Apesar das mortes e do sofrimento que causou, ela é chamada de 'Revolução Esquecida' - 100 anos de esquecimento
Histórico
Revolta de 1924 em São Paulo (também chamada de Revolta Paulista, Revolução
ou Movimento de 1924, Segundo 5 de Julho, e Rebelião de 1924 em São Paulo) foi um conflito brasileiro com características de
guerra civil, deflagrado por militares tenentistas para derrubar o governo
federal de Artur Bernardes.
Iniciado na cidade de São
Paulo em 5 de julho, o movimento se expandiu para o interior, e inspirou levantes em outros
estados. O combate urbano concluiu numa vitória legalista em 28 de julho. A
retirada dos rebeldes, até setembro, deu continuidade ao movimento com a
Campanha do Paraná.
O núcleo conspiratório por
trás da revolta era de oficiais do Exército, veteranos da ‘Revolta dos 18 do Forte’, de
1922,
aos quais se associaram militares da Força Pública de São Paulo, baixas
patentes e civis, todos inimigos do sistema político da República Velha.
Eles escolheram o general
reformado Isidoro Dias Lopes como seu comandante, e planejaram um movimento de
dimensão nacional, começando com a ocupação em poucas horas de São Paulo,
cortando um dos braços das oligarquias que dominavam o país na política do café
com leite.
O plano desandou, houve menos
adesões do que o esperado, e os legalistas resistiram no centro da cidade até 8 de julho,
quando o governador Carlos de Campos se retirou para a estação de Guaiaúna, na
periferia.
O governo federal concentrou
grande parte do poder de combate do país na cidade, com uma vantagem numérica
de cinco para um, e começou uma reconquista pelos bairros operários, a leste e
ao sul do centro, às ordens do general Eduardo Sócrates.
O maior parque industrial do
país teve suas fábricas paralisadas pela luta, a mais intensa já travada dentro
de uma cidade brasileira. Faltaram alimentos e, no vácuo de poder, começaram
saques populares aos armazéns.
Os legalistas desferiram um
bombardeio indiscriminado de artilharia, com pesados danos para as residências,
indústrias e habitantes. Os civis foram a maioria dos mortos, e um terço dos
habitantes se tornaram refugiados.
A elite econômica paulista,
liderada por José Carlos de Macedo Soares, presidente da Associação Comercial,
fez o possível para conservar suas propriedades, e a ordem na cidade. Temendo
uma revolução social, ela influenciou o distanciamento dos líderes da revolta a
movimentos operários, como os anarquistas, que haviam oferecido seu apoio;
Macedo Soares e outros também tentaram, sem sucesso, intermediar um cessar-fogo.
Sem perspectivas de sucesso
em batalha, os rebeldes ainda tinham uma rota de fuga para o território ocupado,
de Campinas a Bauru, mas ela estava prestes a ser cortada por vitórias
legalistas no eixo de Sorocaba.
O exército revolucionário
escapou do cerco iminente e se transferiu para as margens do rio Paraná. Após uma invasão
frustrada ao sul de Mato Grosso (a
Batalha de Três Lagoas),
entrincheiraram-se no oeste do Paraná, onde se uniram a revoltosos do Rio
Grande do Sul para formar a ‘Coluna Miguel Costa-Prestes’.
O governo restabeleceu o
estado de sítio, e intensificou a repressão política, prenunciando o aparato que
seria usado mais tarde pelo Estado Novo e pela ditadura militar; em São Paulo,
criou-se uma ‘Delegacia de Ordem Política e Social’ (Deops).
Apesar da dimensão dos
combates, da destruição causada e das consequências políticas, o movimento
ganhou o apelido de ‘Revolução Esquecida’, e não tem comemorações públicas
equivalentes às realizadas para a Revolução Constitucionalista de 1932.
Revolução Esquecida
A Revolução de 1924, a segunda
rebelião tenentista da história do Brasil, que sucedeu ao episódio dos ‘18 do Forte’, no
Rio de Janeiro, é considerada a maior batalha urbana das Américas. Não é à toa.
Em 28 dias de
combate, mobilizou 18 mil homens do governo legal de Arthur Bernardes, e
cerca de 6.000 rebeldes do Exército e da
Força Pública (atual Polícia Militar), matando, de acordo com dados oficiais, 513 pessoas,
ferindo 4.800, e causando um êxodo de quase
300 mil
paulistanos —a população era de 700 mil— para outras cidades, para fugir do bombardeio. O
armamento utilizado —canhões, tanques de guerra e aviões—, de origem francesa,
era o mais moderno da época.
Apesar de sua magnitude e do
sofrimento da população, em especial dos operários pobres, moradores de bairros
como Mooca, Belenzinho, Cambuci e Brás, boa parte imigrantes italianos e
espanhóis, a revolta ainda mantém o apelido de ‘Revolução Esquecida’.
E, de fato, se compararmos o
episódio com outros semelhantes, como as revoluções de 1930 e 1932, chegaremos
à conclusão de que ela é, de fato, colocada debaixo do tapete da história.
Ao se completar 100 anos de sua
eclosão, em um distante 5 de julho, a Revolução de 1924 permanece
perdida nas brumas da história. Nem o governo do estado —cujos soldados se
rebelaram sob o comando do major de Cavalaria Miguel Costa— nem a prefeitura,
em que o então prefeito Firmiano Pinto, cunhou a frase ‘serei o último
habitante a deixar São Paulo, aconteça o que acontecer’, movimentam-se para
promover algum evento para lembrar a efeméride. Somente a Assembleia
Legislativa, por meio do deputado Maurici (PT), promoveram uma sessão solene para lembrar o
episódio.
A sociedade civil tem feito
algo. Na Mooca, um dos bairros mais atingidos pelo criminoso bombardeio
terrificante —aquele cujo objetivo é aterrorizar a população, que viveu dias de
Gaza naquela época—, a Universidade São Judas promoveu a série de palestras ‘Centenário
da Revolução de 1924’. A Associação Comercial de São Paulo, que teve o
então presidente, José Carlos de Macedo Soares, em luta para evitar o
bombardeio indiscriminado à capital, o Instituto Histórico e Geográfico, a
Associação dos Arquivistas Municipais, e a Paróquia Santa Ifigênia, que ainda
tem em seu prédio marcas de tiros, também promoveram eventos para lembrar a
revolta.
A depender do poder público, ao que parece, veremos cumprir a profecia do deputado João Simplício, aliado de Bernardes, que, em 1924, disse que a revolução seria esquecida por 100 anos.
Talvez, ainda haja tempo para resgatar esta história, para honrar a memória das vítimas - dois terços das quais civis, e responsabilizar os líderes políticos de então, em especial o presidente Arthur Bernardes e o governador do estado Carlos de Campos, pelos crimes de guerra cometidos durante o conflito. As leis da época já previam a responsabilização de governantes por crimes contra a humanidade.
Como lembrou o pensador
irlandês Edmund Burke (1729-1797):
‘Um povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la’.
Fonte: Moacir Assunção, FSP | WP
(JA, Jul24)