Autor sustenta que árabes se equivocaram em 1947, ao rejeitar o Plano de Partilha da Palestina da ONU, e que Israel errou em 1967, quando contrariou a determinação de retirada das Forças Armadas dos territórios ocupados durante a Guerra dos Seis Dias. Em sua avaliação, Israel nunca atacou os palestinos primeiro, e não pode ser chamado de colonialista, mas suas respostas militares —sempre desproporcionais, como acontece agora na Faixa de Gaza— transformam o país no pior lar judaico do mundo.
Ontem eu dormi o dia inteiro.
Agora estou assistindo a um belo filme russo dos anos 1950, ‘O Idiota’,
baseado em Dostoiévski.
Não quero ver bombas nem
corpos dilacerados. Já morri, já fui ferido, já fui sequestrado. Em uma guerra,
não há vencedores. Todos perdem. Uns mais, outros menos, mas todos perdem
alguma coisa.
A guerra mata até quem não
está em guerra. Ouço o zunido dos mísseis no meu quarto, mesmo a 10 mil
quilômetros de distância. Os gritos das mães pelos filhos. Vejo o pavor dos
reféns. Sinto o cheiro de carne queimada. Estou soterrado pelos escombros.
Se alguém me perguntasse, em 1947, se era uma
boa ideia todos os judeus morarem em um só país, eu diria que não. Ainda mais
um país cercado de países inimigos por todos os lados, profundamente religiosos,
e que professam uma fé rival da judaica. Não, mil vezes não!
É mais seguro se espalharem
por várias nações, eu diria aos defensores dessa ideia. Vivendo todos em uma
só, jogam uma bomba atômica neles e morrem todos. É uma espécie de gueto! Eu
não vou morar lá.
Mas a história não tem botão
de reset, e nem todos pensam como eu. Também acho que os judeus, àquela altura,
não tinham escolha. Perseguidos pelo czar, que não permitia, por exemplo, que
tivessem terras, e depois sob ataque dos pogroms da Rússia e da Ucrânia, os que
conseguiram fugir correram para a Palestina.
Não foi o caso do meu avô
Baruch Davidson. Tomaram sua pequena loja de tecidos em Kurilovitz, e o
deportaram, com minha avó Sheva, para a Sibéria, um dos lugares mais gelados e
inóspitos da Terra. Em dois anos, ela morreu de tuberculose.
Para escapar dos pogroms, os
que puderam fugiram para a América, ou para a Palestina. A América estava
distante. Mais próxima, a Palestina foi o destino principal. Estão lá há mais
de cem anos.
Palestina Protetorado do Reino Unido
Em 1917, a
Palestina, depois de quatro séculos de domínio do Império Otomano, virou
protetorado do Reino Unido, onde moravam pouco menos de 100 mil judeus e
525
mil palestinos. Os palestinos nunca foram donos, formalmente, da Palestina,
embora morassem lá havia séculos.
Em 1921, os britânicos dividiram o território em dois: a maior parte para a Transjordânia (futura Jordânia), e a menor para ‘um futuro lar judaico’. Não foi uma boa solução. Árabes e judeus se envolveram em conflitos sanguinários nos anos seguintes.
Em fevereiro de 1947, o Reino
Unido, sem condições de pacificar os oponentes, levou a ‘questão palestina’
para a ONU resolver. A essa altura, havia aproximadamente 630 mil judeus e
1,2
milhão de palestinos.
Os Estados Unidos, a maior
potência capitalista, e a URSS, a maior potência comunista, os grandes vencedores da
Segunda Guerra Mundial contra os nazistas, apoiaram o Plano de Partilha da
Palestina, que dividia o território em dois: cerca de 53,5% para o
Estado judeu, cerca de 45,3% para o Estado palestino, e Jerusalém e Belém sob
controle internacional.
Liga Árabe
declara guerra a Israel
O plano, aprovado em 29 de novembro de 1947 pela Assembleia Geral da ONU, presidida pelo chanceler brasileiro Osvaldo Aranha, com 33 votos a favor, 13 contra, e 10 abstenções, foi rechaçado pela Liga Árabe, formada por Egito, Arábia Saudita, Síria, Iêmen, Iraque, Líbano e Transjordânia, que declarou guerra a Israel em maio de 1948, e jogou a resolução da ONU no lixo.
