Por que
estamos nós outra vez conversando sobre fascismo? Com a pergunta, Madeleine
Albright, Professora de Relações Internacionais na Georgetown University, em
Washington, abre seu recém-lançado livro ‘Fascism: a warning’ (‘Fascismo: um
alerta’). Ela sabe do que fala: além da carreira acadêmica, tem a experiência
de quem foi embaixadora na ONU e Secretária de Estado no Governo Clinton; e
também a história pessoal − quando menina, sua família judia precisou deixar a
Checoslováquia natal para escapar dos nazistas; regressou no final da guerra,
mas logo retomou o exílio, dessa vez devido à ditadura comunista. O que a moveu
a escrever o livro foi constatar que existe hoje um flerte com ideias e
políticas autoritárias, com cheiro de fascismo, pondo em risco a justiça e a
paz.
Tendo
conhecido vários déspotas da vida real, Albright está muito longe dos que ficam
rotulando adversários de ‘fascistas’, para assim se livrarem da tarefa de
fundamentar o que afirmam. ‘Se nos entregamos a essa prática’, diz, ‘daqui a
pouco chamaremos de fascista a qualquer um que nos incomode e desgastaremos o
que deveria ser uma expressão forte’.
Admite ela
que fascismo não é fácil de definir. Mas há traços típicos: identificação com
um grupo social específico (nacional, étnico, religioso etc.), acompanhada pela
proclamação de estar falando em seu nome; desconsideração de direitos dos
outros; menosprezo das instituições democráticas; uso de propaganda e
manifestações com o intuito de vilipendiar adversários políticos; emprego da
violência para atingir os objetivos (e o encorajamento do seu uso pelos
seguidores). ‘Assim, um fascista será provavelmente um tirano, embora nem todo
tirano seja fascista’.
Diferentemente
das monarquias absolutas e ditaduras tradicionais, o fascismo implica mobilizar
massas e arregimentar seu apoio. Aliás, tanto Mussolini como Hitler tomaram, no
início, medidas que foram apreciadas pela opinião pública − inclusive na linha
do ‘welfare state’, o que chegou a iludir muita gente.
O principal
foco de Albright recai no caldo de cultura onde brota o fascismo. A partir de
um retrospecto que remonta ao final da Primeira Guerra, o livro aponta algumas
precondições.
Uma delas é
a sensação de caos econômico, social e político, tal como na ascensão de
Hitler.
Quando estão assustadas, raivosas ou confusas, as pessoas são
tentadas a entregar sua própria liberdade, e a dos outros, a líderes que
prometem pôr ordem naquele caos.
Então, são
muitos os que já não ligam para o debate de ideias; o que desejam é que alguém
lhes diga para onde marcharem. Enquanto a natureza tem horror ao vácuo, o
fascismo o adora.
A segunda é
que as forças políticas que poderiam enfrentar o fascismo estejam enfraquecidas
e fragmentadas. No período entre as guerras mundiais, enquanto seus adversários
se acusavam mutuamente pelas crises da Itália e da Alemanha, os fascistas
ofereciam à população explicações fáceis: de um lado, supostos inimigos
públicos (‘potências estrangeiras’, judeus...): de outro, soluções imediatas e
tentadoras − substituir as frágeis democracias por regimes fortes, receptivos
ao ‘povo’. Certa vez, Hitler assim explicou sua popularidade: ‘Nossos problemas
políticos pareciam complicados, o povo alemão não conseguia entendê-los. Eu,
porém, os reduzi à expressão mais simples. As massas perceberam isso e me
seguiram’.
Um terceiro
fator é a conivência das elites conservadoras. Tanto na Itália como na
Alemanha, imaginaram elas que poderiam controlar o fascismo, cujo apoio popular
usariam para promover seus próprios interesses e evitar o comunismo. Foram lideranças
conservadoras que persuadiram o rei da Itália a nomear Mussolini Primeiro
Ministro, e o presidente alemão a fazer o mesmo com Hitler, embora nenhum dos
dois tivesse maioria de votos. Em ambos os casos, bancaram aprendizes de
feiticeiros.
Ao ler essas
precondições do fascismo, o leitor brasileiro se assusta...
Já Albright,
ao focalizar os tempos atuais, lembra que algo parecido levou ao poder governos
que em várias partes do mundo vêm desprezando os valores democráticos. ‘A
demagogia autoritária e o populismo ultranacionalista têm feito incursões na
Hungria, Coreia do Norte, Polônia, Rússia, Turquia, Venezuela e outros países.
(...) Sejam quais forem suas diferenças, há também traços comuns entre figuras
como Maduro, Erdogan, Putin, Orbán, Duterte e Kim Jong-um’. Em todos, um
solapar das instituições democráticas, com o líder e seu grupo se considerando
acima da lei, o que os coloca na vizinhança do fascismo. Para a autora, pouco
importa que alguns se digam ‘de esquerda’ e outros ‘de direita’.
‘O que caracteriza um movimento como fascista não é a
ideologia, mas a disposição de recorrer a qualquer meio − incluindo o uso da
força e o desrespeito a direitos alheios − para alcançar a vitória e impor
obediência’.
Para
complicar, tem-se Donald Trump na presidência americana. Cuidadosa com os
conceitos, Albright não chega a chamá-lo de fascista. Considera-o, porém, o
primeiro ‘presidente antidemocrático’ da moderna história americana (ou seja,
alguém que consegue despertar saudades de Bush e de Nixon...), e para comprovar
isso basta acompanhar o noticiário. Uma das consequências de suas palavras e
ações é certo estímulo a posturas fascistóides através do mundo. ‘Nos assuntos
internacionais’, diz a autora, ‘é poderosa a mentalidade de manada. Os líderes
se entreolham, aprendem com seus pares, imitam uns aos outros. (...) Pisam nas
pegadas dos outros, como Hitler fez com Mussolini − e hoje a manada se move
numa direção fascista’.
É
compreensível, portanto, que se esteja novamente conversando sobre fascismo. Mas
para Albright, não é o caso de se entregar a pessimismos (afinal, pessimistas
não se dão ao trabalho de publicar livros...).
‘Quando me perguntam,
respondo que sou uma otimista que se preocupa bastante’.
Madeleine Albright
Madeleine Korbel Albright, nascida
como Marie Jana Korbel, em 1937, é uma política americana nomeada como 64ª
Secretária de Estado dos Estados Unidos, tendo sido a primeira mulher no cargo.
Foi nomeada pelo presidente Bill Clinton em 5 de dezembro de 1996, e confirmada
por unanimidade pelo Senado dos Estados Unidos por 99-0. Prestou juramento em
23 de Janeiro de 1997. Anteriormente, de 1993 a 1997, foi Embaixadora dos Estados Unidos nas Nações
Unidas. Atualmente, é professora na universidade de Georgetown.
Texto:
Antonio Carlos Boa Nova | AMDG
(JA, Jun18)