O caminho que uma
peça de arte faz até virar estrela de museu às vezes é tortuoso. Algumas
testemunharam revoluções. Outras, perseguição política. Tem uma que quase foi
para o lixo. Veja o que a história particular de 6 delas revela sobre a
humanidade.
A COLEÇÃO DE
MALEVICH
PERÍODO - Século 20
ÉPOCA - Stalinismo /
2a Guerra
1.
BERLIM
Em 1927, o russo
Kazimir Malevich vai a Berlim expor cerca de 70 obras. O regime de Stálin o
chama de volta à União Soviética - era suspeito de oposição, como muitos
artistas, professores e cientistas. Na pressa, os quadros ficam em Berlim.
2.
BANIDOS
A arte de Malevich é
considerada subversiva em seu país, e o pintor não consegue retirar os quadros
da Alemanha. Eles ficam abrigados com um amigo seu, que morre em 1958. A
família desse amigo vende todas as obras de Malevich.
3.
EUA
Peggy Guggenheim,
americana herdeira de uma fortuna, leva 6 obras. Ela havia começado sua coleção
de arte durante a 2ª. Guerra. Com a Europa enfraquecida, artistas vendiam seu
trabalho por uma ninharia. As obras compradas por Peggy ajudariam, nos anos
seguintes, a tornar os EUA um polo das artes.
4.
DESAPARECIDOS
A maior parte da
coleção se espalha pelo mundo. Mais tarde, 17 obras são encontradas e compradas
pelo museu holandês Stedelijk. O restante segue ainda hoje com paradeiro
desconhecido.
MONA LISA
PERÍODO - Século
16-hoje
ÉPOCA - Renascimento
/ Revolução Francesa
1.
FLORENÇA
Em 1507, após quatro
anos de trabalho em seu estúdio em Florença, o pintor Leonardo da Vinci termina
Mona Lisa, hoje considerada a pintura mais famosa do mundo. O quadro não tinha
comprador, foi feito por Da Vinci por vontade própria. Por isso a obra ficou durante
anos com o pintor.
2.
PARIS
Mona Lisa e Da Vinci
seguem juntos até o pintor trocar Florença por Paris, em 1516. A mudança
acontece a convite de Francisco 1º, rei francês que chamava artistas da Itália
para morar na França e, assim, difundir o Renascimento no país. Quando vê Mona
Lisa, Francisco 1º não tem dúvidas e a compra na hora.
3.
DA REALEZA
A obra fica em uma
das moradas do rei, o Château Fontainebleau, até 1726 - quando Luís 15 assume o
trono e a leva para o Palácio de Versalhes, onde a realeza fica longe das
revoltas populares de Paris.
4.
DO POVO
Com a Revolução
Francesa, a Mona Lisa é transferida para o Museu do Louvre, onde todo o povo
pode apreciá-la. Pelos ideais revolucionários, obras de arte não deveriam ficar
restritas aos nobres.
5.
DE NAPOLEÃO
O imperador acaba
com a festa. Em 1800, depois de tomar o poder, ele tira a obra do Louvre e a
leva para o Palácio de Tuileries, onde morava. Mais precisamente para uma
parede de seu quarto, logo acima da cama.
6.
DO POVO DE NOVO
Fim do império
napoleônico: Mona Lisa está de volta ao Museu do Louvre para que toda a
população possa vê-la. A essa altura, a tela de Da Vinci já está famosa e é
considerada uma obra-prima.
7.
ESCONDERIJO
Em 1870, Napoleão 3º
inicia um conflito com a Prússia. Por medo de uma invasão em Paris, Mona Lisa e
outras obras são guardadas em um complexo militar na cidade francesa de Brest.
8.
QUASE ITÁLIA
Enfim, paz. De volta
ao Louvre. Até que a obra é roubada em 1911. Por dois anos Mona Lisa fica nas
mãos de um ex-funcionário do museu. Italiano, ele tentava devolver à Itália as
obras do Renascimento. Não deu. Hoje Mona Lisa segue sendo vista pelo povo: oito
milhões de turistas por ano.
O SONHO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS
PERÍODO - Século
18-hoje
ÉPOCA - Auge do
socialismo / Guerra Fria
1.
ESPANHA
Em 1799, o pintor
espanhol Francisco de Goya faz 80 gravuras que satirizam os costumes da nobreza
e do clero. Uma delas, chamada O Sonho da Razão Produz Monstros, se perde do
conjunto e é dada como desaparecida.
2.
GAVETA
Quase dois séculos
depois, Enrique Tierno, fundador do Partido Socialista Popular da Espanha,
encontra a gravura em sua coleção. Ele acha que a obra tem um estilo parecido
com o de Goya, mas não percebe que é um original.