Israel venceu a guerra em 1949. Os
palestinos, fugindo do conflito, estabeleceram-se na Cidade de Gaza, que, ao
longo da sua história milenar, foi subjugada por filisteus, macedônios, romanos
e otomanos e, àquela altura, era território egípcio.
Delimitação da Faixa de Gaza
A Faixa de Gaza (365 Km²) foi
delimitada. e confirmada pelo armistício entre Egito e Israel de 24 de fevereiro
de 1949, ampliando o espaço ocupado pelos palestinos sem pátria, e definindo
suas fronteiras com Egito e Israel, com status de território dentro de um país,
sem o reconhecimento de fronteiras internacionais.
O primeiro mandatário da Faixa de Gaza foi o Governo de Toda a Palestina, a partir de setembro de 1948, proclamado pela Liga Árabe, e dissolvido em 1959. Em seguida, Gaza foi controlada pelo Egito até 1967.
Guerra dos 6
dias
A Guerra dos Seis Dias foi um
conflito travado por Israel contra Egito, Síria e Jordânia entre 5 e 10 de junho de 1967. Esse
embate foi mais um capítulo da tensão entre árabes e israelenses que aconteceu
desde a fundação de Israel. A guerra se iniciou quando Israel realizou um
ataque surpresa contra o Egito.
Posteriormente, o conflito
envolveu a Síria e a Jordânia, mas as forças armadas de Israel se impuseram
contra os três adversários, conquistando diversas regiões. Nessa batalha,
Israel conquistou a Faixa de Gaza, Península do Sinai, Jerusalém Oriental, Cisjordânia
e as Colinas de Golã. Alguns desses territórios são ocupados por Israel até
hoje.
Tal como ocorreu com os
países árabes, que rejeitaram a resolução 181 da ONU em 1947, os israelenses fizeram o mesmo em relação à
resolução 242, de 22 de novembro de 1967, que determinou ‘a retirada das Forças Armadas de
Israel dos territórios ocupados durante o recente conflito’.
Na Guerra dos Seis Dias, derrotados pelos israelenses, os egípcios entregaram parte de seus domínios, inclusive a Faixa de Gaza, aos vencedores.
Tal como ocorreu com os
países árabes, que rejeitaram a resolução 181 da ONU em 1947, os israelenses fizeram o mesmo em relação à
resolução 242, de 22 de novembro de 1967, que determinou ‘a retirada das Forças Armadas de
Israel dos territórios ocupados durante o recente conflito’.
Os árabes erraram em 1947, e Israel
errou em 1967. Um erro não justifica o outro. Eu sou judeu, mas não
concordo com todas as decisões dos governos israelenses, do passado e do
presente.
Gaza sempre foi um barril de
pólvora. É óbvio que seus moradores, derrotados por Israel em uma guerra
devastadora, e seus descendentes, sintam ódio profundo por Israel. Nunca
aceitaram a derrota. Sempre buscaram a vingança. Sempre atacaram Israel por meio
de grupos terroristas, a começar pela OLP
(Organização pela Libertação da Palestina).
Acordos de
Paz de Oslo
Os acordos viraram letra morta, em grande medida descumpridos por Israel, que não desistiu de expandir seus assentamentos. Só o que vingou foi a criação da Autoridade Palestina, designada a chefiar a administração dos ‘territórios palestinos ocupados’, segundo a definição da ONU.
Os Acordos de Oslo dividiram
os territórios palestinos em três áreas administrativas:
1. área sob controle civil e de
segurança da Autoridade Nacional Palestina;
2. área sob controle militar de
Israel, e civil palestino, e
3. total controle de Israel.
Em 2005, o premiê
Ariel Sharon, em nova tentativa de distensão, retirou do território palestino 8.000 colonos, e
as tropas que os protegiam. De todo modo, a Faixa de Gaza continuou pertencendo
ao território de Israel, sob governo civil palestino.
Hamas e
Fatah
‘As últimas eleições
parlamentares, realizadas em 2006, foram vencidas pelo maior rival do Fatah, o partido
islâmico Hamas, que tem como compromisso a destruição do Estado de Israel’,
escreveu a jornalista Yolande Knell, da BBC News.
Poucos meses depois, em 25 de junho, o
Hamas começou a cumprir seu ‘compromisso’: invadiu Israel, e sequestrou o
soldado Gilad Shalit.
Um mês depois, Israel deu
início à ‘Operação Chuvas de Verão’, que consistiu em bombardeios de pontes e
da central elétrica —700 mil palestinos ficaram sem água, energia elétrica e
outros serviços essenciais, e os israelenses ocuparam o centro de Gaza, e
prenderam ministros e deputados do Hamas na Cisjordânia.
