No Brasil, data foi criada por motivação
comercial nos anos 1950
Chega agosto e não tem como
esquecer. Os anúncios pipocam em jornais, revistas, internet, televisão e
pontos de ônibus. O segundo domingo vai fechar e aí é hora de dar um presente
ao pai – e reservar o dia para aquele almoço em família.
Mas quando foi que o Brasil
inventou o Dia dos Pais? Por que comemorar no segundo domingo de agosto? Como é
em outros lugares do mundo? Quem veio primeiro, o Dia dos Pais ou o Dia das
Mães?
Para entender essa história,
é melhor começar por esta última pergunta: o Dia dos Pais, no mundo
contemporâneo, veio depois do Dia das Mães – uma comemoração se inspirou na
outra, de certa forma. ‘A origem da comemoração é americana’, crava o psicólogo
social Sério Silva Dantas, professor de marketing da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
No início do século 20,
passou a se comemorar por lá o Dia das Mães, invenção da norte-americana Anna
Maria Jarvis, 1864-1948, enlutada pela morte da sua mãe. Então houve um
desastre: em 6 de dezembro de 1907, uma mina de carvão explodiu em Monongah,
Virginia Ocidental, nos Estados Unidos. Das vítimas, 250 eram pais.
Prédio atual Igreja Metodista Fairmont, onde ocorreu a 1ª celebração Dia dos Pais; Prédio antigo foi demolido em 1922 |
Foi uma imensa comoção na
região. Em 5 de julho de 1908, na cidade vizinha de Fairmont, ocorreu a
primeira celebração em honra aos pais, por iniciativa das famílias que haviam
perdido os seus. A homenagem foi realizada na Igreja Metodista da cidade.
De acordo com informações da
congregação, os esforços foram de uma senhora chamada Grace Golden Clayton. ‘Ela
ficou perturbada ao pensar em todas aquelas crianças crescendo sem a figura
paterna, e queria fazer algo para honrar a importância da paternidade’, informa
texto preparado pela igreja para divulgar a história. ‘Ela pediu ao pastor que
reservasse um dia especial para comemorar os pais – e escolheu o domingo mais
próximo do aniversário de seu falecido pai, também pregador metodista’.
Mas o evento não repercutiu
fora dali. Dois anos mais tarde, entretanto, um outro evento nascido na esfera
religiosa se tornaria conhecido em todo o país.
Filha de um fazendeiro
veterano da guerra civil americana, Sonora Smart Dodd, 1882-1978, ouvia um sermão de Dia das Mães na
igreja e pensava em seu pai, William Jackson Smart, 1842-1919. Sua mãe, Ellen
Victoria Cheek Smart, 1851-1898, havia morrido cedo e ele se viu criando os
seis filhos sozinho. ‘Por que havia um dia em homenagem às mães mas nada para
os pais?’, ela se perguntava.
‘A mãe de Sonora havia
morrido durante o parto do sexto filho e ele [William] criou os filhos sozinho.
Isso motivou Sonora a homenagear o pai. A data escolhida foi o dia do
aniversário dele, 19 de junho’, explica professor Dantas. A primeira festa
dedicada aos pais ocorreu na sede da Associação Cristã de Moços de Spokane, no
Estado de Washington.
Nos anos seguintes, ideias
semelhantes foram se espalhando. Em 1911, a socióloga e ativista Jane Addams, 1860-1935,
propôs uma comemoração do tipo em Chicago – contudo, não conseguiu implementar.
Na cidade de Vancouver, também no Estado de Washington, houve uma celebração
organizada por um pastor metodista em 1912. E, a partir de 1915, a organização
Lions Club International passou a realizar festividades do gênero também.
Foi longo o percurso para que
a data fosse reconhecida como oficial. Em 1913, um projeto de lei tramitou no
Congresso americano. O presidente Thomas Woodrow Wilson, 1856-1924, que gostava
da ideia, participou pessoalmente de uma celebração em Spokane, e queria
inserir o Dia dos Pais no calendário norte-americano.
Parlamentares resistiram.
Temiam que a comemoração fosse apropriada pelo comércio.
Em 1924, o presidente John
Calvin Coolidge, 1872-1933, recomendou que a data fosse festejada em todo o
país. ‘Ele apoiou a ideia nacionalmente’, comenta Dantas.
Diversos projetos foram
apresentados ao Congresso para oficializar o Dia dos Pais – sempre barrados. Em
1957, a senadora Margaret Madeline Chase Smith, 1897-1995, acusou os
parlamentares norte-americanos de ‘ignorarem os pais’. Ela demonstrava incômodo
com o fato de só as mães terem uma data oficial.
A novela chegaria ao fim em
1966, quando o presidente Lyndon Baines Johnson, 1908-1973, designou o terceiro
domingo de junho para a comemoração do Dia dos Pais. Na gestão de Richard Nixon,
1913-1994, em 1972, foi assinada a lei que tornou a data um feriado nacional
permanente.
