Esse conceito antigo, que aponta caminhos para descobrir nossas
razões de viver, pode estar por trás da longevidade acima da média e a
serenidade dos cidadãos de uma região do Japão.
Você sabe
por que se levanta pela manhã? Se consegue responder a isso, então, você já
encontrou seu ikigai, um conceito japonês antigo que pode ser a chave para uma
vida longa, feliz e saudável.
Não existe
uma tradução direta para o termo. O mais próximo que se pode chegar é a
descrição feita por Ken Mogi, autor do livro ‘Ikigai: Os cinco passos para
encontrar seu propósito de vida e ser mais feliz’ (Astral Cultural, 2018).
‘Ikigai é a
sua razão de viver’, diz o neurocientista japonês. ‘É o motivo que faz você
acordar todos os dias’.
O conceito
vem de Okinawa, um grupo de ilhas ao sul do Japão, com uma população de
moradores centenários bem acima da expectativa de vida média, mesmo para os
padrões japoneses.
Muitos
acreditam que o ikigai é o segredo de sua longevidade. O termo é bem conhecido
em todo o país, como explica Mogi, e a ideia representada por ele está se
espalhando para outras partes do mundo.
Segundo o
autor, é ‘muito importante identificar as coisas que você gosta de fazer e que
te dão prazer, porque elas dão propósito à vida e levam a uma existência longa
e feliz’.
‘E não se
trata apenas de viver por um longo tempo, mas de aproveitar a vida e saber o
que você quer fazer com ela’, afirma.
O ikigai
também é algo muitas vezes relacionado à vitalidade.
‘É a
felicidade que vem de sempre ter algo para fazer, de estar ocupado’, diz
Francesc Miralles, que, junto com Héctor García, escreveu ‘Ikigai: Os segredos
dos japoneses para uma vida longa e feliz’ (Intrínseca, 2016).
A ideia por
trás disso é que, ‘se você encontra algo que dê sentido à sua vida, isso o faz
seguir em frente e o mantém motivado’, diz Miralles.
Como achar seu 'ikigai'?
Não é
difícil, segundo Mogi. Você pode começar por algo simples como beber uma xícara
de café pela manhã.
‘Em geral,
somos tão obcecados com o sucesso e grandes metas que a vida acaba se tornando
intimidadora. O legal do ikigai é que você pode partir de coisas pequenas até
chegar aos grandes objetivos de vida’.
Ser fácil de
começar é um dos fatores que levam cada vez mais pessoas de fora do Japão a se
interessarem pelo conceito, e alguns livros já foram publicados sobre o
assunto.
‘Qualquer um
pode partir do que está ao seu alcance e começar a sentir-se bem e a
experimentar os benefícios que isso traz antes de, gradualmente, evoluir para
objetivos maiores’.
Mas todo
esse bem-estar em potencial depende de um pequeno detalhe: encontrar um ikigai.
E se você não sabe o que mexe com você?
‘Você
precisa observar a si mesmo’, recomenda Mogi.
‘Parta do
zero, olhe-se no espelho: que tipo de pessoa é você? Pense no passado e no que
te dá prazer. Isso te dará uma pista. Como neurocientista, eu acredito que as
coisas que nos dão prazer são reflexos do tipo de pessoas que nós somos’.
Mas ampliar
seu horizonte para objetivos maiores pode ser mais complexo. ‘Se você não sabe
o que quer da vida, comece fazendo uma lista do que você não quer, quais
situações te deixam desconfortável ou infeliz, quais atividades prefere evitar’,
aconselha Miralles.
‘Você pode
descobrir que há várias coisas que te deixam feliz: aprender coisas novas,
cuidar do jardim, ajudar outras pessoas, resolver problemas, fazer música... ou
vender coisas, falar em público’.
Boas amizades podem ser uma fonte de alegria ao longo da vida (Foto: Héctor García/BBC) |
E há o peso do cotidiano: ‘Vamos à escola, buscamos emprego, lidamos com obrigações e pagamos contas... e, com isso, podemos nos distanciar de nossos impulsos naturais’.
Para ajudar a encontrar sua paixão, o escritor sugere seguir o conselho do cientista da computação e palestrante motivacional Randy Pausch (1960-2008): ‘Resgate seus sonhos de infância. Quais eram? Desenhar por horas? Dançar? Correr? Pense em quando era pequeno e no que te deixava feliz e você não faz mais’.
‘A beleza do ikigai é que é algo muito pessoal’, diz Mogi. ‘Não é algo dado a você, de forma passiva. Você precisa explorar sua mente e cultivar seu ikigai’.
Isso torna-se muito importante em sociedades como a japonesa, que podem ser vistas como bastante homogêneas, afirma Mogi, ‘porque cada pessoa tem seu ikigai, e isso vira uma forma de celebrar as diferenças individuais’.
Quantos 'ikigais' você pode ter?
‘A maioria das religiões só acreditam em um Deus. Mas, no Japão, acreditamos que há 8 milhões de deuses’, diz Mogi.
‘Isso influencia como os japoneses veem o ikigai: não acreditamos que há só uma coisa importante, não perseguimos apenas um objetivo, pode haver milhares de coisas diferentes que podem nos dar prazer’.
