Ainda estamos longe de encontrar uma cura, mas a ciência está desvendando formas de prevenir e frear o colapso cerebral que consome o paciente e a família
Por que ninguém pagou essa conta? Era o que o engenheiro mecânico Daniel München, de 54 anos, tentava entender enquanto administrava suas finanças.
‘Ele sempre foi bom de
cálculo, trabalhou por 20 anos na indústria automobilística, e, de repente, os
números não batiam’, relata Carla Pedroso, publicitária e esposa. ‘Parecia que
ele estava fazendo as coisas com descaso, o que não é do seu feitio’.
Os episódios foram uma
surpresa para a família de Porto Alegre até que descobriram por que as contas
da casa não fechavam. ‘Eu mesmo estava esquecendo de pagá-las. Tinha muita
dificuldade de me organizar’, admite München, que começou a apresentar mudanças
de humor, e a enfrentar problemas visuais.
‘Quando pego um livro, por
exemplo, não consigo ler linha por linha. É como se houvesse um plano aqui, e
outro mais abaixo. Fica tudo muito confuso’, explica.
O primeiro diagnóstico que o
engenheiro recebeu foi o de depressão — junto com um leve déficit cognitivo
flagrado em um teste neuropsicológico.
O tratamento para o
transtorno mental foi iniciado, mas, mesmo que o humor tivesse amainado,
queixas relacionadas à memória e à visão não cessaram. Foi passando por uma
nova bateria de exames que, em 2023, ele recebeu a notícia: tratava-se de um quadro
inicial e precoce de Alzheimer.
- Primeiros sinais do Alzheimer
- Casos triplicarão até 2025
- Fatores de risco do Alzheimer
- Um problema evitável
- Políticas públicas de prevenção da demência
- Loteria genética
- Como surge o Alzheimer
- Em busca de um alvo
- Novos remédios contra o Alzheimer
- O futuro do tratamento do Alzheimer
- Tratamento humanizado
- Cuidados dentro de casa
- Fatores por trás do Alzheimer
- Nem tudo é Alzheimer
- O que está ao nosso alcance
- Demência por definição
- Tratamento além dos remédios
- Quem cuida do cuidador
O
caso não é comum - a maioria dos pacientes manifesta os sinais da doença a
partir dos 65 anos -, mas ilustra bem a realidade de quem passa a
viver com a doença.
‘Os
primeiros sinais da condição podem passar despercebidos, ou ser confundidos com
doenças psiquiátricas’, afirma o geriatra Leonardo Oliva, presidente da
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
A
lista de indícios inclui mudanças comportamentais, dificuldade para cumprir
atividades diárias (como cozinhar,
dirigir e pagar contas), e esquecimento
de episódios recentes (conversas ou
eventos, por exemplo).
‘Além
da memória, linguagem, comportamento, capacidade de planejamento e organização,
noção de espaço, e percepção visual, são outras funções que vão minguando com o
avanço da doença, que é o tipo mais
comum de demência no planeta’, explica o neurologista Wyllians Borelli,
coordenador do Centro da Memória do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Um
desafio que ganha uma escala cada vez maior. Segundo os cálculos do estudo
Carga Global de Doença (GBD), publicado no periódico The Lancet, 57 milhões de
pessoas em todo o mundo vivem com demência. Só no Brasil, são 1,8 milhão.
E,
com o envelhecimento populacional, a tendência é que os números tripliquem até
a metade do século. Em 2050, serão mais de 150 milhões de casos ao redor do globo, sendo 5,7 milhões por
aqui.
A
depender da população analisada, estima-se que os pacientes com Alzheimer
representem até 70% desse montante. Felizmente, a ciência já nos dá
direções para reprogramar a rota: sabe algumas formas de reduzir o risco da
condição, e desenvolve remédios que, pela primeira vez, podem mudar o curso da
doença.
São peças que, pouco a pouco, vão se encaixando e revelando os mecanismos por trás do Alzheimer. E nos dão pistas de como salvar as engrenagens da mente.
3. Fatores de risco do Alzheimer
O
aumento da expectativa de vida infelizmente tem um preço: a maior predisposição
a doenças crônicas, entre elas as demências. Quanto mais assopramos as
velinhas, maior é o risco de encarar um déficit cognitivo.
