Morremos, acabou. O que pensarem de nós, pouco importará.
Humm... Será mesmo que somos tão indiferentes à impressão que deixaremos?
Alguma curiosidade há de se ter sobre como nosso nome circulará nas rodas de
conversa (numa projeção
otimista, dando como certo que alguns ainda falarão a nosso respeito). Quanto tempo de vida você imagina
que terá depois de expirado seu prazo de validade?
A boa notícia: enquanto alguém lembrar de você, sua morte
será parcial. Minha avó Iby ainda vive (morreu aos 90), meu colega Rooney ainda vive (morreu aos 34), meus dois primos Flavio ainda vivem (um partiu aos 60, outro aos 56). É como contribuo para a
imortalidade que lhes coube, eles que nunca foram pilotos de Fórmula-1, jogadores de futebol, ídolos populares. Quem não é famoso
precisa garantir a própria imortalidade através da autêntica e sincera saudade.
Soube pelo obituário que um querido amigo perdeu o pai. Fazia
anos que eu não tinha contato com ele, mas recordava que os dois eram muito
próximos, e imaginei seu abalo emocional. Já nem sabia onde esse amigo morava,
ele que vivia trocando de país, mas descobri um e-mail antigo e tentei: mandei
uma mensagem de condolências. A resposta veio em poucos dias. Meu amigo contou
que, apesar de muito ligado ao pai, desconhecia certas atitudes de seu passado
que nunca foram alardeadas. Sua morte fez brotar revelações comoventes.
Os relatos chegavam de ex-colegas de profissão do pai, de
habitantes da cidade do Interior onde o pai morou quando jovem, de funcionários
que haviam trabalhado para ele, de gente que nem ao menos o conheceu
pessoalmente, mas que havia sido beneficiada por seus gestos. Para além de todo
seu histórico de bom pai, bom marido e bom avô, meu amigo descobriu que ele
havia sido, dentro da sua universalidade, um homem gentil, portanto, eterno não
só para a família.
Como uma coisa puxa a outra, me veio a palestra online que a
The School of Life promoveu, semana passada, com o psicanalista Irvin D. Yalom.
Já com a idade avançada e vivendo o luto de uma recente
viuvez, Yalom, autor de ‘Quando Nietzsche Chorou’, e outros livros sobre
relações pessoais, confirmou:
‘Nossa
imortalidade está condicionada à nossa gentileza, à maneira como tratamos
conhecidos e desconhecidos’.
Prosaico e profundo. É a cordialidade que nos manterá vivos
na lembrança de quem conviveu conosco. Nem bens materiais, nem prêmios, nem
festas, nem feitos: quando chegarmos ao final, nada contará tanto quanto nossos
bons modos, nosso olhar amoroso, e nossa disponibilidade para o afeto. É um
alento. Morre cedo quem quer.
Fonte: Crônicas da Martha
(JA, Nov21)