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Impeachment de Fernando Collor


“Para Sallum,  autor do livro ‘O Impeachment de Fernando Collor − sociologia de uma crise’, de(2015 o ‘impeachment’ de Collor se insere num processo de redefinição das relações entre Executivo e Legislativo.  Assim como outros governantes − mas em grau exacerbado −, tinha Collor uma concepção algo imperial da Presidência. Era como se a eleição desse ao Executivo uma legitimidade maior que os demais poderes, e o Presidente tivesse delegação popular para conduzir o Estado a seu modo. Estaria dispensado de prestar contas dos seus atos aos demais poderes estatais.
Era uma ideia plebiscitária da democracia − o essencial seria a escolha do líder pela maioria dos cidadãos. Nesse sentido, invocava seus 35 milhões de votos no segundo turno como uma autorização para agir autocraticamente. Nisso, porém, contrariava o espírito da Constituição de 1988 que reforçara o papel do Legislativo, Judiciário e Ministério Público.
O descompasso desembocaria no ‘impeachment’: ficaria claro que, para poder governar, o Presidente precisa liderar uma coalizão partidária com maioria no Parlamento. A não ser que o seu próprio partido detivesse a maioria sozinho, o que não sucedeu nem com ele nem com seus sucessores.
Sem dúvida, o que se destaca na memória coletiva são as acusações de corrupção e as estripulias de PC Farias e outros personagens do círculo presidencial. Lembra, no entanto, Sallum, que o argumento da corrupção só se torna fatal quando serve de arma para adversários poderosos, e o acusado não conta com aliados tão fortes como seus opositores. No caso, não bastou que as acusações de corrupção estivessem bem fundamentadas; para levá-las adiante até o ‘impeachment’ foi necessária a articulação de uma maioria parlamentar, respaldada por movimentos significativos da opinião pública - sobretudo o Movimento Pela Ética na Política.
Para recordar, registro alguns momentos da cronologia, todos em 1992:
23/5 - A revista Veja publica reportagem de capa com Pedro Collor declarando que P C Farias é testa-de-ferro dos negócios de seu irmão Fernando.
25/5 - Leonel Brizola condena a reportagem: ‘Essa revista apunhalou o Brasil pelas costas’.
26/5 - Instala-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar as denúncias de Pedro Collor.
27/5 - O PMDB, PSDB e PT constituem uma ‘frente partidária de oposição’; seu objetivo não é - ainda - o ‘impeachment’, mas a ‘atuação conjunta na CPI e em outras questões relevantes’. Com o tempo, essa coalizão de centro-esquerda, a que se somarão o PSB, o PPS e o PC do B, assumirá a dianteira do processo político.
27/6 - A revista IstoÉ traz entrevista de Eriberto França, motorista da secretária do Presidente, afirmando que P C Farias custeava despesas da Casa da Dinda e fazia depósitos para sua família. Disse ter testemunhado isso, pois fazia o transporte dos cheques e do dinheiro. Pela reportagem, João Santana receberia o Prêmio Esso de Jornalismo; anos depois, deixaria a profissão para se dedicar ao marketing político e nessa condição reapareceria no noticiário.
Primeiros dias de julho - Em várias ocasiões, Collor se refere à imprensa e a parlamentares da CPI como o ‘sindicato do golpe’, expressão sugerida por Brizola. De fato, o conceito de ‘golpe’ não cabia, exceto em sentido figurado, como argumento na luta político-ideológica. Afinal, o que estava em andamento era um mecanismo institucional aplicado sob supervisão do Supremo,
13/8 - Collor convoca a população para, no domingo seguinte, vestir-se de verde e amarelo em seu apoio. O tiro sai pela culatra: no domingo 16/8, manifestantes saem de preto em todo o país.
Ainda em agosto - Luiz Estevão, amigo de Collor -o mesmo que depois se elegeria Senador e teria o mandato cassado por seus pares-, arrecada um milhão de dólares para um anúncio televisivo em defesa do Presidente, comparando sua situação à de Getúlio.
26/8 - A CPI aprova o parecer de Amir Lando, qualificando a conduta de Collor como incompatível com o decoro exigido do Chefe de Estado.
1/9 - Os presidentes da ABI e da OAB entregam a Ibsen Pinheiro, Presidente da Câmara, o pedido de ‘impeachment’.
24/9 - A Comissão Especial da Câmara aprova o parecer do relator Nelson Jobim, considerando admissível a abertura do processo de ‘impeachment’.