Segundo
o primeiro Relatório Nacional sobre a Demência (Renade), divulgado pelo
Ministério da Saúde em 2024, um em cada 12 brasileiros, com 60 anos ou mais, vive com algum tipo de demência. A
partir dos 90 anos, a prevalência chega a ser de um a cada três
idosos.
‘É
uma condição extremamente comum, mas isso não quer dizer que seja um processo
normal da idade’, esclarece a geriatra Claudia Suemoto, diretora do Biobanco
para Estudos em Envelhecimento da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (USP).
Por
mais que, com a idade, estejamos expostos a processos inflamatórios que, aos
poucos, minam nossos neurônios, não devemos menosprezar os sinais de algo
errado com a cabeça — ou então perderemos a chance de escapar de grande parte
dos prejuízos.
Segundo
estudo da USP orientado por Suemoto, 54% dos casos de demência na América Latina poderiam ser
evitados prevenindo uma série de fatores de risco. O índice é superior à taxa
global, de 40%.
Isso
demonstra que, por aqui, no geral, os hábitos, o acesso a tratamentos de saúde,
e outras oportunidades que as pessoas teriam ao longo da vida, podem
influenciar muito mais a evolução do déficit cognitivo do que os nossos genes
são capazes de determinar — diferentemente do que é visto em regiões ricas, com
menor desigualdade social.
Um
consenso publicado no The Lancet lista 14 fatores que, se alterados, ajudariam a evitar milhões
de casos de demência ao redor do planeta.
Na
infância e adolescência, o baixo nível de escolaridade precisa ser combatido.
Da fase adulta à meia-idade, é crítico enfrentar um rol de situações que podem
reverberar na cachola: perda auditiva, o colesterol ‘ruim’ (LDL),
depressão, traumatismo cerebral, inatividade física, diabetes, tabagismo,
hipertensão, obesidade e excesso de álcool. Na velhice, por sua vez, o déficit
de visão, o isolamento social, e a poluição atmosférica, são particularmente
nocivos à mente.
Sim,
há muitas oportunidades de intervir. O ponto é que, inúmeras vezes, não basta
uma iniciativa particular. O comprometimento cognitivo é também um problema de
saúde pública.
Logo, precisamos de políticas que ajudem a zelar pelo
nosso cérebro, garantindo acesso à educação de qualidade a todos, a redução da
emissão de poluentes no ar e o controle de doenças crônicas pelos sistemas
público e privado.
‘Já temos programas fabulosos, como o Hiperdia, que
faz acompanhamento de pacientes com hipertensão e diabetes no SUS, além de
contarmos com o Programa Nacional de Imunizações, que é referência mundial’,
cita Celene Pinheiro de Oliveira, geriatra e presidente da Associação
Brasileira de Alzheimer (Abraz), que defende um plano de ação efetivo para as
demências no país.
Já que a especialista citou as vacinas, cabe contar
que, recentemente, um estudo de peso mostrou que a vacinação na maturidade não
nos protege apenas de infecções, mas
também de danos aos neurônios que podem resultar em colapso cognitivo.
Ao avaliarem dados de 436 mil pessoas
acima dos 60 anos, pesquisadores da Universidade de Oxford, no
Reino Unido, notaram que aqueles vacinados contra o vírus
sincicial respiratório (VSR), ligado a
casos de pneumonia na velhice, tinham 29% menos chance
de ter demência.
Já os que tomaram a vacina contra o vírus do herpes-zóster tiveram uma redução de 18%. Entre
idosos imunizados com as duas opções, a probabilidade foi 37% menor. No
Brasil, ambas estão disponíveis na rede privada e devem entrar no SUS em 2026.
São
várias as formas de proteger as engrenagens do nosso cérebro, mas ainda existem
aspectos que não conseguimos gerenciar ou alterar. Caso dos genes. ‘Mas apenas 5% dos casos de
Alzheimer são determinados por variantes do DNA. A absoluta maioria é esporádica, influenciada pelo
nosso estilo de vida e pelo envelhecimento’, pontua Borelli.
