Amadeu não havia se
preparado adequadamente para a sua aposentadoria. Imaginava que poderia
trabalhar por muitos anos ainda. Tinha um grande envolvimento com as pessoas e
com própria empresa onde trabalhou por
último. O rompimento, abrupto e irreversível, trouxe a dor associada ao fim de
uma importante relação.
Quando ainda trabalhava,
o dia passava sempre muito rápido, mal dando para fazer o que deveria ser
feito, Cada hora tinha a sua programação prévia, sem contar os imprevistos que
sempre ocorriam. Além disso, o ir e vir para o trabalho, almoço, tomavam praticamente
30% do tempo dedicado à sua vida profissional.
Depois de se aposentar,
definiu e assumiu para si vários
afazeres que faziam passar o novo tempo que, de repente, passou a ter. Sua rotina consistia em se por em dia com as
notícias diárias, ler e responder aos seus e-mails -cada vez menos numerosos;
alimentar os sites e páginas que administrava, e controlar suas
finanças pessoais.
Isso, inicialmente, tomava
todo o seu dia, sendo que muitas vezes ainda deixava coisas para o dia
seguinte. Como o passar dos meses, já tendo
dominado e otimizado a sua nova rotina, o tempo começou a sobrar, a ponto dele
sentir necessidade de fazer algo adicional.
Amadeu não sabe se foi
por isso, ou por outra causa qualquer, mas, à noite, dormindo, começou a ter
alguns sonhos diferentes.
Antes, normalmente, seus
sonhos eram baseados em momentos vividos – ou quase vividos, produzidos pela
sua memória. Entretanto, nesses seus sonhos recentes, ele vivia situações
novas, com envolvimento de pessoas desconhecidas e, curiosamente, neles sempre
assumia o seu papel mais comum, como gestor, consultor.
As situações eram as mais
inusitadas, não tendo nada a ver com as que ele já tivera oportunidade de
viver. A única coisa que tinha a ver com ele, era o comportamento tradicional
que assumia nessas ‘histórias’, diante das crises administrativas e
interpessoais que surgiam.
Refletindo, Amadeu foi
levado a uma hipótese que considerou bastante plausível. Era que, embora
fizesse parte daquelas pessoas que chegaram à maior idade, ele ainda tinha
potencial para o trabalho. E, pelo fato de não ter agora oportunidade para
aplicar o seu potencial na prática, ao dormir, sua mente relaxada pelo sono, criava
situações para ele atuar, liberar aquela energia reprimida, encontrando saídas
e soluções para problemas fictícios.
Pensando nisso, logo que
teve oportunidade, procurou acionar os contatos que ainda tinha, para ajudá-lo a
empregar a sua experiência profissional, mesmo que não fosse tão bem remunerado
como era antes.
Acabou por arrumar várias
empresas como cliente e, em cada uma delas, pode participar e ajudar os
gestores a enfrentar e a superar os problemas do seu negócio. Curiosamente, ele que tinha passado sua vida
profissional detectando, resolvendo, evitando problemas, agora estava ensinando
outras pessoas a fazerem isso.
Sempre variando de
empresas, problemas, e pessoas, a sua experiência foi aumentando ainda mais, e passou a servir de referência, inicialmente na sua cidade e, mais tarde, em outras também.
Resolveu então escrever,
passar para o papel, a sua experiência profissional acumulada.
Independentemente do
sucesso alcançado pela sua obra, ao relatar, forçou a sua memória a voltar no
tempo, a reviver situações, a compreender melhor os fatos, as pessoas
envolvidas, e a si mesmo. Nossa história
nem sempre é bem contada compreendida por nós mesmos, a menos que a distância criada pelo tempo passado nos faça enxergá-la, a compreendê-la, sob uma maior e
desinteressada perspectiva.
Essas experiências
reativadas, revalorizadas, reeditadas, passaram a preencher o seu tempo.
Criaram nele um sentimento de realização que nunca havia sentido, e que lhe
permitia se sentir útil, mesmo sem estar aparentemente fazendo nada de
produtivo.
Realmente, sua vida,
independentemente da realização material que alcançou, não havia sido inútil, improdutiva. Sentia-se motivado e
entusiasmado, até para desenvolver novas competências, além das que já tinha. Sempre há o que fazer.
Uma última reflexão o fez
concluir algo que valia, tanto para ele como para os qualquer um:
“As pessoas envelhecem,
da mesma forma como viveram. Os mais otimistas, assim se expressarão, e os
demais, muito pelo contrário.“
Na sua vida não havia
mais espaço para dúvidas, ou lamentações. O espaço fora ocupado por novos
sonhos. E, como disse Victor Hugo:
“Nada melhor do que um sonho para criar um
futuro.”
(JA, Jul17)