No Brasil
Se no Brasil o Dia das Mães
já existia, oficialmente, desde 1932, foi só nos anos 1950 que a ideia de reservar
uma data aos pais ganhou força. E a motivação, desde o princípio, foi
comercial. ‘Aqui a data já nasceu com fins comerciais, uma vez que foi uma
ideia do publicitário Sylvio Behring, que era diretor do jornal e da rádio
Globo e queria atrair anunciantes’, conta o professor Sérgio Dantas. Behring
comandou a primeira equipe do Departamento de Arte e Propaganda da empresa.
A primeira comemoração foi no
dia 16 de agosto. Durante muito tempo, a data foi utilizada no catolicismo para
celebrar o dia de São Joaquim – segundo a Bíblia, pai de Maria, portanto, avô
de Jesus Cristo. Atualmente, São Joaquim é lembrado, ao lado de sua mulher,
Santa Ana, em 26 de julho – Dia dos Avós.
‘A escolha foi porque São
Joaquim é considerado pela Igreja Católica como o patriarca da família’,
explica Dantas. ‘Mais tarde a data foi transferida para o segundo domingo de
agosto’. De acordo com o Dicionário Histórico Biográfico da Propaganda no
Brasil, a ideia rendeu a Behring o reconhecimento como Publicitário do Ano,
pelos seus pares.
Conforme conta o economista
Marcel Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo, a data se firmou mesmo no
calendário do comércio apenas duas décadas mais tarde. ‘Somente se firmou
comercialmente a partir dos anos 1970, quando o Dia das Mães já estava
consolidado’, afirma ele.
Mas, na hora das compras, as
mães estão bem na frente. ‘O Dia dos Pais disputa com o Dia das Crianças o
quarto lugar no calendário comercial’, pontua Solimeo. ‘Apesar do simbolismo
que apresenta, não se compara com outras datas promocionais, como o Natal e o
Dia das Mães, porque nessas datas não só o apelo afetivo ou religioso é maior,
mas também porque abrangem uma gama muito mais variada de produtos que
habitualmente são dados como presente’.
A Associação Comercial de São
Paulo espera que o balanço das vendas nesta época seja 2% melhor do que no ano
passado. A instituição afirma que o Dia dos Pais coincide com as liquidações
para desovar a moda outono-inverno – e se preparar para a próxima temporada.
‘O comércio sempre procura
datas que contem com algum apelo emocional para promover comercialmente’,
contextualiza o economista. ‘Gradativamente outras datas foram sendo
incorporadas ao calendário das promoções, como Dia das Crianças, Dia do
Professor e, mais recentemente, dos Avós. Atualmente a promoção que mais vem se
expandindo é a Black Friday: embora não tenha apelo emocional, ela conta com um
esforço de marketing muito forte’.
Em outros países
Na história antiga, conta-se
que há 4 mil anos um dos filhos do rei babilônico Nabucodonosor, Elmesu, teria
feito uma espécie de cartão, de argila, desejando saúde e sorte ao pai.
A Igreja Católica, pelo menos
desde 1508, enfatiza em suas missas e documentos a importância paterna de São
José, marido de Maria, mãe de Cristo. A ideia de reforçar esse papel surgiu
dentro da ordem dos franciscanos. Desta forma, uma correlação natural foi
surgindo, de forma que as celebrações de 19 de março – data reservada ao santo
– também passaram a homenagear os pais, principalmente em países de forte
tradição católica, como Itália, Portugal e Espanha.
Rei Bhumibol (primeiro à direita), da Tailândia, seu aniversário tornou-se Dia dos Pais no país |
Levantamento realizado pelo
professor Sérgio Dantas encontrou 19 datas diferentes ao redor do mundo para o
Dia dos Pais. Há curiosidades, como a Rússia, que reserva o dia 23 de fevereiro
para tal. É a mesma ocasião em que se comemora o Dia do Defensor da Pátria, num
resquício dos tempos da União Soviética – foi nesse dia que, em 1918, foi
fundado o Exército Vermelho. Ou a Romênia, que comemora o Dia dos Pais no
segundo domingo de maio, portanto no
mesmo dia em que celebramos as Mães. A Tailândia transformou em Dia dos
Pais o 5 de dezembro, aniversário de nascimento do rei Bhumibol Adulyade, 1927-2016.
Coincidentemente, Samoa,
país-arquipélago do Pacífico, comemora o Dia dos Pais também no segundo domingo
de agosto. China e Taiwan têm um dia fixo – muito próximo do nosso: o 8 de
agosto.
A influência norte-americana
é a mais disseminada. Cerca de 70 países comemoram o Dia dos Pais no terceiro
domingo de junho, do Zimbábue ao Camboja, passando por Grécia, República
Tcheca, Argentina, Chile e Jamaica.
Fonte: BBC News Brasil
| FSP
(JA, Ago19)