Pintura
Kazimir Malevich
O quadrado preto, 1915
Em meio às
muitas novas propostas de pintura do modernismo do início do século 20, como o
cubismo de Picasso e o abstracionismo de Kandinski, Kazimir Malevich foi mais
longe na busca por uma arte que estivesse livre de obrigações com a realidade
ou a representação. Em 1915, inaugurou em São Petersburgo a exposição ‘A última
exibição futurista de pinturas 0.10’ (em tradução livre), em que foram
mostrados 36 trabalhos, dele e de outros 13 artistas de estilo similar. Na
mostra, os quadros ficaram espalhados de modo irregular pelas paredes, alguns
em cantos perto do teto.
Entre estes
posicionados de modo pouco usual para um museu, estava o ‘Quadrado negro’. A
obra é exatamente o que diz o nome: um quadrado negro margeado por uma borda
branca. “Acredita-se em geral que foi a primeira vez que alguém fez uma obra
que não era sobre alguma coisa”, explicou a curadoria do museu britânico Tate
Modern, em texto de 2014 para uma exibição sobre o pintor.
A obra ficou
conhecida como o trabalho inaugural do suprematismo, movimento de arte abstrata
que se colocava como superior às outras correntes por aderir à ‘forma pura’. Ao
pintar apenas formas geométricas, buscando um abstracionismo radical, o
suprematismo acreditava estar instigando uma pureza de sentimento e percepção
no olhar, sem qualquer influência ou referência para servir de apoio.
O extremismo
de ‘Quadrado negro’ não veio de cara. Exames de raio-X feitos em tempos mais
recentes revelaram que a tela recebeu outras inscrições inicialmente. Por baixo
da tinta preta, havia contornos de um cavalo e palavras. Isso indica que, até
chegar no preto total, houve um processo com outras etapas. Malevich pintaria
outros três quadrados negros até o fim da década de 1920. O original
encontra-se hoje em estado tão frágil que não pode deixar a galeria Tretyakov,
em Moscou, onde fica guardado.
A pintura logo
deixou de merecer a atenção de Malevich, que logo se juntou aos contemporâneos
vanguardistas que viam a pintura como algo morto e ligado à velha ordem
burguesa que havia colapsado com a revolução de 1917. Na década de 1920, o
artista passou a se dedicar a trabalhos de design gráfico para pôsteres e
publicações, entre outros.
‘Para o
suprematista, os fenômenos visuais do mundo objetivo são desprovidos de sentido
em si mesmos; o que é significativo é a sensação...o suprematista não observa e
não toca, ele sente’ – Kazimir Malevich
O “CÍRCULO NEGRO”
FOI REALIZADO POR MALEVICH NA MESMA ÉPOCA QUE O “QUADRADO”. O ARTISTA QUERIA
LIBERTAR A ARTE DO “LASTRO DO MUNDO OBJETIVO”. A “CRUZ NEGRA” FOI PINTADA POR
MALEVICH NA DÉCADA DE 1920, QUANDO O ARTISTA ESTAVA MAIS ENVOLVIDO COM
COMPOSIÇÃO E LAYOUT GRÁFICO PARA PÔSTERES. JÁ “BRANCO NO BRANCO” É MAIS UM
EXEMPLO DA ESTÉTICA SUPREMATISTA, QUE TINHA COMO PROPOSTA UM ABSTRACIONISMO
LEVADO AO EXTREMO.
Há muitas
relações de Malevich com outros protagonistas da vanguarda russa desse tempo. O
pintor teve como discípulo na escola suprematista El Lissitzky, mais tarde
conhecido por suas inovações gráficas nos cartazes de estética construtivista.
Malevich também contribuiu com os cenários para a primeira peça de Vsévolod
Meyerhold na era soviética, ‘Mistério-bufo’, cujo texto era de Vladimir
Maiakóvski.
Com a morte de
Lênin, em 1924, Malevich se preocupou com a mudança do clima político. O
artista, desde sempre um colaborador da revolução bolchevique, não estava
errado: o regime stalinista subiu o tom em relação à arte abstrata e aos trabalhos
vanguardistas em geral, às vezes chamados de ‘depravados’. Depois de sua morte,
vítima do câncer, em 1935, o governo soviético tirou seus trabalhos de
circulação. Só em 1981 suas obras voltaram a ser mostradas na Rússia.
MALEVICH PINTARIA
OUTROS TRÊS QUADRADOS NEGROS ATÉ O FIM DA DÉCADA DE 1920. O ORIGINAL
ENCONTRA-SE HOJE EM ESTADO TÃO FRÁGIL QUE NÃO PODE DEIXAR A GALERIA TRETYAKOV,
EM MOSCOU, ONDE FICA GUARDADO.
Texto: Camilo Rocha,
Guilherme Falcão, Thiago Quadros e Ariel Tonglet |
=Nexo Jornal
Imagens: Kazimir
Malevich – Quadrado Negro’ e ‘Círculo
Negro’1915; ‘Cruz Negra’ e ‘Branco no Branco’, 1920
(JA, Nov17)