Carlos, desde
que nasceu, inconscientemente começou a subir a sua escada da vida.
O ato de
nascer foi o primeiro degrau que ele escalou na sua ascensão. Foi indo, indo,
se alimentando, observando o mundo, as pessoas ao seu redor, e foi encontrando
a si mesmo em relação a tudo aquilo.
Percebeu que quando se manifestava obtinha alguma
resposta. Ela podia vir ao encontro daquilo que desejava, ou muito pelo
contrário. Embora sem muita consciência, foi aprendendo a se comportar para conseguir
realizar, atender às suas necessidades.
Eventualmente,
foi conseguindo obter respostas que não vinham ao encontro de suas
necessidades, mas sim dos seus desejos. E
assim foi, crescendo, subindo a sua escada.
Entrou na
escolinha infantil e começou a se socializar de uma maneira mais sistemática -agora
com outros da mesma idade que ele. Percebeu que tudo aquilo que havia aprendido
até agora estava sendo muito útil, o ajudava nas suas conquistas.
Conforme a
sua escalada progredia, as dificuldades começaram a ficar mais evidentes -agora,
nem todos aceitavam seus ‘argumentos’. Pediam explicações, exigiam alguma coisa,
enfim tudo ficou mais complicado.
Percebeu que se tivesse algo a oferecer para as pessoas com quem
convivia, realizando um processo de troca, as conquistas eram facilitadas. Essa constatação motivou Carlos a estudar
mais, e, mais tarde, a buscar os melhores empregos, a ganhar mais dinheiro do
que a maioria.
Esse modo de
ser o levou a subir mais alto na escada da vida do que muitos dos seus
familiares ou contemporâneos, a poder escolher com quem conviver mais de perto,
a conhecer outras terras, outros povos, a dispor de mais bens e serviços.
Assim, ele
foi se realizando cada vez mais como pessoa.
Às vezes, sua escada se bifurcava, e ele tinha necessidade de escolher
qual lance deveria escalar.
Independentemente da sua idade, continuava a utilizar aquilo que
aprendera na infância: a escolha deveria vir atender, ao encontro, do que ele
queria ou precisava. Eventualmente
cometia algum erro, perdia tempo, era obrigado a parar, a retornar, a tomar um
novo caminho. Mas, tudo bem. Isso fazia parte de um processo complicado
que, agora ele sabia, chamava-se viver.
Com mais
idade, muitas vezes cedia ao conforto, à alegria, de um momento prazeroso, e
deixava de subir degraus da sua escada; deixava-se
ficar onde estava, desfrutando essas oportunidades que, percebia, estavam ficando cada
vez menos frequentes.
A correria
dos anos iniciais para subir cada vez mais alto, foi ficando para trás. Hoje
ele sentia que não precisava se empenhar tanto. Afinal, não tinha compromisso
com ninguém, sentia-se bem como estava,...
A velhice
foi chegando e, com ela, a sua energia foi se dissipando. Tudo exigia muito
esforço para realizar e, além disso, as pessoas não mais valorizavam a sua contribuição como antes. O consideravam
um velho, embora interessante, um quase inútil, um peso improdutivo que elas -as
pessoas próximas-, eram obrigadas a suportar. Nem falar das que não eram
próximas – elas nem davam espaço para ele se manifestar ou, eventualmente,
poder se empenhar para contribuir para alguma realização.
Aos poucos, cada
vez com mais frequência, se sentava nos degraus da escada, estivesse onde
estivesse, e ficava olhando as pessoas passarem apressadas, subindo sem destino
definido para ele. Observava e analisava, este ou aquele, e normalmente
constatava aborrecido: ‘quanta insensatez’. Intuía que muitas delas não estavam
indo realizar aquilo que seria melhor para elas próprias, mas sim para atender
às expectativas da sociedade em que foram criadas, da época em que vivam, dos
seus modismos inconsequentes. Quanta
perda de tempo, e de esforço. Algumas, provavelmente, não teriam mais
oportunidade de voltar, reavaliar, se encontrar, subir a escada certa no
sentido do seu melhor destino.
Ironicamente,
agora que ele se sentia tão mais sábio do que na juventude, não podia compartilhar a sabedoria conquistada com ninguém; deixava de alertar para os eventuais erros, sugerir melhores escolhas. Não fazia
porque ninguém o ouvia com atenção, interesse verdadeiro. Parecia que apenas o
suportavam. Não valorizavam devidamente o que ele tinha conquistado até aqui, não
percebiam o potencial que havia acumulado.
Foi então
que Carlos se conscientizou de que, na realidade, ninguém nunca está indo para
lugar nenhum, porque tudo leva a nada – aonde e como ele estava agora vinha
confirmar essa constatação. O importante, o que tem valor verdadeiro, concluiu, é o que você faz, recebe ou
sente, enquanto está em movimento, subindo a escada.
E, surpreendentemente,
mesmo velho, cansado, Carlos entendeu que ainda poderia continuar subindo a sua
escada – mais devagar naturalmente, sem grandes ambições, mas aproveitando cada
degrau da melhor maneira, como se aquele fosse o último.
Ah! Se
tivesse percebido isso lá atrás?! Teria
dispendido muito menos esforço inútil, e sua vida poderia ter sido muito
mais gratificante e proveitosa.
Carlos concluiu
que, independentemente das falhas, sempre é tempo para corrigir, acertar.
Lamentavelmente, muitas pessoas nunca irão perceber que estiveram sempre
subindo a escada errada ou, se na escada certa, deixando de usufruir o melhor que
cada degrau podia oferecer.
"Ao
tentar atingir sua meta, você deixa de ver muita coisa que está diante do seu
nariz." Hermann Hesse
(JA, Jun18)