Valorização do ensino público obrigatório

Em toda a história da Áustria, nenhuma figura foi tão importante quanto a da imperatriz Maria Teresa, conhecida pelo epíteto de ‘A Grande’.
Filha do imperador Carlos VI, a soberana
enfrentou grande resistência por parte dos governantes dos estados vassalos dos
Habsburgo, que não coadunavam com a ideia de ver uma mulher governando em grau
de igualdade como os reis e imperadores de outrora.
Belicosa quando preciso, a
monarca jamais evitou a guerra quando esta bateu nas suas portas, e, muitas
vezes, ela própria tomou a ofensiva. Implacável com seus inimigos, justa com
seus aliados e defensora da educação e da saúde, Maria Teresa sabia que o exemplo
tinha que vir de cima. Afinal, nem só com armas se fazia política, mas também
com papel e caneta.
Apesar do seu antissemitismo,
a imperatriz foi pioneira entre seus pares na Europa ao introduzir a
escolarização obrigatória para seus súditos, fossem eles meninos ou meninas,
ricos ou pobres. Numa época em que as luzes do movimento iluminista avançavam através
de publicações e salões literários, chegando ao conhecimento dos extratos mais
baixos da sociedade, a imperatriz conquistou seu posto como déspota
esclarecida, ao combinar seu modelo autocrático de governo com o conhecimento
racional e científico.
Embora o imperador Carlos VI tivesse feito
o possível para garantir a passagem do trono para sua filha mais velha por meio
da Sanção Pragmática, contrariando assim a Lei Sálica, ele não providenciou
para ela uma educação formal, que a introduzisse na arte de governar. É
possível que o próprio Carlos não imaginasse que Maria Teresa um dia viesse a
exercer de fato o poder, deixando a tarefa ao encargo de seu futuro marido.
Dessa forma, a arquiduquesa foi educada de acordo como qualquer outra princesa de seu tempo, com foco nas chamadas ‘prendas do belo sexo’. Ela aprendeu um pouco de História, mas limitada ao período clássico e bíblico. Seu foco era a Música, uma vez que o imperador adorava a ópera italiana. Assim, Maria Teresa aprendeu a tocar o cravo e a cantar algumas árias. Como se esperava que uma arquiduquesa se destacasse nos bailes da corte, a jovem então aprendeu a dançar com o coreógrafo-chefe da Ópera de Viena. Sua grade curricular também incluía aulas de Desenho e Pintura, além do estudo de idiomas. A princesa logo se destacou na área da linguística, dominando com perfeição o francês, o alemão e o latim, que era o idioma usado geralmente pelo governo para se comunicar com seus súditos húngaros. Essa evidência, por sua vez, sugere que a futura imperatriz era muito inteligente.
Com efeito, a arquiduquesa prestou bastante atenção aos métodos empregados pelo imperador Carlos, para garantir sua sucessão inconteste. Ainda que indiretamente, ela foi aos poucos ganhando conhecimento em geopolítica, algo que seria bastante útil após a morte de seu pai, em 1740.
Tendo se casado com o primo,
Francisco Estêvão da Lorena, Maria Teresa teve que lidar com forte oposição ao
seu direito de sucessão. Afinal, nenhuma mulher antes dela usara a coroa de
ferro. Para solucionar esse impasse, ela conseguiu com que seu marido fosse
escolhido como imperador Francisco I pelos eleitores. Porém, poucos tinham
dúvida sobre quem era a verdadeira força por trás do trono. Além disso, Maria
Teresa foi soberana reinante da Hungria, da Boêmia, da Croácia, de Mântua,
Milão, Galícia e Lodomeria, do ducado de Parma e dos Países Baixos Austríacos.
Em quase 30 anos de
casamento, ela deu à luz 16 crianças, entre elas os imperadores José II e
Leopoldo II, a Maria Amália, duquesa de Parma, Maria Carolina, rainha de
Nápoles e da Sicília, e Maria Antonieta, rainha da França.
Fiel ao lema de sua família, ‘que
os outros façam a guerra, mas tu, feliz Áustria, casa-te’, a imperatriz
arranjou casamentos dinásticos para seus muitos filhos e filhas, aumentando
assim a zona de influência política dos Habsburgo no continente europeu e além.
O estilo de governo de Maria
Teresa foi caracterizado pela ordem e pelo pragmatismo. Não obstante, a
imperatriz empreendeu uma série de reformas, nem sempre vista com bons olhos
pelo povo.
Uma delas foi na área da
saúde, ao estimular a imunização em massa contra a varíola, por meio de um
método conhecido como inoculação. Outra reforma interessante consistia na
numeração das casas localizadas dentro da zona urbana, para facilitar a
identificação do endereço de seus moradores. Ela também ordenou a realização do
primeiro censo, apesar de os dados terem levado em consideração apenas a
quantidade de homens e de gado.