Quando
a genética entra com tudo, o diagnóstico se repete de geração em geração, e
tende a ocorrer mais cedo, como aconteceu com Daniel München.
‘A
minha família inteira por parte de mãe teve demência, eu só tive um pouco mais
cedo do que os outros’, conta o engenheiro mecânico gaúcho, que descobriu uma
mutação no gene APOE, que pode ser herdado de qualquer um dos genitores, e
aumenta consideravelmente o risco de doenças neurodegenerativas.
Investigar
essa herança pode ser interessante para pessoas que têm suspeita ou diagnóstico
fechado de Alzheimer, e com forte histórico familiar da condição.
Se
esse não é o seu caso, não há indicação para esse tipo de teste. ‘Até
porque não existem, hoje, terapias gênicas que corrijam essas alterações’,
afirma Suemoto. A orientação geral é cultivar hábitos saudáveis, e manter
doenças crônicas controladas, para evitar quaisquer danos à central de comando
do corpo.
Para
os cientistas, estudar as variantes genéticas ligadas à demência pode ajudar a
entender como ela se desenvolve no nosso cérebro — o que é ainda um mistério.
No
geral, os genes identificados como predisponentes ou determinantes para o
Alzheimer são aqueles que estão associados a um acúmulo de proteínas chamadas
beta-amiloides na massa cinzenta.
Elas
são naturalmente produzidas pelo corpo e, a princípio, desempenham uma função
proveitosa ao aprendizado e à memória, atuando justamente na conexão entre os
neurônios.
Elos
mais fracos, ou mais fortes, podem determinar a lembrança, ou o esquecimento de
uma informação. Diariamente, essas proteínas são varridas do cérebro por um
sistema de limpeza próprio durante o sono,
como parte do processo de consolidação de memórias.
‘Em
algumas pessoas, porém, essa faxina pode deixar de ser eficiente e, então, as
beta-amiloides vão se acumulando, formando placas que atrofiam a rede neuronal,
causando a morte dessas células, e o declínio da cognição’, descreve Elisa
Resende, coordenadora do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do
Envelhecimento da Academia Brasileira (ABN).
Essas
placas podem ser observadas por exames de imagem, como tomografias e
ressonâncias magnéticas, e aumentam de tamanho conforme a doença progride.
As beta-amiloides são as proteínas que mais recebem a atenção dos médicos e cientistas hoje, mas não são as únicas envolvidas no quebra-cabeça dessa doença.
8.
Em busca de um alvo
O
caso do americano Doug Whitney tem desafiado os neurologistas. O portador de
uma variante genética fortemente ligada ao desenvolvimento do Alzheimer de
início precoce, doença que acometeu toda
a sua família por gerações, não tem sinal nenhum do problema aos 75 anos.
Seu
DNA
foi sequenciado e analisado pelo grupo Rede de Alzheimer Dominantemente
Hereditária, que reúne pesquisadores de todo o mundo para entender as origens
genéticas da condição. O que os cientistas observaram é que, mesmo com o gene a
favor do acúmulo de placas amiloides, outra variável impedia a ignição da
demência.
Era
a ausência de acúmulo da proteína tau, outro elemento que leva ao declínio
cognitivo. O estudo, publicado na renomada revista Nature Medicine, mostra que
outras proteínas podem se tornar alvos importantes no combate da doença.
E isso talvez explique o impacto ainda modesto das primeiras drogas desenvolvidas para modificar a trajetória do Alzheimer — antes delas, os remédios miravam somente a contenção de sintomas.
9.
Novos remédios contra o Alzheimer
Consolidados
no tratamento de doenças autoimunes e do câncer, os anticorpos monoclonais são
drogas que combatem um tipo específico de proteína ligada a uma patologia —
como se fossem agentes de defesa do corpo, mas produzidos em laboratório.
Há
décadas a indústria farmacêutica tem investido no desenvolvimento deles para
desmantelar o acúmulo de amiloides. Em estudos iniciais, os fármacos tiveram
resultados promissores, mas, em estudos clínicos mais extensos, eles
beneficiaram pequenos grupos de pacientes, e foram acompanhados de riscos
consideráveis.
De
qualquer forma, despontaram como novas opções para frear o declínio cognitivo
de quem recebe hoje um diagnóstico inicial da doença.
