Para o britânico Neil Price, adaptabilidade e capacidade de tirar vantagem de diferentes situações foram essenciais para domínio
Basta uma rápida olhada nos mapas que documentam as incursões vikings durante a Idade Média, para concluir que os guerreiros escandinavos eram capazes de meter o bedelho em praticamente qualquer lugar da Europa e da bacia do Mediterrâneo.
O alcance global dos vikings começou como uma mistura
despretensiosa de pirataria e comércio, mas seu efeito ao longo de três séculos
transformou a geopolítica da região, de maneiras que ainda influenciam o mundo
moderno.
A Inglaterra e a Rússia, por exemplo, provavelmente não
teriam surgido sem um empurrãozinho viking, e o mesmo talvez valha para a
França. Descendentes dos piratas nórdicos também tiveram papéis de relevo na
política da Itália medieval, e nas Cruzadas. Nada mal para habitantes de um
cantinho remoto, e economicamente marginal do continente europeu.
Os detalhes das mudanças operadas pelos viajantes
escandinavos estão descritos em ‘Vikings: A História Definitiva dos Povos do
Norte’, livro do arqueólogo britânico Neil Price, que chegou recentemente ao
Brasil.
Price, que é professor da Universidade de Uppsala, na Suécia,
afirma que o ingrediente secreto por trás da influência histórica dos
aventureiros nórdicos, é a sua tremenda adaptabilidade, e capacidade de tirar
vantagem das diferentes situações em que se encontravam –um ‘jeitinho viking’,
digamos.
‘O efeito colateral não pretendido disso é que eles deixavam
legados de longo prazo, aonde quer que fossem’, explicou Price. ‘O ponto-chave
é que esses legados, na prática, tomavam formas diferentes de lugar para lugar’.
Considera-se que a chamada Era Viking vai de 793 d.C. a 1066
d.C. Ambas as datas têm a ver com
acontecimentos na Inglaterra: no início, o primeiro ataque de piratas
escandinavos a um monastério cristão, na ilha de Lindisfarne; no fim do
período, a derrota do rei norueguês Harald Hardrada, na batalha de Stamford
Bridge –Harald tinha tentado tomar para si o trono inglês, e foi morto em
combate.
O alcance geográfico das viagens e ataques vikings, no
entanto, foi muito mais amplo (veja infográfico abaixo). Cidades e reinos foram fundados em território inglês, e na Irlanda, Escócia,
França, e em diversas áreas da atual Europa Oriental. Cidades costeiras da
Espanha e da Itália foram atacadas, e contatos diplomáticos e comerciais foram
estabelecidos com representantes do mundo islâmico.
Aliás, um dos mais interessantes relatos sobre um funeral viking, incluindo detalhes sanguinolentos acerca de sacrifícios humanos, foi escrito pelo viajante e erudito Ahmad ibn Fadlan, enviado pelo califa de Bagdá à bacia do rio Volga, na atual Rússia, no ano 921.
Os fatores que desencadearam a Era Viking são múltiplos, e
ainda há considerável debate acerca deles. O historiador britânico Peter
Heather, da Universidade de Oxford, aponta que o fim do século 8º da Era Cristã,
foi uma época de recuperação econômica para diversas regiões portuárias do
norte da Europa.
Ao mesmo tempo, algumas décadas antes, os moradores da
Escandinávia já tinham dominado a tecnologia dos barcos vikings, bastante
confiáveis em mar aberto, mas também capazes de subir rios rumo ao interior.
Com isso, juntava-se a fome com a vontade de comer. ‘Várias
regiões da Escandinávia, principalmente na Jutlândia [península da Dinamarca], tinham mercados consolidados, com
rotas e pontos de contato por todo o mar do Norte’, explica o historiador
Johnni Langer, diretor do Neve (Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos) da Universidade Federal da Paraíba.
Os escandinavos podiam aproveitar a prosperidade crescente
dessas regiões para fortalecer sua atuação mercante –ou para se transformarem
em piratas.
Aliás, esse é mais ou menos o significado original de ‘viking’,
que não é uma designação étnica, mas sim uma espécie de termo ocupacional, que
também podia ser usado como verbo (o sujeito ‘ia vikingar’, ou seja, ia fazer incursões ou
pilhagens por mar).
Outro ingrediente importante que impulsionou cada vez mais os
ataques, segundo Langer: a pulverização política nas regiões sob assédio.
‘Os séculos 8º e 9º foram caracterizados pela situação de enfraquecimento de
poderes centralizadores, originando o início do feudalismo na Europa, como na
França e Inglaterra. Esses poderes políticos regionais eram frágeis, e por
muito tempo acabaram recebendo influências escandinavas’, explica o
historiador.
É preciso levar em conta, por exemplo, o fato de que o
território inglês não correspondia a um reino unificado, estando dividido em
pequenas monarquias como as de Mércia (região central), Wessex (oeste do país) e
Nortúmbria (região
norte).
Esse é o cenário da Europa Ocidental, mas é preciso
considerar também o que acontecia no extremo leste do continente. Enquanto
vikings dinamarqueses e noruegueses avançavam pelos atuais Reino Unido e
França, piratas e mercadores suecos começaram a controlar as rotas de comércio,
que passavam pelo interior da Rússia, da Ucrânia e da Belarus.
Eles passaram a ser conhecidos como ‘Rus’, nome que
provavelmente deriva do termo nórdico para ‘remadores’, e que acabaria
originando o próprio nome da Rússia. Por fim, alguns se incorporaram ao
exército do Império Bizantino, formando a famosa Guarda Varangiana, ferozmente
leal ao imperador.
‘Eles também passaram a atuar como parceiros econômicos
cruciais, como estimuladores da economia, mercenários e, às vezes ironicamente,
como defensores do Estado’, resume Price.
No leste, os reinos fundados por vikings se cristianizaram,
uniram-se à população eslava local, e acabariam dando origem à Rússia imperial.
Na Inglaterra, foi a reação às invasões escandinavas que levou ao surgimento de
um reino unificado (o
qual, no começo do século 11, chegou a ser dominado por Canuto, o Grande, rei
dinamarquês que governou também a Noruega).
E, em solo francês, um acordo da monarquia local com os
invasores, levou à criação do ducado da Normandia, dominado pelos vikings, e
batizado com o nome deles (‘normando’ significa ‘homem do Norte’).
A história aventuresca dos normandos nos séculos seguintes mostrou que eles tinham ‘puxado’ seus ancestrais escandinavos. Guilherme, o Conquistador, duque da Normandia, tomou para si a Inglaterra em 1066, enquanto outros militares da região forjaram reinos na Sicília, e até na Síria, durante as Cruzadas.
Fonte: Reinaldo José Lopes | ‘Vikings: A História Definitiva
dos Povo do Norte’, de Neil Price, Editora Crítica
(JA, Nov21)
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