3.
BELGRADO
Tierno dá a gravura
ao colega de socialismo Josip Tito. Presidente da Iugoslávia, Tito trabalhava
para distanciar o país da Guerra Fria, evitando alinhar-se à URSS. Manteve a
gravura em sua casa oficial, em Belgrado, até morrer, em 1980.
4.
COZINHA
Fim da Guerra Fria:
a Iugoslávia se separa em várias repúblicas. Slobodan Milosevic, presidente da
Sérvia e, depois, da Iugoslávia, ocupa a casa de Tito. Ele detesta a gravura e
pede que a joguem no lixo. Um funcionário a deixa na parede da cozinha.
5.
RECONHECIMENTO
Após revoltas
populares, Milosevic renuncia em 2000. A imprensa vê a gravura e especula se
pode ser de Goya. A confirmação vem em 2002, e a obra é devolvida à Espanha.
GUERNICA
PERÍODO - Século 20
ÉPOCA - Franquismo /
2ª. Guerra / Nacionalismo basco
1.
ESPANHA
A cidade espanhola
de Guernica é bombardeada pelos nazistas em 1937. Abalado pela notícia, Pablo
Picasso - crítico do nazismo e defensor da democracia na Espanha - pinta Guernica,
retratando o sofrimento das vítimas.
2.
EUA
2ª Guerra: Picasso
teme que o ditador espanhol Franco - que apoia Hitler - destrua a tela. Ele
cede a obra ao museu MoMA, de Nova York. Pede que ela seja devolvida quando
houver democracia na Espanha.
3.
ESPERA
A democracia
espanhola não vem e Guernica viaja por museus. Passa por São Paulo em 1953. O
Brasil entrava no circuito artístico, com a recente criação da Bienal de arte.
4.
RETORNO
Com a morte de
Franco, a Espanha tem eleições em 1977. Guernica volta ao país. Está em Madri,
apesar de protestos para que vá para o País Basco, onde fica a cidade de
Guernica.
MANTO TUPINAMBÁ
PERÍODO - Séculos 16
e 17
ÉPOCA - Grandes
navegações
1.
BRASIL
O manto indígena foi
produzido por índios brasileiros tupinambás por volta de 1500. Era usado pelo
pajé, em eventos religiosos da tribo. Só há mais três mantos desse tipo no
mundo.
2.
HOLANDA
Em 1637, holandeses
ocupam o Nordeste brasileiro interessados em açúcar. O conde Maurício de Nassau
é o responsável pela administração. Ele ganha o manto de um pajé e o leva para
a Holanda.
3.
DINAMARCA
De volta à Europa em
1645, Nassau dá o manto à família real dinamarquesa. É um mimo a um reinado
amigo: Holanda e Dinamarca trocavam figurinhas sobre negócios.
4.
TURNÊ
A família real da Dinamarca
exibe o manto em viagens pela Europa. No século 17, era grande o interesse dos
europeus por peças do Novo Mundo
.
5.
(NÃO) É COISA
NOSSA
O manto só retorna
ao Brasil em 2000, para uma exposição. Não há registro de pedido do governo
brasileiro para que obras indígenas como essa voltem ao país, segundo o
Ministério da Cultura.
RETRATO DE ADELE
BLOCH-BAUER
PERÍODO - Século 20
ÉPOCA - Nazismo
1.
ÁUSTRIA
Em 1905, Gustav
Klimt termina o retrato de Adele Bloch-Bauer. Adele era esposa de um empresário
do setor açucareiro e vivia em Viena, então polo de riqueza e produção
cultural.
2.
HERANÇA
Adele morre e o
quadro fica com seu marido. Judeu, ele se vê obrigado a deixar a Áustria quando
os nazistas ocupam o país. A obra fica com sobrinhos que moram no país.
3.
FUGA
A perseguição aos
judeus continua. Maria Altmann, sobrinha do casal Bloch-Bauer, também resolve
deixar a Áustria. Vai morar nos EUA.
4.
ROUBO
O retrato de Adele é
confiscado pelo regime nazista, como outras 650 mil obras que pertenciam a
judeus na época da 2ª Guerra Mundial.
5.
RESGATE
Em 1999, Maria
consegue na Justiça a posse do retrato de sua tia. Nos últimos 50 anos, cerca
de 25 mil obras roubadas pelos nazistas voltaram a seus donos judeus.
6.
VENDA
Sob protesto de
judeus de todo o mundo, Maria vende a obra junto com outros trabalhos de Klimt.
Leva US$ 135 milhões pelo conjunto em um
leilão.
(JA, Jul17)