A
primeira droga a ter como alvo a proteína amiloide foi o aducanumabe,
desenvolvido pela farmacêutica americana Biogen. Ela provocou a redução de
placas no cérebro, mas não houve benefício clínico significativo, ou seja, não
minimizou as manifestações do Alzheimer.
Sob
controvérsias, foi aprovada pelo órgão regulatório dos Estados Unidos, mas não
chegou a ser liberada aqui no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Acabou sendo retirada do mercado.
Outra
medicação promissora da mesma classe é o lecanemabe, que direciona seu ataque a
estruturas que precedem a formação de placas amiloides. Também desenvolvida
pela Biogen, em parceria com a japonesa Eisai, a droga tem demonstrado
resultados promissores em ensaios clínicos.
Dados
recém-divulgados durante o maior congresso sobre Alzheimer do mundo, realizado
no Canadá, mostram que pacientes diagnosticados ainda no início da doença são
os que mais tiram vantagem das infusões. E os efeitos se estendem por anos.
Em
pesquisa com quase 1,8 mil pessoas, o medicamento reduziu em 34% o avanço do
declínio cognitivo após quatro anos de aplicação. Inchaço e sangramento
cerebral, no entanto, foram observados principalmente nos seis primeiros meses
de uso em uma parcela dos usuários.
Há
poucos meses, a agência regulatória nacional deu sinal verde para o primeiro
tratamento do gênero a entrar no Brasil. Trata-se do donanemabe (nome comercial Kisunla), criado pela americana Eli Lilly, a mesma farmacêutica por trás da
famosa tirzepatida (vendida como
Mounjaro), prescrita para diabetes e
obesidade.
Em
estudos clínicos, a droga demonstrou reduzir a progressão do Alzheimer em 35% ao longo de quase um ano e meio. ‘Cerca de 99% das
moléculas estudadas contra a doença falharam em ensaios clínicos nas últimas
duas décadas. No Brasil, por exemplo, foram 25
anos sem nenhuma nova opção terapêutica
antes da aprovação do Kisunla pela Anvisa, em abril deste ano’, contextualiza
Luiz André Magno, diretor médico sênior da Eli Lilly do Brasil.
Por
ora, o remédio é indicado apenas a pacientes com sintomas iniciais da doença, e
que não sejam portadores de certa variante do gene APOE4, pois eles
tiveram maior risco de efeitos colaterais graves.
‘São
opções farmacológicas que trazem novas perspectivas para o tratamento da
doença, mas são uma alternativa voltada apenas para casos iniciais, já que
nenhuma molécula demonstrou reduzir o prejuízo de casos moderados a avançados,
que correspondem a quatro em cada cinco diagnósticos no Brasil’, pondera o
neurologista Jamary Oliveira Filho, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e
coordenador do Centro de Pesquisa Clínica do Hospital Mater Dei, em Salvador.
Para
os casos incipientes de Alzheimer, são recomendadas infusões mensais do
donanemabe, que podem ser repetidas por até um ano e meio — período em que se
atinge a eficácia máxima do produto.
A administração é feita em clínicas, e deve ser monitorada, pois há risco de reações adversas, como sangramento cerebral. O preço do tratamento no Brasil ainda não foi definido, mas, para ter uma ideia, nos Estados Unidos um ano de infusões custa 180 mil reais. Ou seja, é uma terapia de alto custo, o que limitará seu acesso em escala.
10.
O futuro do tratamento do Alzheimer
Aliás, diante da incapacidade de reverter quadros estabelecidos de demência, os cientistas começaram a testar o caminho oposto: encontrar pessoas que tenham placas amiloides no cérebro, mas não manifestam sintomas de declínio cognitivo.
A
ideia é que, com base em um exame de sangue que rastreie a proteína
problemática, seja possível entrar com a droga antes para prevenir o
desenvolvimento da doença. O donanemabe, da Lilly, protagoniza estudos com essa
proposta, ainda não concluídos.
Outra
aposta da ciência reside nos análogos de GLP-1, as ‘canetas emagrecedoras’. Acredita-se que elas tenham um efeito
neuroprotetor, além de atuarem em dois dos fatores de risco do Alzheimer - a
obesidade e o diabetes.
