Algumas estratégias para evitar conduta danosa de se classificar ou atribuir ao outro essas características, prejudicando o relacionamento. Nem sempre a culpa é do outro

Pergunta: Minha parceira de três anos e eu caímos em um padrão exaustivo de discussões. Ela regularmente me diz que faço um trabalho terrível para fazê-la se sentir amada, então sinto que estou constantemente pisando em ovos em todas as nossas interações. Mas, quando esclareço que me sinto ansioso perto dela devido às críticas constantes, ela explode, e me diz que eu sempre me faço de vítima, mesmo quanto a machuco. Como podemos sair desse ciclo de ‘vilão-vítima’ quando ambos, genuinamente, acreditamos ser o parceiro que nos prejudicou?
Esta
pergunta de um paciente pode tocar aqueles que já se sentiram feridos em um
relacionamento (o que, é claro, é o caso
de todos nós). Quando nos sentimos
magoados pelo outro, o cérebro não apenas processa a dor —ele se torna diretor
de elenco, fazendo audições para os dois papéis principais: a vítima inocente e
o vilão impiedoso. Os cientistas sociais chamam isso de classificação moral.
A
maioria das pessoas está familiarizada com a ideia de tipificação na indústria
do entretenimento. Se você visse o ator Daniel Radcliffe na rua, seu cérebro
gritaria: ‘Harry Potter!’.
Como
Kurt Gray, professor de psicologia e neurociência da Universidade da Carolina
do Norte em Chapel Hill, e autor do livro ‘Outraged’, me explicou: ‘A
moralidade funciona da mesma forma, exceto que, em vez de bruxos, vemos alguém
apenas como um vilão, ou apenas como uma vítima’.
A
pesquisa de Gray revela algo mais sobre esse atalho mental de classificação.
Quando classificamos alguém como vilão, não apenas o rotulamos como mau —mas também
o vemos, subconscientemente, como incapaz de experimentar sofrimento. Enquanto
isso, vemos as vítimas como incapazes de causar danos, mas também existindo, em
grande parte, como atores passivos, incapazes de alterar resultados. Assim, os
vilões são os maus atores, enquanto as vítimas são puras, mas impotentes.
Raramente
atribuímos a nós mesmos o papel de vilão. Quando estamos sofrendo em nossos
relacionamentos, tendemos reflexivamente a nos atribuir o papel de protagonista
inocente. E, quase instintivamente, colocamos a outra pessoa no papel do
antagonista responsável por toda a nossa dor.
Nesse
entendimento, podemos facilmente desconsiderar, e auto justificar qualquer dano
que causamos —mesmo que não intencionalmente. Paralelamente, podemos descartar
qualquer sofrimento que o outro indivíduo possa estar experimentando.
Essa
classificação mental oferece o conforto da simplicidade. Dinâmicas complexas de
relacionamento são destiladas em uma narrativa direta que nos absolve de
responsabilidade. Mas, essa simplicidade tem um preço alto: quando não podemos
reconhecer a dor da outra pessoa, ou dar nossa contribuição para solução do
problema, uma conversa significativa se torna quase impossível.
Mas,
em praticamente todas as dinâmicas de relacionamento, cada pessoa tem a
capacidade de sofrer, e cada pessoa faz contribuições, mesmo que não em igual
medida.
Não
podemos anular completamente a tendência do nosso cérebro de se envolver nesse
reflexo de classificação, e não gostaríamos disso —nossa capacidade de
identificar danos potenciais contribui para manutenção da nossa segurança. Mas,
podemos nos tornar críticos mais perspicazes de nossas próprias produções
mentais.
Aqui
estão algumas estratégias práticas para usar, quando você estiver caindo em
atribuições simplistas de personagens vilão-vítima:
Reconheça o reflexo de classificar
Pratique
perceber quando você se sente magoado ou ameaçado. Essa consciência, por si, só
pode ajudá-lo a pausar, antes de ficar muito confortável com decisões de elenco
unidimensionais.
Pense como um observador
Considere-se
como um observador neutro que aprecia as complexidades que ambos os personagens
poderiam interpretar a cena. De acordo com um estudo de 2013, esse tipo
de experimento mental pode ajudá-lo a se desapegar de uma narrativa
excessivamente simplificada, ajudando você a se conectar com a ideia de que os
vilões, frequentemente, agem a partir de seu próprio medo de danos, e que você,
como a vítima autoatribuída, às vezes pode infligir dor não intencional, ou
justificadamente.
Entenda as dinâmicas
Aplique
uma estrutura que os autores de Conversas Difíceis chamam de sistema de
contribuição conjunta, que reconhece que qualquer dinâmica interpessoal envolve
contribuições de cada pessoa. Nenhuma história de relacionamento convincente é
impulsionada pelas ações de apena um personagem —as dinâmicas são quase sempre
cocriadas. Entender melhor essas dinâmicas nos capacita a escolher, com mais
sabedoria, o que fazer a seguir.
Torne-o um projeto compartilhado
Se
a outra pessoa estiver disposta, comprometa-se com um projeto compartilhado
para adicionar profundidade e perspectiva, reconhecendo que todas as pessoas
são complexas. Crie um espaço de curiosidade radical, onde ambos possam
aprender sobre as motivações mistas, vulnerabilidades, forças, e humanidade do
outro.
Quando estamos dispostos a ver além dos papéis simplificados, somos mais capazes de enriquecer nossos relacionamentos. E quando podemos reconhecer nossa capacidade de machucar e ser machucados, agir e sofrer ações, podemos ajudar a transformar nossos relacionamentos de um filme B previsível, em algo muito mais nuançado e cativante.
(JA, Abr25)