmo.
Mas não existe nenhum
fenômeno natural que acontece a cada sete dias. Por que, então, dividimos a
vida e o mundo em semanas de sete dias - e por que convencionou-se que, desses
sete, trabalharíamos cinco deles (na maior parte das vezes)?
A resposta passa por
tradições de povos antigos, religiões e convenções sociais impostas no início
da revolução industrial.
A origem dos sete dias da semana
O hábito de dividir a semana
em sete dias foi herdado dos babilônios, civilização que ocupou a região da
mesopotâmia e teve seu auge por volta de dois mil anos antes de Cristo.
O uso do sete tem a ver com a
crença, pelos babilônios, de que esse era um número especial: eles acreditavam,
por exemplo, que havia sete planetas no sistema solar.
Dos babilônios, a prática se
espalhou entre os egípcios, gregos e em Roma. Os povos judeus também adotaram,
em algum momento, um calendário com sete dias na semana - depois de um exílio
na Babilônia no século seis antes de Cristo, especula-se.
Entre os judeus e os
babilônios, o sétimo dia da semana era especial, embora por motivos diferentes.
Os babilônios proibiam uma série de atividades no sétimo dia, considerado de ‘má
sorte’, oravam e faziam ofertas aos deuses. Os judeus guardam o sétimo dia, que
no calendário da religião é o sábado, para o descanso e a adoração a Deus.
A palavra sábado, aliás, vem
do hebreu ‘Sabbath’, que significa ‘dia de descanso’ - que também tem
relação com o dia de descanso de Deus depois de criar o universo em sete dias,
conforme consta no livro Gênesis, da Bíblia.
‘Dias úteis’ estão relacionados às
indústrias Ford
No início da revolução
industrial, os operários trabalhavam entre 14 e 16 horas por dia por, pelo
menos, seis dias da semana. A folga era no domingo para garantir que os
trabalhadores católicos pudessem cumprir com as doutrinas da religião, que pede
que o domingo seja guardado para oração.
Em algumas fábricas, a semana
útil com cinco dias de trabalho começou a ser instituída para acomodar também
os hábitos dos trabalhadores judeus, cuja religião exige que o sábado seja um
dia de oração.
Nos anos 1920, Henry Ford,
das indústrias Ford - uma das protagonistas da revolução industrial nos EUA -
decidiu implantar um regime de trabalho feito de cinco dias úteis, seguidos de
dois dias de folga, com oito horas de trabalho em cada dia.
Ford percebeu que os
empregados produziam mais e rendiam melhor sob este regime, que garantia mais
horas de sono, de descanso e de lazer. A crise de 1929, conhecida como A Grande
Depressão, consolidou os dois dias de folga na semana como um antídoto para o
desemprego.
Por que há propostas para rever o
calendário de trabalho
Em 1928, o economista John
Maynard Keynes propôs que cem anos depois, em 2028, a semana de trabalho teria
apenas 15 horas - três por dia. Keynes estava provavelmente errado, mas há
linhas de estudo que defendem um regime de trabalho mais curto.
Em 2013, a organização
econômica New Economics Foundation defendeu a
instituição de uma semana de trabalho de 30 horas. Outra campanha defende a
redução da jornada para 20 horas semanais.
De acordo com Anna Coote,
Chefe de políticas sociais da New Economics Foundation, em entrevista ao jornal
The Telegraph:
“É hora de transformar o
‘meio-período’ em ‘o dia todo’. Temos que repensar a maneira como dividimos
nossas horas entre atividades pagas e não pagas, para garantir que todo mundo
tenha uma fatia razoável de tempo livre.”
Além dos benefícios para a
qualidade de vida dos trabalhadores, um regime geral que previsse menos
trabalho na semana, também reduziria emissões de carbono e gastos com saúde,
por exemplo. Também garantiria oferta maior de empregos, e equilíbrio de
salários em setores com oferta de mão-de-obra saturada.
Desde setembro de 2015,
jornadas de trabalho de 30 horas por semana são a regra em um asilo na Suécia.
O experimento faz parte de uma tentativa do governo sueco de explorar
alternativas para as práticas tradicionais de trabalho.
Os cuidadores e enfermeiros
da casa de repouso, que antes trabalhavam por oito horas todos os dias, agora
trabalham por seis horas - e ganham o mesmo salário. O experimento inspirou
outras organizações suecas a fazer o mesmo, com benefícios para a produtividade
e a saúde dos funcionários.
Mas há desvantagens: o Comitê
para o Desenvolvimento Econômico, organização norte-americana que realiza
estudos sobre temas relevantes para o desenvolvimento, diz que jornadas de
trabalho menores farão crescer a desigualdade de salários, e a polarização do
mercado de trabalho, com o desaparecimento de empregos da classe média, diminuição
dos benefícios trabalhistas, e o aumento da diferença de salários entre homens
e mulheres, por exemplo.
Há também um impedimento
cultural, destacado em outro estudo. Em muitas culturas, por razões religiosas
ou históricas, o valor do indivíduo é dado de acordo com o quanto ele se dedica
ao trabalho - diminuir as horas de trabalho por semana, portanto, seria atacar
normas e conceitos sociais tão profundamente estabelecidos.
Fonte: Ana Freitas |
=Nexus
(JA, Mai19)