Você gosta de
dizer que seu inglês é avançado, mas lá no fundo sabe que o seu nível não passa
do intermediário?
Saiba que você
não está sozinho. A desaceleração do aprendizado de uma língua estrangeira, até
o ponto em que o estudante estaciona num patamar mediano, tem até nome: ‘platô
intermediário’.
Conhecido de
muitos alunos e professores de idiomas, o fenômeno é extremamente comum no
Brasil. E a razão pela qual tantas pessoas chegam a esse ponto de estagnação
tem a ver com questões emocionais, diz a neurocientista Carla Tieppo,
professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
‘Em geral,
somos muito sensíveis a críticas à nossa forma de falar uma língua estrangeira’,
explica ela. ‘Se, no início do processo de aprendizado, a pessoa se deparou com
um professor que fez uma certa expressão facial quando ela pronunciou algo
errado, ou fez uma correção sem muito tato, isso pode deixar marcas na relação
dela com o idioma’.
Embora
profundamente ligado às emoções, o processo também depende fortemente dos seus
recursos cognitivos – o que não significa que conquistar a fluência dependa
apenas do grau de inteligência verbal de cada um.
Por que algumas pessoas têm mais facilidade com idiomas?
Segundo a
professora Carla, a velocidade com que cada indivíduo adquire domínio sobre uma
língua está atrelada a múltiplos fatores.
Um deles é a
disposição psicológica para o aprendizado. Você pode, por exemplo, deixar que
esse processo seja contaminado pela vergonha e pelo medo da exposição. Uma
outra postura, mais produtiva, seria estar aberto à tentativa e ao erro, sem
impor a si próprio a obrigação de dominar tudo de cara.
Quem tem mais
facilidade para línguas costuma ter muita curiosidade e enxergar o aprendizado
como um desafio, e não como como um teste.
Também é
preciso mencionar o papel das habilidades cognitivas de cada pessoa. A
professora Carla destaca a chamada ‘memória de trabalho’, uma espécie de
memória RAM do cérebro.
Como a
comparação sugere, trata-se do componente cognitivo que permite processar
vários níveis de informação ao mesmo tempo – no caso, dominar simultaneamente
pronúncia, significado, e regras gramaticais enquanto você se expressa. Quem
tem habilidade com esse tipo de ‘malabarismo’ de dados normalmente se sai
melhor com idiomas.
Dito isso, as
variáveis envolvidas nesse processo ainda não são totalmente conhecidas e
continuam intrigando os cientistas.
Basta estudar as regras?
O húngaro
Balázs Csigi, fluente em 7 línguas, defende que o processo de aprendizagem pode
ser facilitado se o estudante fizer uma imersão na cultura do país que fala o
idioma estudado.
‘Memorizar
palavras não é uma opção se você quer alcançar a excelência’, escreve o
poliglota em artigo para o site Business Insider. ‘Em vez de aprender pela
repetição, você precisa ir além da superfície e desvelar a cultura escondida
atrás de cada palavra e expressão’.
Para
justificar sua tese, o húngaro analisa o sentido da palavra inglesa ‘reasonable’,
muito usada em expressões como ‘reasonable guy’, ‘reasonable time’ ou ‘reasonable
request’. Em português, o termo equivalente seria ‘razoável’ ou ‘sensato’, mas
é bem menos empregado do que em inglês.
A razão é
cultural. Segundo Csigi, o uso frequente de ‘reasonable’, adjetivo que se
origina de ‘reason’, tem a ver com a admiração da sociedade anglo-saxônica por
conceitos como razão, ciência, lógica e senso comum.
Para assimilar
essa ou qualquer outra palavra, diz ele, é preciso entender seu significado
mais profundo para os povos que a empregam. Daí a importância de se estudar a
cultura paralelamente às regras gramaticais e lexicais, e assim dar um salto no
seu aprendizado.
Como dominar uma língua mais rápido?
Com base em
conceitos e estudos da neurociência, é possível chegar a alguns conselhos
práticos para acelerar o processo de aquisição de uma língua. Veja a seguir 4
deles:
1- Insira seu aprendizado em um contexto
Imagine que
você deva dizer em francês a frase ‘Preciso de um telefone com urgência’ em
duas situações diferentes: na sala de aula, durante um exercício oral, ou no
meio de uma rua escura em Paris, após ter perdido os seus documentos. Em qual
momento você exigirá mais do seu cérebro?
A resposta é
óbvia. ‘Quanto maior for a necessidade de compreender uma língua ou se
expressar nela, mais veloz será o aprendizado’, diz Carla. É por isso que
tantas pessoas se desenvolvem rapidamente num idioma quando moram no exterior.
A vida real é muito mais exigente do que as simulações: ou você aprende, ou não
sobrevive.
Mas você não
precisa necessariamente morar em outro país para ganhar fluência. Basta buscar
contexto e necessidade para o aprendizado. Os videogames com áudio em inglês,
por exemplo, são um ótimo recurso para esse fim. ‘Você precisa compreender o
que está sendo dito para passar para a próxima fase e continuar jogando’,
afirma a professora da Santa Casa. ‘Isso traz um estímulo muito mais poderoso
do que um exercício isolado na lousa’.
2- Assista a um mesmo filme estrangeiro 3
vezes
Outro método
simples para impulsionar o seu aprendizado é ver três vezes um filme falado na
língua que você está estudando. Na primeira, habilite as legendas em português.
Na semana seguinte, veja tudo com legendas no idioma estrangeiro. Na terceira e
última vez, dê o play no vídeo sem legendas.
Segundo Carla,
essa é uma forma interessante de melhorar o seu processamento auditivo. Na
terceira vez que assistir ao filme, sem legendas, você já conhecerá a história
e talvez se lembre de vários diálogos.
Assim, você
fará associações entre forma, som e significado, além de treinar o
reconhecimento de várias palavras no outro idioma.
3- Ouça (muita) música
Este conselho vale
especialmente para quem já teve contato com a língua estudada por meio de
canções.
Você adora um
determinado artista que canta em francês, espanhol ou inglês, por exemplo? Ao
ouvi-lo – especialmente se tiver a letra da música em mãos – é provável que
você tente compreender o que ele canta.
Está aí a
grande contribuição da música estrangeira para o estudo de línguas, diz Carla. ‘A
perspectiva de finalmente entender uma letra que você nunca entendeu traz muita
motivação, que é uma condição básica para o aprendizado’, explica a
especialista.
4- Use expressões na
outra língua tanto quanto puder
Outra dica da
neurocientista é empregar o idioma estrangeiro com a maior frequência possível
na sua rotina – mesmo que seja entre frases em português.
De acordo com
Carla, quanto mais você usar a língua em situações do dia a dia, mais rápido
irá incorporá-la ao seu repertório – até o ponto em que as palavras sairão
automaticamente da sua boca diante de cada acontecimento.
‘Se você acha
pedante dizer palavras estrangeiras no meio de uma conversa com outro
brasileiro, pelo menos faça o exercício mentalmente’, diz a professora. ‘Ainda
assim, falar em voz alta é mais aconselhável, porque permite ouvir a sua
própria pronúncia e corrigi-la gradativamente’.
Fonte: Carla Tieppo, neurocientista
e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Texto: Claudia
Gasparini | EXAME.com
(JA, Nov17)