A semaglutida, princípio ativo do Ozempic, está sendo testada para essa finalidade, e os resultados do estudo da fabricante Novo Nordisk estão previstos para o fim do ano.
11.
Tratamento humanizado
Por
enquanto, em matéria de tratamento, a maioria dos pacientes toma medicações
como os inibidores da colinesterase e a memantina, classes bem consolidadas
que, apesar de não combaterem a possível causa da doença, amenizam os sintomas,
e ajudam a desacelerar o avanço do Alzheimer.
Mas
não é só em pílulas e injeções que se baseia o controle da demência.
Na
verdade, boa parte dos cuidados para manter a qualidade de vida dos pacientes
reside em ações que estimulam a socialização e fortalecem a saúde física e a
mobilidade.
Por
isso, para aqueles que são diagnosticados na fase inicial da demência, é
importante incentivar a autonomia, e adaptar atividades prazerosas ou
significativas à nova realidade. É o que o médico de Daniel München lhe
recomendou.
O
engenheiro continua correndo, e vai sozinho até a academia perto de casa, ajuda
em tarefas domésticas, e curte consumir conteúdos sobre carros e tecnologia.
Faz tudo com o apoio e o zelo de Carla, e mantém a vontade de ter novas
experiências — inclusive a de dar uma entrevista contando o que tem vivido.
Preservar
a autonomia do paciente foi algo que a fotógrafa mineira Cris Montheiro também
escolheu fazer com o pai, Aroldo, de 79 anos. Diagnosticado há dez anos com Alzheimer, seis
deles foram morando sozinho em sua casa, com estratégias de organização
elaboradas pelas filhas.
Mas,
após sofrer uma queda no domicílio, e apresentar outras dificuldades, o pai foi
convidado a se mudar para a casa da filha mais velha, onde ficou quatro anos.
Hoje, a família deu mais um passo corajoso nos cuidados com um paciente com
demência: aceitou ajuda.
‘Há
seis meses ele está vivendo em uma instituição, onde não só recebe suporte
profissional como também tem uma agenda completa de atividades, algo de que
gosta muito, pois sempre foi ativo’, conta Cris, que levou mais de um ano para
tomar a decisão.
‘Começamos
a levá-lo uma vez por semana, depois duas, e ele se animava para ir para lá’.
Aos poucos, a família inteira foi se acostumando à alternativa e se
desvencilhando da ideia de que contratar um serviço especializado seria uma
forma de abandono. Pelo contrário, seu Aroldo recebe visitas na hora do almoço,
e aos fins de semana.
Entre
o alívio na rotina e a culpa como filha, Cris compartilha como tem sido essa
jornada com quase 80 mil seguidores nas redes sociais e em seu podcast
Memórias de Alzheimer.
Nas plataformas, ela conversa com famílias que enfrentam o desgaste físico e emocional de cuidar de quem ama — e de se sentir impotente diante do avanço da condição.
12.
Cuidados dentro de casa
‘As
famílias são os verdadeiros pilares do tratamento da demência no Brasil’,
afirma Cleusa Pinheiro Ferri, psiquiatra e epidemiologista do Hospital Alemão
Oswaldo Cruz, em São Paulo. Envolvida na elaboração do Renade, a pesquisadora
levantou dados sobre o perfil dos cuidadores de pacientes com Alzheimer.
Ou
melhor, cuidadoras: 86% das pessoas nessa função são mulheres. São elas também que arcam com a maior parte dos
gastos com o tratamento. Segundo o estudo nacional, cuidar de um indivíduo com
quadro inicial custa, em média, 2.082 reais por
mês para as famílias. Mas, apenas 22% dos pacientes são diagnosticados nessa fase.
Já
no estágio mais avançado, que representa quatro em cada dez pessoas com
demência, o gasto praticamente dobra e chega a quase 4 mil reais.
Outros
levantamentos também chamam a atenção para o aumento do risco de problemas de
saúde entre os familiares, devido à sobrecarga na função.
‘A
pessoa tem que estar bem para cuidar plenamente do outro. Por isso, é preciso
que ela conte com uma rede de apoio, e tenha tempo para as suas necessidades,
mantendo a saúde em dia, e o prazer de viver’, afirma a presidente da Abraz.
