Uma das estradas mais
importantes de São Paulo, historicamente falando, é a Via Anchieta, inaugurada
no dia 22 de abril de 1947. Considerada na época uma das mais modernas estradas
do mundo, ela representou uma conquista ímpar, tanto para a cidade de São Paulo
que ganhava uma ligação com a cidade de Santos, quanto para o estado, que
conseguiu concluir uma obra gigantesca e simbólica.
Apesar de existirem diversas
informações pela internet, a fonte mais confiável encontrada veio do Arquivo
Público do Estado, através do Boletim do Departamento Estadual de Informações
(DEI), que tinha como título ‘São Paulo de ontem, de hoje e amanhã’. A edição
que contém as informações descritas abaixo, é a de janeiro a maio de 1947.
A construção da Rodovia
Anchieta foi iniciada no primeiro governo do famoso Adhemar de Barros no ano de
1939, ou seja, quase 10 anos antes de sua inauguração oficial que, por uma
coincidência histórica, ocorreu no aniversário do mesmo Adhemar de Barros.
Um trecho interessante do DEI
fica por conta desse que, com certeza, é melhor do que qualquer explicação que pudesse
ser dada sobre a importância da rodovia:
‘…é inegável que ao atual chefe do
Executivo paulista deve ser atribuída a primazia da iniciativa, no sentido de
substituir a já antiquada Estrada do Mar, por uma rodovia que atenda ao enorme
transito diário de veículos entre as duas principais cidades do Estado'.
A construção da rodovia
Antes que Adhemar de Barros
desse início à construção da Via Anchieta, houve uma tentativa frustrada de
construção da rodovia. Através do Decreto nº 7162, de 24 de maio de 1935, o
Governo do Estado de São Paulo autorizava a construção de uma nova estrada de
rodagem, entre a capital e a cidade de Santos e, para tanto, abria concorrência
pública para que os interessados pudessem participar do processo e iniciar as
obras
Apesar das condições
favoráveis, não apareceu nenhuma empresa que obedecesse às condições do edital,
fazendo com que a iniciativa ficasse engavetada por mais quatro anos. Coube a
Adhemar de Barros, no dia 9 de julho de 1939, dar início ao processo
construtivo da rodovia.
Entretanto, como é sabido por
todos, os anos compreendidos entre 1939 e 1945 foram os terríveis anos de 2ª. Guerra Mundial e, como não poderia deixar de ser, o país foi afetado por esse
conflito e, consequentemente, as grandes obras que aqui aconteciam.
Os problemas foram de todos
os tipos: da falta de insumos básicos, como o combustível (que gerou soluções
como o gasogênio), à impossibilidade de importar máquinas, o que atrasou de
sobremaneira a obra.
Para se ter uma ideia prática
do problema, o DEI faz a seguinte constatação: ‘Em 1942, os serviços sofreram
uma grande redução, por se ter agravado o problema da falta de combustível,
chegando mesmo a paralisar completamente, durante vários meses desse ano, e de
1943. Os Contratos de empreitada, de terraplenagem por meios mecânicos, tiveram
que ser rescindidos e os maquinários retirados por falta de 8 ou 10 tambores
mensais de óleo diesel’.
Esse problema só seria
resolvido em 1943, quando era possível obter uma pequena cota de gasolina,
cerca de 10 – 12 mil litros do combustível, o suficiente para que fosse
possível continuar os trabalhos de terraplanagem.
Claro que, apenas a falta de
combustível, não foi o suficiente para atrasar a obra em quase 10 anos. Outro
problema encontrado foi a questão da terraplanagem manual, e a falta de cimento
(por incrível que pareça). Essas questões, que atrasaram por quase três anos a
obra, só foram resolvidas em 1946, quando os abastecimentos dos combustíveis e
de insumos foram normalizados.
Transportadores rodoviários visitam as obras da Via Anchieta em agosto de 1946 |
Vale um destaque histórico de
que, nesse ano de 1946, as obras da via Anchieta receberam seis tratores que,
segundo o documento histórico que estamos usando de referência - ‘Com isso,
pôde a direção das obras traçar um programa avançado de ação, de molde a prever-se
para bem breve a conclusão da via’.