Mogi dá um exemplo como isso se aplica em sua vida prática. ‘Meu ikigai menor é correr 10 km em Tóquio todos os dias. Mas, como cientista, minha maior alegria é ter ideias novas e, talvez, dar uma contribuição para o mundo. Isso também é meu ikigai’.
Há alguma prova de que o 'ikigai' funciona?
Mogi está
convencido de que sim, e aponta estudos realizados pela Universidade Toho, em
Tóquio, que investigam o sentido e significado da vida e sua correlação com a
taxa de mortalidade em idosos. De acordo com estudos realizados com idosos que levam um estilo de vida equilibrado, há uma correlação entre longevidade e ter uma razão de viver: seu sistema imunológico - e, em especial, um tipo de glóbulo branco, o neutrófilo - atua melhor, ajudando a mantê-los saudáveis por mais tempo.
Em uma outra pesquisa, a neuropsicóloga americana Patricia Boyle, do Centro Rush para Mal de Alzheimer, em Chicago, acompanhou 900 idosos que corriam o risco de desenvolver demência em um período de sete anos.
Ela concluiu que aqueles com uma boa noção de seu propósito de vida tinham 50% menos chances de ficar doentes.
‘O cérebro humano tem uma habilidade incrível de regular as funções do corpo. Em alguns casos, pode se curar por conta própria, como demonstrado pelo efeito placebo’, afirma Mogi.
‘Se você acha seu ikigai, as pequenas coisas que dão significado à vida podem te ajudar a preservar sua saúde por mais tempo’.
Quem são os mestres do 'ikigai'?
Quando Francesc Miralles e Héctor García visitaram Ogimi, um vilarejo de Okinawa, eles chegaram à mesma conclusão sobre a relação entre a longevidade e o ikigai.
A expectativa de vida de quem vive em Okinawa fica acima até mesmo da média japonesa |
Ogimi tem 3
mil habitantes e está no Livro Guinness dos Recordes por ter a população mais
velha do mundo. Também é um epicentro do ikigai.
Não é uma
surpresa, portanto, que Okinawa seja conhecida como a ‘Terra dos Imortais’.
As pessoas
dessa região do Japão tiram proveito do clima subtropical, têm uma dieta rica
em frutas e vegetais, moram em comunidades onde se valorizam os laços pessoais
e se mantêm ativas fisicamente por toda a vida.
Miralles e
García se interessaram pela ‘história do vilarejo de centenários, onde tantas
pessoas vivem além dos 100 anos’. ‘Queríamos descobrir o porquê disso’, diz
Miralles.
‘Como parte
de nosso trabalho de campo, perguntamos aos idosos de Ogimi o motivo de estarem
sempre alegres, por que cuidavam uns dos outros, o que os fazia ter laços tão
fortes uns com os outros... e uma palavra era mencionada com frequência: ikigai’.
Ogimi está no Livro Guinness dos Recordes por ter a população mais velha do mundo (Foto: Héctor García/BBC) |
Um dos
aspectos que diferenciam o ikigai de simplesmente ter um hobby, é que não se
trata de obter uma gratificação instantânea. É algo que impulsiona a pessoa
rumo ao futuro, e a faz seguir em frente.
Miralles diz
que há outros lugares do mundo com condições de vida semelhantes às de Ogimi,
mas não com a mesma proporção de moradores centenários. Então seria o ikigai o
segredo da longevidade? ‘Acredito que essa seja a diferença’.
Expectativa de saúde x expectativa de vida
Outro fator
que diferencia os centenários de Okinawa é sua expectativa de saúde maior -
eles permanecem saudáveis por quase toda a sua longa vida.
O Estudo
Centenário de Okinawa é uma pesquisa contínua com essa população feita por uma
equipe internacional de médicos que coleta dados sobre o tema desde 1975.
Ele revela
que os idosos desta região japonesa não têm apenas uma das taxas de mortalidade
mais baixas do mundo em relação a uma série de doenças crônicas ligadas ao
envelhecimento, mas uma das maiores expectativas de saúde do planeta.
Fazendo o 'ikigai' funcionar para você
É claro que
nem todos nós podemos levar uma vida idílica em Okinawa, ‘mas todos podemos criar nossa Okinawa
onde estamos’, segundo Miralles.
Ele destaca
que, ainda que essa região seja bem diferente do resto do país, outras partes
do Japão adaptaram o conceito às suas vidas, mesmo em ambientes urbanos.
Francesc Miralles (de casaco azul) e Héctor García (de casaco vermelho) decidiram investigar a longevidade em Ogimi (Foto: Héctor García/BBC) |
Para trazer
o ikigai para sua vida você não precisa se mudar, mas apenas entender a
essência do conceito e torná-lo parte do seu cotidiano.
‘O ikigai
pode te servir de apoio sem que seja necessária a aprovação de outras pessoas
para isso’, diz Ken Mogi.
‘Trata-se de
descobrir o que te faz feliz. Não é preciso que outras pessoas te avaliem e te
premiem por isso’.
Então, se
você quiser ter uma vida longa e saudável, vale a pena tentar descobrir seu
ikigai. ‘Não é apenas bem-estar. O Ikigai também é uma esperança para o futuro’,
afirma o neurocientista japonês.
Fonte: BBC
Brasil | G1 Ciência e Saúde