Com
voluntários em todo o Brasil, a instituição comandada por Celene Oliveira, a
primeira do tipo no país, oferece oficinas e rodas de conversa para trocar
experiências e, acima de tudo, garantir que as engrenagens entre pacientes e
cuidadores continuem funcionando.
Afinal, sem esse acolhimento, e as próprias descobertas da ciência, jamais superaremos as páginas desafiadoras que o Alzheimer e outras demências impõem à história da nossa sociedade.
13.
Fatores por trás do Alzheimer
Intervir
neles poderia ajudar a evitar um em cada dois casos da demência
13.1-
Baixa escolaridade
No
Brasil, é o fator principal. Menos anos de educação formal aumentam o risco de
desenvolver a doença.
13.2-
Perda auditiva
Déficit
na escuta dificulta a compreensão do mundo, e a interação social. É preciso
diagnosticar e tratar.
13.3-
Hipertensão
A
pressão alta vai, aos poucos, danificando os vasos sanguíneos, inclusive da
cabeça. É um fator de inflamação.
13.4-
Tabagismo
Fumar
acelera o envelhecimento, compromete a saúde vascular e a irrigação do sangue
para o cérebro.
13.5-
Obesidade
O
excesso de peso está ligado à inflamação crônica. É preciso reduzir
especialmente na meia-idade.
13.6-
Depressão
Caso
não tratada, pode levar ao declínio cognitivo, e também está associada ao
isolamento do indivíduo.
13.7-
Sedentarismo
Prática
de exercícios melhora a circulação sanguínea, e estimula a neuroplasticidade.
Por isso, não fique parado!
13.8-
Diabetes
Resistência
à insulina, e estresse oxidativo da doença, geram desordens metabólicas que
impactam o cérebro.
13.9-
Alcoolismo
Consumo
abusivo aumenta em 133% o risco de desenvolver lesões cerebrais, segundo
estudo da USP.
13.10-
Traumatismo
Lesões
cranianas expõem o cérebro a maior risco de diversos tipos de demência,
incluindo o Alzheimer.
13.11-
Poluição do ar
Poluentes
como fuligem, dióxido de carbono, e material particulado fino, são os
principais perigos à cabeça.
13.12-
Isolamento social
Sem
estímulos, o cérebro se torna inativo, e as conexões neuronais vão
enfraquecendo. Assim vem o declínio.
13.13-
Colesterol alto
Mais
especificamente, é o aumento de LDL que deve ser controlado. Está ligado também a
problemas vasculares.
13.14-
Perda de visão
Doenças oculares não tratadas podem, não apenas levar à cegueira, como também prejudicar a cognição.
Conheça
as principais formas de demência, e saiba de que forma elas afetam a cognição
humana
Alzheimer
Conhecida
por causar uma perda irreversível da memória, é a síndrome demencial mais comum
em todo o mundo.
Vascular
Provocada
por danos aos vasos sanguíneos do cérebro, compromete capacidade de
planejamento e autocontrole.
Frontotemporal
Altera
o comportamento do paciente, que pode se tornar mais impulsivo, desinibido,
inquieto, e explosivo.
Corpos de Lewy
Afeta
principalmente a atenção, e pode estar acompanhada de alucinações visuais e
tremores.
Mista
É
possível desenvolver dois tipos de demência. O combo mais comum é o de
Alzheimer e demência vascular.
Início precoce
Classificação recebida por quem é diagnosticado antes dos 65 anos. Esses pacientes são minoria.
15. O que está ao nosso alcance
Hábitos
saudáveis podem reduzir o risco de demência
Manter o cérebro ativo
Matricular-se
numa escola de idioma, aprender a tocar um instrumento, ou completar
caça-palavras. Tudo pelas conexões neuronais.
Controlar outras condições
Doenças
cardiovasculares, transtornos mentais, e deficiências auditivas e visuais,
merecem atenção contínua, pois repercutem no cérebro.