A monarca foi igualmente pragmática ao revolucionar o sistema de educação de seu tempo, impondo o ensino obrigatório para todas as crianças na faixa etária de 6 a 12 anos.
Tendo recebido uma instrução inadequada para uma futura governante, Maria Teresa teve que aprender na prática como administrar as vastas possessões de seu império. Não desejando que o mesmo acontecesse com seus filhos, a imperatriz designou tutores para se responsabilizar pela educação de cada um deles. O exemplo também deveria ser seguido por outros jovens da aristocracia, enquanto as crianças oriundas do povo seriam educadas em escolas.
Desde os tempos do reinado de
Carlos VI, o sistema de ensino no Sacro-Império estava muito defasado, graças à
manutenção do modelo jesuítico. Embora fosse uma católica devota, a imperatriz
não tinha ilusões quanto à ineficiência desse método de ensino, uma vez que
fora educada sob ele. De acordo com Magdalena Šustová, do Museu Pedagógico, a
pobreza da população mais carente foi um dos principais fatores que estiveram
no seio das intenções reformistas da imperatriz:
‘Logo depois de subir ao
trono, Maria Teresa foi arrastada involuntariamente para guerras e conflitos e,
paradoxalmente, foram as consequências dessas guerras que a levaram a
introduzir sua reforma escolar. A guerra deixou muitos órfãos e famílias
empobrecidas, e criou áreas que hoje chamaríamos de áreas socialmente excluídas.
Muitas pessoas não tinham meios de subsistência e um dos instrumentos que
reduzia a pobreza em todos os domínios da imperatriz era a educação, e a
reforma do sistema escolar.’ (ŠUSTOVÁ, apud LAZAROVÁ, 2017).
Seguindo o exemplo do
imperador Frederico da Prússia, Maria Teresa iniciou suas reformas
primeiramente no exército. Ciente de que suas tropas careciam de disciplina e
conhecimento técnico em combate, ela tratou de remediar a situação,
disponibilizando para os soldados aulas de mecânica. Enquanto isso, os oficiais
de alta patente aprendiam Geografia, História, fortificação e táticas de
combate.
Era um costume adotado pela
imperatriz passar em revista suas tropas, para encorajar seus soldados antes de
qualquer batalha.
Ao lado das novas
instituições de ensino básico, foi desenvolvido também o protótipo do primeiro
livro didático. Inicialmente, tais mudanças não foram bem aceitas entre a
classe trabalhadora, que enviava seus filhos desde cedo para os campos ou
mercados, com a intenção de contribuir para a renda doméstica.
Dessa forma, o índice de
analfabetismo na Áustria era muito grande. A soberana procurou remediar essa
situação, colocando a educação das crianças como obrigatória na forma de Lei.
Caso os pais se recusassem a mandar sua prole para as escolas, poderiam ser
condenados à prisão.
Já no Ensino Superior, a
monarca constatou que tanto a Universidade de Viena, quanto a Universidade de
Praga, precisavam de uma nova gestão, uma vez que ‘suas aulas certamente têm
pouco valor’, disse ela desdenhosamente. Assim, a imperatriz lançou um convite
a importantes professores de toda a Europa, persuadindo-os a assumir cargos nas
Universidades, com a oferta de grandes salários.
Um dos professores
contratados pela imperatriz Maria Teresa foi o respeitado erudita prussiano, o
abade Ignaz Felbige. Mais uma vez, o modelo adotado veio do principal Estado
rival do Sacro-Império: a Prússia!
Ignaz chegou à Áustria em 1774, com a
missão de supervisionar as reformas educacionais implementadas, na qualidade de
Comissário Geral de Educação para todos os domínios dos Habsburgo. Até então,
contatou-se que muitos professores eram, na prática, analfabetos funcionais, e
ensinavam seus pupilos a reproduzirem apenas aquilo que aprenderam.
No ano seguinte, Felbige
lançou o livro ‘Methodenbuch für Lehrer der deutschen Schulen’ (Livro de métodos para professores em escolas alemãs), que continha uma série de instruções sobre como
educar as crianças sob os domínios da imperatriz.
Descartando a prática da
memorização dos conteúdos, até então aplicado pelos jesuítas, a metodologia
inovadora de Felbige consistia em indagar os alunos, até que fossem capazes de
chegar à resolução dos problemas propostos em sala por mérito próprio. Graças a
esse novo sistema de ensino, as reformas implementadas pela soberana e pelo
Comissário Geral de Educação visavam criar um senso de unidade por todo
império. Nessa prática, a língua alemã exercia um papel fundamental para forjar
a identidade do povo.