A pavimentação
Para não deixar o texto muito
longo e cheio de informações técnicas, esse artigo está dividido em alguns
subtítulos. O primeiro deles, a pavimentação, contou com algumas peculiaridades
que merecem destaque.
O boletim do DEI destaca que:
‘…a pavimentação da pista, que é a garantia de segurança do tráfego e da
conservação de uma rodovia, seguiu o método de preparo prévio e compressão da
base por meio de fôrmas de ferro, dobras em ‘L’, com os bordos protegidos por
cantoneiras, e do comprimento de 3 metros’, e continua.
O informativo ainda faz
um minucioso relato de várias outras peculiaridades da pavimentação da
Anchieta, mas são dados mais técnicos da obra e, para os engenheiros de
plantão, recomendável a leitura do documento completo.
As obras de arte e os túneis
Claro que as obras feitas
para vencer as barreiras naturais, o famoso trecho de Serra, demandou esforço e
muita perícia dos engenheiros, trabalhadores e todos os envolvidos no
desenvolvimento do projeto.
A maior das chamadas obras de
arte construídas para a Anchieta, segundo a publicação, é a ponte sobre a
represa do Rio Pequeno, que tem o comprimento de 300 metros. Sua estrutura é
constituída de vigas ‘Gerber’, com 27 metros de vão cada uma, apoiadas sobre tubulões de concreto
armado. Aqui vale uma citação do boletim:
‘A colocação dos tubulões sobre o
leito do Rio Pequeno representou um dos serviços mais árduos e perigosos de
toda a construção da Via Anchieta. Em número de trinta, pois 10 são os pilares,
possui cada um a espessura interna de 15 centímetros, e um diâmetro externo de
2 metros e 38 centímetros’.
E prossegue com mais
detalhes: ‘Construídos de concreto, em toras verticais, de madeira no seu
interior, e metálicas externamente, eram tombados, por meio de um guindaste
especial, sobre uma plataforma, à margem da represa’.
Já os túneis, outras obras
fundamentais para o deslocamento dos veículos, também mereceram uma atenção
especial. Eram cinco túneis na via, sendo três nas pistas ascendentes, e dois na
via descendente.
O destaque histórico dessas
obras fica por conta da assinatura dos contratos para a construção desses
dispositivos. No dia 8 de agosto de 1941 foi assinado o contrato, com prazo de
300 dias, para a sua execução. Entretanto, devido aos problemas da obra, o
primeiro deles só foi concluído em 1946, o segundo em 1947 e o último já na
administração de Adhemar de Barros.
A inauguração
De acordo com o relato oficial do DEI: 'A inauguração do trecho já concluído
da Via Anchieta deu-se a 22 de abril último, assinalando-a solenidades
condizentes com a importância do acontecimento.
Cerca das 10 horas, partiu do
Vale do Anhangabaú uma grande comitiva, encabeçada pelo Sr. Adhemar de Barros,
Governador do Estado; Sr. Jeronimo Coimbra Bueno, governador de Goiás,
secretários de estado e outras altas autoridades.
Inauguração da Via Anchieta em 1947 |
Meia hora após, a comitiva
chegava ao arco situado na entrada da estrada velha, o qual se achava
ornamentado e ostentava um retrato do governador de São Paulo, que iniciou e
terminou o maior empreendimento rodoviário nacional.
Cortada a fita inaugural pelo
chefe do executivo goiano, os dois governadores percorreram , a seguir, um
pequeno trecho da estrada, precedidos por um frade capuchinho, que ia
espargindo água benta sobre o leito da estrada'.
Claro que, esse relato acima,
representa só uma parte das solenidades feitas na inauguração da Anchieta.
Várias outras festividades foram feitas durante a descida da serra, como o
corte de outra fita inaugural (feita por um dos operários da Anchieta), o
aparecimento de outras autoridades e, por fim, para encerrar, uma grande festa
comemorativa no litoral.
Fonte: Abrahão Oliveira | SP in Foco
(JA, Ago19)