Os três máximos autores da literatura italiana: Petrarca, Boccaccio e Dante, os toscanos fundadores do idioma italiano
Na Itália foi diferente do restante
da Europa. Uma diferença importante foi que, durante muito tempo, a Itália
sequer foi um país.
Ela só se unificou bem tarde em 1861 (39 anos depois do Brasil ser independente, e apenas 28 anos antes do
Brasil se tornar uma República). Até então, era uma península de cidades Estado, em guerra entre si,
dominadas por orgulhosos príncipes locais, ou por outras potências europeias.
Partes da Itália pertenciam à França,
partes à Espanha, partes à Igreja, e partes a quem quer que conseguisse
conquistar a fortaleza ou o palácio local.
O povo italiano se mostrava
alternativamente humilhado e conformado com toda essa dominação.
A maioria não gostava muito de ser
colonizada por seus concidadãos europeus, mas sempre havia aquele bando apático
que dizia: ‘Franza o Spagna, purchè se magna’ que, em dialeto, significa: ‘França
ou Espanha, contanto que eu possa comer’.
Toda essa divisão interna significa
que a Itália nunca se unificou adequadamente, e o mesmo aconteceu com a língua
italiana.
Assim, não é de espantar que, durante
séculos, os italianos tenham escrito e falado dialetos locais incompreensíveis
para quem era de outra região.
Um cientista florentino mal conseguia
se comunicar com um poeta siciliano ou com um comerciante veneziano (exceto em
latim, que não chegava a ser considerada a língua nacional).
No século XVI, alguns intelectuais
italianos se juntaram e decidiram que isso era um absurdo.
A península italiana precisava de um
idioma italiano, pelo menos na forma escrita, que fosse comum a todos.
Então esse grupo de intelectuais fez
uma coisa inédita na história da Europa; escolheu a dedo o mais bonito dos
dialetos locais e o batizou de italiano.
Para encontrar o dialeto mais bonito,
eles precisaram recuar duzentos anos, até a Florença do século XIV. Esse grupo decidiu que, a partir dali, seria
considerada a língua italiana correta a linguagem pessoal do grande poeta
florentino Dante Alighieri.
Ao publicar sua ‘Divina Comédia’, em
1321, descrevendo em detalhes uma jornada visionária pelo Inferno, Purgatório e
Paraíso, Dante havia chocado o mundo letrado ao não escrever em latim.
Considerava o latim um idioma
corrupto, elitista, e achava que o seu uso na prosa respeitável havia
‘prostituído a literatura’, transformando a narrativa universal em algo que só
podia ser comprado com dinheiro, por meio dos privilégios de uma educação
aristocrática.
Em vez disso, Dante foi buscar nas
ruas o verdadeiro idioma florentino, falado pelos moradores da cidade (o que
incluía ilustres contemporâneos seus, como Boccaccio e Petrarca), e usou esse
idioma para contar sua história.
Ele escreveu sua obra-prima no que
chamava de ‘dolce stil nuovo’, (o ‘doce estilo novo’) do vernáculo, e moldou
esse vernáculo ao mesmo tempo que escrevia, atribuindo-lhe uma personalidade de
uma forma tão pessoal quanto Shakespeare um dia faria com o inglês elisabetano.
O fato de um grupo de intelectuais
nacionalistas se reunir muito mais tarde, e decidir que o italiano de Dante
seria, a partir dali, a língua oficial da Itália, seria mais ou menos como se
um grupo de acadêmicos de Oxford houvesse se reunido um dia no século XIX, e
decidido que – daquele ponto em diante – todo mundo na Inglaterra iria falar o
puro idioma de Shakespeare.
A manobra realmente funcionou.
O italiano que falamos hoje,
portanto, não é o romano ou o veneziano (embora essas cidades fossem poderosas
do ponto de vista militar e comercial), e sequer é inteiramente florentino.
O idioma é fundamentalmente dantesco.
Nenhum outro idioma
europeu tem uma linhagem tão artística.
E, talvez, nenhum outro idioma jamais
tenha sido tão perfeitamente ordenado para expressar os sentimentos humanos
quanto esse italiano florentino do século XIV, embelezado por um dos maiores
poetas da civilização ocidental.
Dante escreveu sua ‘Divina Comédia’
em terza rima, terça rima, uma cadeia de versos em que cada rima se repete três
vezes a cada cinco linhas, o que dá a esse belo vernáculo florentino o que os
estudiosos chamam de ‘ritmo em cascata’ - ritmo esse que sobrevive até hoje no
falar cadenciado, e poético dos taxistas, açougueiros e funcionários públicos
italianos.
A última linha da ‘Divina Comédia’,
em que Dante se depara com a visão de Deus em pessoa, é um sentimento que ainda
pode ser facilmente compreendido por qualquer um que conheça o chamado italiano
moderno.
Dante escreve que Deus não é apenas
uma imagem ofuscante de luz gloriosa, mas que Ele é, acima de tudo, ’ l’amor
che move Il sole e l’altre stelle...’ (‘O amor que move o sol e as outras
estrelas...’)
(JA, Mar20)