Os inimigos de Israel —Hamas,
Fatah, Comitê de Resistência Popular, e Jihad Islâmica— responderam com
milhares de foguetes sobre o território israelense, o que deu origem à Operação
‘Nuvens de Outono’, que mirou no local de onde os foguetes eram lançados: Beit
Hanoun.
O resumo das duas batalhas é
o seguinte: morreram cerca de 402 palestinos (277
militantes armados, 117 civis, 6 policiais, 2 guardas presidenciais), 65 militantes foram capturados, e mil pessoas ficaram
feridas; do lado israelense, morreram 11 pessoas (5
soldados, 6 civis), 38 soldados
foram feridos, um soldado foi capturado, 44 civis ficaram feridos.
Tudo começou com o sequestro
de um soldado israelense.
Operação
Chumbo Fundido
Em 2014, em
resposta ao assassinato de três adolescentes israelenses na Cisjordânia, Israel
infringiu 2.125 mortes aos palestinos; um jovem palestino foi
queimado vivo por judeus em Jerusalém.
O Hamas e a Jihad Islâmica
voltaram a atacar Israel com foguetes em maio de 2021, depois de confronto de
policiais israelenses com palestinos, que protestavam contra despejos no bairro
de Sheikh Jarrah, em Jerusalém.
Israel revidou, bombardeando
bases de foguetes do Hamas; cerca de 280 palestinos morreram. Israel e Hamas assinaram o
cessar-fogo em 21 de maio.
Esses são os fatos históricos
incontornáveis dos confrontos entre os grupos terroristas da Faixa de Gaza e o
Estado de Israel, dos quais podemos concluir que:
1. os judeus não invadiram a
Palestina, migraram para lá com autorização dos britânicos, e estão lá há mais
de cem anos;
2. quem não aceitou a divisão da
Palestina em dois estados, em 1947, foi a Liga Árabe;
3. Israel nunca incorporou terras
dos palestinos, e sim de países, como o Egito, depois de vitórias em guerras;
4. Israel nunca atacou primeiro, com
exceção, talvez, da Guerra dos Seis Dias, sejam países, sejam grupos
terroristas;
5. Israel não cumpriu a resolução da
ONU
que ordenou devolver os territórios conquistados;
6. Israel nunca foi colonialista
—assentar colonos não é ser colonialista; colonialistas em relação à Palestina
foram os otomanos e os britânicos;
7. as respostas israelenses sempre
foram desproporcionais.
7 de Outubro
Aí veio o 7 de Outubro.
Ainda sabemos pouco sobre como e por que aconteceu e seus desdobramentos e
consequências. Há duas guerras, na verdade: a guerra no front, e a guerra nas
redes sociais, ambas muito acirradas e destrutivas.
Considerações
Não há dúvida que uma
investida ousada como essa, só comparável ao ataque às Torres Gêmeas de Nova
York, em 2001, foi planejada por meses, em todos os detalhes.
Tampouco se discute o talento e a inteligência dos palestinos, milenar povo
árabe. O exemplo mais evidente é a rede de túneis subterrâneos que construíram.
Tendo planejado tudo nos
mínimos detalhes, como estamos agora sabendo por meio de interrogatórios de
terroristas presos por Israel, o Hamas sabia que a resposta de Israel também
seria a mais furiosa de todas. O histórico era esse.
Netanyahu, atônito e
surpreendido pelo ataque sem similares, o que, é claro, foi uma falha da
inteligência e da defesa israelenses, teve que escolher entre duas opções.
Ou se deixava posar de vítima
da mais bárbara investida do Hamas, com o que ganharia a irrestrita
solidariedade do mundo, e focava negociar a libertação dos reféns, ou reagia no
modo vingança, com o intuito de acabar de uma vez por todas com as provocações
sanguinárias, declarando guerra total e irrestrita à Faixa de Gaza.
Ao decidir pela segunda opção
—como era de esperar, em razão do histórico dos conflitos, e da sua posição
política de extrema direita— Netanyahu tem apanhado mais que o Hamas.
O mundo já se esqueceu do 7 de Outubro, e
do terror que produziu ao sequestrar israelenses civis inocentes, sejam
adultos, crianças, mulheres, idosos, doentes ou sãos. As lembranças mais
frescas são as da bomba no hospital al-Ahli Arab, e das mais de 2.300 crianças
palestinas mortas.