Contudo, havia algumas
diferenças sutis na educação ministradas para garotos e garotas, especialmente
no que dizia respeito ao trabalho manual. Enquanto eles aprendiam técnicas
agrícolas e de apicultura, elas eram instruídas nos trabalhos de corte e
costura. Por outro lado, as disciplinas básicas eram as mesmas. Maria Teresa
gostava de acompanhar de perto a evolução dos jovens. Ainda, de acordo com
Magdalena Šustová:
‘As crianças eram ensinadas a
ler, escrever e a contar o que aprendiam sobre religião – naquela época era a
religião católica, mas durante o reinado de José II, que decretou a tolerância
religiosa, também era luterana ou calvinista. A escolaridade obrigatória durava
seis anos. Nas cidades maiores, as escolas eram de alto padrão, e os alunos
aprendiam alemão como segunda língua. Mas, nas escolas das aldeias, os alunos
eram ensinados em sua língua nativa – então aqui era tcheco, ou alemão em áreas
onde a maioria da população era alemã. Nas escolas secundárias, todas as
disciplinas eram ensinadas em alemão, e o mesmo acontecia nas universidades.
Portanto, um ensino superior significava que você tinha que aprender alemão’. (ŠUSTOVÁ, apud LAZAROVÁ, 2017)
A imperatriz já havia lançado
as bases para uma educação mais igualitária, quando ela abriu pela primeira vez
um internato, em 1747, destinado tanto a burgueses ricos quanto a filhos da
nobreza. ‘Nada será mais propício ao bem-estar dos meus domínios do que a minha
oferta à nobreza… a oportunidade de dar aos seus filhos o tipo de educação… que
lhes permitirá prestar serviços úteis à comunidade, e a mim e meus sucessores’,
declarou a soberana na ocasião.
Apesar de ser uma monarca
bastante ocupada, Maria Teresa também arrumou tempo para acompanhar a evolução
da educação de sua prole. Um exemplo disso é a futura rainha da França, a
arquiduquesa Maria Antonieta.
Quando o Tratado de Casamento
com o delfim Luís Augusto foi assinado em 1769, a soberana constatou com horror que sua filha mais
nova era muito insuficiente no quesito educacional. Assim, ela contratou um
professor francês, o abade de Vermond, para instruir sua filha na História, na
Língua, e na Literatura da França, bem como nos modos e costumes da corte
Versalhes.
Maria Antonieta passou a
dormir no mesmo quarto que sua mãe, sendo sabatinada por ela todas as noites,
antes de se deitarem. Disciplinadora por excelência, a imperatriz criticava
suas filhas por hábitos que ela não considerava adequados para uma arquiduquesa
da Casa da Áustria. Ela chamava atenção para sua pronúncia incorreta,
comportamento, postura ao andar, e até mesmo o hábito de descansar os cotovelos
sobre a mesa.
Mais tarde, ela manteve uma
correspondência contínua com Maria Antonieta, aconselhando-a em sua vida
conjugal, e apontando os supostos erros cometidos por ela. No futuro, o
imperador José II daria continuidade ao programa de reformas da mãe,
instituindo um programa educacional para os príncipes e princesas Habsburgo que
levasse em consideração as aptidões naturais dos pupilos.
No que se refere ao Ensino
Superior, a imperatriz Maria Teresa reorganizou completamente as faculdades de
Medicina. Após constatar os altos índices de mortalidade infantil entre bebês
da época – de 600 crianças que nasciam anualmente no hospital de Viena, apenas
20 sobreviviam à primeira infância –, a monarca empregou seu próprio médico
pessoal como reitor, para avaliar de perto as condições das parturientes. Todo
esse conjunto de reformas teve um impacto muito positivo. Segundo Nancy
Goldstone:
‘Esta abordagem combinada às
finanças, à educação, e à reforma militar, não tinha precedentes, e rapidamente
começou a mostrar resultados tão tangíveis, que até os seus inimigos foram
forçados a reconhecer o seu feito. As suas receitas anuais aumentaram para 36
milhões de florins, um aumento substancial em relação ao fluxo de rendimentos
do seu pai, embora ela não tivesse o benefício das receitas fiscais das ricas
Silésia e Nápoles, como ele tinha tido. Ainda mais significativo, o dinheiro
estava sendo usado de forma muito mais eficiente, para melhorar a vida dos seus
súditos e, especialmente, para reforçar a defesa nacional.’ (GOLDSTONE, 2021, p. 108)
A reforma educacional
implementada pela imperatriz Maria Teresa foi um dos projetos mais eficazes do
seu reinado de quatro décadas, cujos frutos são colhidos ainda nos dias de
hoje.
Antes de sua ascensão ao
trono, as taxas de analfabetismo no Sacro-Império eram demasiado altas. Cerca
de 10
anos após o lançamento da lei de ensino obrigatório, estima-se que
aproximadamente 70% das crianças em seus domínios já frequentavam a
escola.
O sucesso de seu plano de reformas foi tamanho, que até seu rival, o imperador Frederico da Prússia, foi forçado a admitir mais tarde: ‘Por meio desses vários remédios, o exército adquiriu um grau de perfeição antes desconhecido pelos imperadores da Casa da Áustria; e uma mulher executou planos dignos de um homem genial’.
Fonte: Renato Drummond Tapioca Neto | Rainhas Trágicas
(JA, Jul24)