"Quando observamos, da praia, um
veleiro a afastar-se da costa, navegando mar adentro, impelido pela brisa
matinal, estamos diante de um espetáculo de beleza rara...
O barco, impulsionado pela força dos
ventos, vai ganhando o mar azul e nos parece cada vez menor... Não demora muito
e só podemos contemplar um pequeno ponto branco na linha remota e indecisa,
onde o mar e o céu se encontram...
Quem observa o veleiro sumir na linha
do horizonte, certamente exclamará: ‘já se foi’. Terá sumido? Evaporado? Não,
certamente. Apenas o perdemos de vista.
O barco continua do mesmo tamanho e
com a mesma capacidade que tinha quando estava próximo de nós... Continua tão
capaz quanto antes de levar ao porto de destino as cargas recebidas. O veleiro
não evaporou, apenas não o podemos mais ver. Mas ele continua o mesmo.
E talvez, no exato instante em que
alguém diz: ‘já se foi’, haverá outras vozes, mais além, a afirmar: ‘lá vem o
veleiro’.
Assim é a morte.
Quando o veleiro parte, levando a
preciosa carga de um amor que nos foi caro, e o vemos sumir na linha que separa
o visível do invisível dizemos: ‘já se foi’. Terá sumido? Evaporado? Não,
certamente. Apenas o perdemos de vista.
O ser que amamos continua o mesmo.
Sua capacidade mental não se perdeu. Suas conquistas seguem intactas, da mesma
forma que quando estava ao nosso lado. Conserva o mesmo afeto que nutria por
nós.
Nada se perde, a não ser o corpo
físico de que não mais necessita no outro lado.
E é assim que, no mesmo instante em
que dizemos: ‘já se foi’, no mais além, outro alguém dirá feliz: ‘já está
chegando’. Chegou ao destino levando consigo as aquisições feitas durante a
viagem terrena.
A vida jamais se interrompe nem
oferece mudanças espetaculares, pois a natureza não dá saltos.
Cada um leva sua carga de vícios e
virtudes, de afetos e desafetos, até que se resolva por desfazer-se do que
julgar desnecessário.
A vida é feita de partidas e
chegadas. De idas e vindas. Assim, o que para uns parece ser a partida, para
outros é a chegada.
Um dia partimos do mundo espiritual
na direção do mundo físico; noutro partimos daqui para o espiritual, num constante ir e
vir, como viajantes da imortalidade que
somos todos nós." UA
"De alguma maneira, tudo prossegue e tudo retorna, ainda que com nomes diferentes e forças amortecidas, dissimuladas." (Jorge Edwards)
(JA, Set16)