29/9 - O plenário da Câmara confirma a admissibilidade, autorizando assim o  Senado a processar o Presidente por crime de responsabilidade. Tal como viria a ocorrer em 2016, muitos deputados justificam seus votos falando de outras coisas que não a questão em pauta. De fato, era desnecessário justificar o voto: bastaria dizer ‘sim’ ou ‘não’. O resultado da votação da Câmara automaticamente implica que Collor seja afastado da Presidência -anos depois, com Dilma, o ritual duraria mais tempo: no Senado, a admissibilidade do processo seria examinada por nova Comissão Especial e depois votada em plenário, para só então, após 40 dias, haver o afastamento da Presidente e o início do julgamento propriamente dito.
2/10 - Collor recebe a citação oficial de afastamento, e deixa o Palácio do Planalto. Itamar Franco assume provisoriamente o governo e nomeia novo ministério.
29/12 - Depois dos trâmites em comissões e outras formalidades, o Senado instala a sessão de  julgamento do processo. Aos vinte minutos de sessão, chega um documento de Collor renunciando à Presidência.
30/12 - Tendo decidido prosseguir no julgamento, o Senado declara Collor culpado de crime de responsabilidade, e o proíbe de exercer função pública por oito anos. No total, o processo durou menos de quatro meses. Itamar é empossado em definitivo.
Para terminar, três adendos:
1. Alguns parlamentares que votaram pelo ‘impeachment’ iriam mais tarde se tornarem réus de casos de corrupção, a começar pelo dos ‘Anões do Orçamento’. Isso, porém, de nenhum modo invalida a votação. O encaminhamento de processos como esse não depende de virtudes ou defeitos das pessoas, mas de seus papéis institucionais. E institucionalmente, o julgamento cabia aos detentores de mandato parlamentar naquele momento.
2. Com prisão preventiva decretada em meados de 1993, P C Farias fugiu do país. Em novembro, num hotel da Tailândia, discutiu em inglês com outro hóspede, por causa da reserva de uma mesa no restaurante. Em português, o outro lhe disse: ‘Prazer em revê-lo’ − era um brasileiro que logo avisaria às autoridades. Preso a pedido da embaixada, foi colocado em cela comum, com dezenas de criminosos, enquanto aguardava os policiais brasileiros que o buscariam. Assim que chegou à cela, convenceu quatro detentos a lhe darem o melhor colchão e a maior porção de comida nas refeições. Dias depois, ao desembarcar ao Brasil, providenciou a imediata remessa de 800 dólares para cada um daqueles quatro presos. Condenado por sonegação fiscal e falsidade ideológica, ganharia liberdade condicional em dezembro de 1994 e seria assassinado seis meses depois.
3. Ainda em 1994, o STF absolveria Collor da acusação de corrupção passiva − cinco votos a três. Aliviado, o ex-presidente telefonou a Antônio Carlos Magalhães, que o apoiara até o final. ACM aconselhou:
- Vá à igreja sozinho. Mas não tão sozinho que a televisão não o veja.
Collor iria se vangloriar da absolvição. O que havia acontecido, porém, foi que o STF -aquela pequena maioria de cinco ministros- não considerou que a acusação do Procurador Aristides Junqueira tivesse provas suficientes de prevaricação. Ou seja, a comprovação de que, em retribuição ao que recebera -carro, pagamento e outros favores-, Collor tivesse usado recursos públicos para conceder vantagens a P C Farias e outros. Isso, do ponto de vista estritamente penal, de uma acusação por corrupção passiva. Por outro lado, permanece o fato de ele ter aceitado pagamentos e favores pessoais significativos; isso constitui falta de decoro no exercício da Presidência e, portanto, crime de responsabilidade política, passível de ‘impeachment’.
A decisão do ‘impeachment’ não é estritamente jurídica. Pela Lei dos Crimes de Responsabilidade, o Chefe do Executivo pode ser afastado se atentar contra a ‘probidade da administração’, conceito que fora deixado um tanto em aberto, de modo a permitir que o Legislativo faça a sua avaliação. Nas palavras de Paulo Brossard, que estudou longamente o assunto, trata-se de um processo eminentemente político. É sintomático que nos países de língua espanhola o ‘impeachment’ seja denominado ‘juicio político’.”

Texto: A C Bôa Nova, AMDG
Imagem: Fernando Collor de Mello deixa o Palácio do Planalto depois de notificado de seu afastamento.

Livros fonte:
O Impeachment de Fernando Collor − sociologia de uma crise’, 2015, Brasílio Sallum Jr.,      Professor nas Ciências Sociais da USP, e
‘Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor’, 1999, do jornalista Mario Sergio          Conti.



(JA, Set17)

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