Praticar atividade física
Exercícios regulares ajudam a retardar o declínio
cognitivo, e fazem parte do combate a diversas doenças que predispõem ao
Alzheimer. Vale correr, pedalar, malhar, nadar…
Alimentar-se bem
Excesso
de comidas industrializadas, e consumo abusivo de álcool, estão ligados ao
declínio cognitivo. Privilegie alimentos in natura e minimamente processados no
prato.
Dormir direito
Pessoas
que dormem menos de seis horas por noite estariam mais expostas à demência. Uma
boa noite de sono preserva os neurônios, e regula humor e memória.
Cuidar da saúde mental
Tratar
a depressão pode reduzir o risco de Alzheimer. O transtorno é capaz de acelerar
o processo de inflamação, e declínio cognitivo que está por trás das demências.
16.
Demência por definição
Síndromes
afetam dois ou mais domínios cognitivos
Memória
Os
processos de retenção, aquisição e recuperação de lembranças recentes ou de
longa data, são prejudicados com início de um quadro demencial.
Linguagem
As dificuldades vão desde o esquecimento de palavras
até a fala embolada, e os prejuízos à escrita e à leitura. Costuma ser um fator
de isolamento para o paciente.
Funções executivas
Falhas
em planejamento, atenção, memória de trabalho, e flexibilidade mental,
comprometem a autonomia de quem vive com demência, e atrapalham a rotina.
Habilidades visuais e espaciais
A
forma como o cérebro processa o que os olhos veem se torna imprecisa. A pessoa
perde a noção de espaço, e o risco de queda aumenta.
Comportamento
É
comum que os pacientes tenham alterações de humor, adquiram trejeitos
repetitivos, e percam a inibição. Podem se tornar irritadiços e agressivos.
17.
Tratamento além dos remédios
Colocar
a mente e o corpo em movimento integra o plano de ação
Terapia de estimulação cognitiva
Atividades
em grupo melhoram memória, linguagem, e atenção. A interação social promove
estímulos ao cérebro, e alavanca a qualidade de vida.
Programa de reabilitação cognitiva
Abordagem
individualizada que estabelece estratégias para manter a autonomia do paciente
ao realizar tarefas diárias.
Intervenções psicossociais
Focam
em reduzir a agitação e a ansiedade do indivíduo ao enfrentar eventos sociais.
É um recurso para manter vínculos com familiares e amigos.
Terapia de reminiscência
Conversas
com o apoio de fotos, músicas ou objetos que remetam a memórias antigas, podem
fazer bem ao humor, à autoestima, e à conexão com o cuidador.
Música e dança
Sessões
mediadas por canções e coreografias ajudam a estreitar laços, e reviver
sensações de prazer e alegria. Podem ser um respiro na rotina, tanto para o
paciente como para o cuidador.
Terapias físicas
Prática
regular de exercícios auxilia a fortalecer a musculatura, e aumentar a
flexibilidade. É essencial para evitar quedas, ter uma boa mobilidade, e mais
autonomia.
18.
Quem cuida do cuidador?
Como
evitar o adoecimento e o esgotamento de quem dá suporte
Rede de apoio
Ter
com quem contar é o mínimo. Não faltam formas de contribuir: ajuda nos cuidados
com a higiene, alimentação, idas ao médico… Não pode estar presente? Faça um
pix.
Cuidadores profissionais
O
Alzheimer é uma doença e precisa ser tratada por alguém capacitado. Caso o
bolso permita, não hesite em pedir ajuda
de quem entende.
Exames em dia
É
preciso estar bem para cuidar de alguém. Faça exames de rotina para flagrar
quaisquer problemas, e tratá-los logo. Não se coloque em segundo plano.
Estimule o cérebro
Não
se esqueça de você. Tem vontade de voltar a estudar, aprender uma língua, ou
passar mais tempo lendo? A hora é agora! O cérebro precisa de estímulos para se
manter saudável.
Mexa-se
Exercitar-se
melhora o humor, reduz a ansiedade, e aumenta a disposição. É uma atividade
passível de ser feita com o paciente também.
Socialize
É
essencial afastar a solidão. Mantenha e crie novos laços. A companhia de outras pessoas pode se tornar
um refúgio para a mente no cotidiano.
Fonte: Larissa Beani | Veja Saúde
(JA, Ago25)