A propaganda disseminada
pelos palestinos, muito bem-feita e impactante, conseguiu convencer parte
significativa da comunidade internacional de que Israel atacou o hospital, e
matou crianças, por ser intrinsecamente cruel e covarde, o que não faz sentido
algum, a não ser que Netanyahu tivesse a intenção de se tornar o governante
mais sanguinário do planeta.
Mirar em um hospital, ou nas
crianças, seria estúpido, pois não atingiria os terroristas, e só ajudaria a
macular a imagem de Israel. Como maculou, de fato. Não duvido da bomba, nem do
número de crianças mortas, só não concordo que esses foram os alvos.
Em contraposição, já que os
israelenses ou os judeus são maus e sanguinários, os palestinos e o Hamas são
intrinsecamente bons, tolerantes, e defensores dos fracos e oprimidos. O Hamas
passou a receber solidariedade, não Israel. Netanyahu conseguiu transformar o
Hamas em vítima.
O lar judaico, que deveria
ser o melhor lugar para os judeus, agora é o pior. Nova York, Paris, Londres,
São Paulo —nenhum lugar é seguro para os judeus agora. Quem terá coragem de ir
a uma sinagoga sem um colete à prova de bala?
Em um campo de batalha, não
nascem flores.
Haja o que houver, Israel não
será varrido do mapa, os palestinos não serão varridos do mapa, mas o Hamas tem
que acabar, ou renunciar ao terrorismo, tal como fez a OLP.
Não falo em exterminá-los,
mas que façam como Yasser Arafat, reneguem o terror. Os demais grupos
terroristas deveriam fazer o mesmo, tal como não existem mais os grupos
terroristas israelenses Haganá e Stern, que cometeram barbaridades durante a
guerra civil.
Os israelenses —judeus e
árabes— já estão com Netanyahu por aqui. Ele vai cair, assim que vierem o
cessar-ódio e o cessar-fogo.
Enquanto houver grupos terroristas em Gaza e na Cisjordânia, não haverá paz nem progresso. Não será preciso Israel cercar Gaza por muros, e manter essa que é, segundo consenso mundial, a infame ‘prisão a céu aberto’, que envergonha os judeus de todo o mundo. Só uma Gaza sem terroristas, e sem tropas a vigiando, poderá se desenvolver e oferecer uma vida melhor ao seu povo.
Enquanto houver terroristas,
haverá ataques a Israel, e revides israelenses desproporcionais, e novos
ataques, e novos revides, em uma escalada interminável e imprevisível.
O ataque do Hamas em 7 de
outubro mostrou que Israel só terá segurança real se surgir um Estado
palestino, o que eliminaria, ou pelo menos reduziria, o apelo por movimentos
teocrático-terroristas como o Hamas e o Jihad Islâmico
Não esqueci, e permaneço
horrorizado, com os assassinatos e sequestros perpetrados pelo Hamas em 7 de outubro.
Também estou horrorizado com a mão pesada em demasia de Netanyahu.
Isso me lembra a história de
um personagem do folclore carioca dos anos 1960. Irônico e gozador e, sobretudo, franzino, Ronald
Chevalier, o Roniquito, que certa vez apanhava feio de um desafeto em Ipanema,
quando este lhe perguntou, com Roniquito quase desacordado: ‘Já chega ou quer
mais?’. Ele retrucou: ‘É claro que chega, seu idiota!’.
É o que digo a Netanyahu: ‘Claro
que chega, seu idiota!’.
Outro dia, em uma feira livre
aqui no Brasil, escutei um vendedor de frutas argumentando com um colega: ‘O
Hamas quer conquistar Israel porque Israel é muito poderoso’.
De fato é. O seu poder reside
no seu povo — criativo, inovador, determinado, estudioso, alegre—, como também
é o povo palestino.
Em vez de ver palestinos
mortos, o povo israelense prefere ver os reféns vivos. Em vez de ver os reféns
mortos, o povo palestino prefere continuar existindo.
Levantei a bandeira branca, e
ela estava cheia de sangue. Sangue é vida quando está dentro de nós. Quando sai,
é morte.
Imagem em destaque: Sinalizadores lançados por Israel no norte da Faixa de Gaza
Fontes: Alex Solnik,
Jornalista, colunista do portal Brasil 247 e comentarista de TV; H. Schwartsman | FSP
(JA, Nov23)