Afonso tinha
cerca de 65 aos de idade, quando aconteceu.
Ele se levantou no seu horário
habitual -em torno das 7h00 da manhã-, numa 2ª feira, igual a tantas outras.
Então, se
sentiu indisposto. Seu estomago estava dilatado, empanzinado; sentia-se fraco,
com um pouco de tontura. Começou a levar
o dia de acordo com a sua rotina habitual, mas não foi possível. Tentou ler o jornal diário em pé, diante do
suporte que utilizava para tanto, mas não conseguiu manter a posição por muito
tempo: sentia fraqueza, a vista embaçada, olhos lacrimejantes pelo esforço da
leitura. Durante o dia, descansou e comeu somente coisas leves – mesmo porque
não sentia forme, mas isso não impediu que tivesse diarreia e vômito, algumas
vezes durante o dia.
No dia
seguinte o desconforto persistiu e só foi se reduzindo nos dias subsequentes. Visitou
o médico que, após ter realizado alguns exames, recomendou que ele continuasse
a fazer o que vinha fazendo, e que deveria melhorar. E foi o que aconteceu, no
prazo de uma semana. Mas, tão fragilizado ficou, que sentia ter envelhecido uns
10 anos naquela semana. Isso o levou a concluir:
‘É! O tempo realmente é relativo, como afirmou aquele
cientista’.
Tudo o que
fizemos até hoje em nossas vidas, inacreditavelmente, pode perder o sentido,
desaparecer, rapidamente. Isso o fez pensar:
‘O
que é realmente importante para nós?’
É difícil
dizer, considerando a efemeridade das coisas, inclusive do nosso próprio ser.
Ah! Registrei
meus pensamentos no meu Blog! Sim?! E se, por um motivo ou por outro, você
perder tudo que armazenou na ‘Nuvem’?
Ah! Tenho
minhas memórias. Nossa quanta coisa... E ninguém há de me tirar. Bobagem!
Alguém talvez não, mas qualquer Alzheimer da vida pode fazer com que você não
reconheça nem seu filho...
Ah! Tenho
minhas amizades! Sim, mas nem sempre é possível encontrar seus amigos
presencialmente. Falar através das redes sociais é uma alternativa. Mas, até
que ponto? De repente essa possibilidade também pode deixar de existir. E,
então?
Ah! Mas
realizei muitas coisas. Deixei minha marca registrada! Pura ilusão. Suas marcas
também são reivindicadas -às vezes com razão-, por outras pessoas que, de um
jeito ou de outro, participaram do processo. Do ponto de vista delas, seu grau
de participação é bem menor do que você imagina. Nada é exclusivo, embora você
saiba o quanto se dedicou aos seus projetos, às suas causas.
Ah! Mas eu
tenho uma alma. Alma? Alma é energia gerada pela sua mente e, essa energia está
sempre sendo projetada e assimilada por outras energias relacionadas, mais
poderosas. Durante sua vida, sim você contribuiu para composição de uma energia
maior que irá influenciar as demais pessoas, até o universo. Mas, embora você
tenha participado, esse força não é exclusividade sua -você apenas contribuiu
para sua composição- e ela está, desde sempre, sendo compartilhada, exercendo a
sua influência.
Numa outra
oportunidade, Afonso ficou sem conexão com a internet. O inconveniente era
muito grande considerando que ele utilizava a internet diariamente para
trabalhar à distância, pagar as contas,... Ligou para o seu provedor Wi-Fi que,
após fazer os procedimentos de praxe para tentar reestabelecer a conexão, sem
sucesso, informou que haveria necessidade de uma visita técnica ao local. Horas mais tarde, tornou a ligar, agora para
confirmar o agendamento, e quando seria realizado o serviço. Foi informado que
estava agendado, mas que demandaria uma espera de três dias. Absurdo! Ele
estava sem internet! Não era possível! Tinha tanta coisa para fazer! Enfim, não
teve outra alternativa, senão se submeter e aguardar.
Mais uma vez
ficou demonstrada a fragilidade e insignificância do nosso protagonismo, face à dependência dos
fatos, das circunstâncias.
Como resultado
da nossa existência, o que vai restar de nós mesmos é uma pálida lembrança,
onde o positivo tem um nível muito semelhante ao negativo. Nossa passagem na
Terra ficará marcada como uma página de livro -que sempre existirá enquanto o
livro for livro-, mas que não é, nem mais nem menos, importante do que as
demais, cujo conjunto comporá uma história que, por sua vez, poderá ser rara,
original, interessante, ou comum e ordinária.
Afonso, levado
por esses pensamentos, concluiu que o mais sensato é passar ignorar a opinião
dos outros sobre eles mesmos, seus valores, e definir uma causa pessoal, e concentrar
sua força, energia, naquilo que considera fundamental. E, agindo assim, certamente
terá maior possibilidade de se sentir útil, evitar frustrações, e de ser mais feliz,
do que se tivesse agido diferentemente. A causa escolhida,
necessariamente, não precisa ser nobre, altruísta; mas tem que ser algo que lhe
dê satisfação, que lhe faça sentir bem, orgulho por estar tentando ou ter
conseguido realizá-la.
Passou a se comportar de acordo com esse critério. Pareceu que, a partir daí, que a vida começou a fazer sentido. Sentia-se realizado, seguro, autoconfiante.
Mais tarde, fez uma descoberta:
‘As pessoas respeitam mais aquelas que demonstram ter auto estima,
confiança, segurança, do que as que não’.
A explicação é
que, lá no fundo, no fundo, a maioria é insegura - não têm metas pessoais muito
bem definidas, e, em caso positivo, não têm certeza de que irão conseguir
realizá-las. Então, tentam viver se espelhando na vida daqueles que,
aparentemente, já conseguiram superar esse estado.
Essa consciência
acabou por levá-lo a concluir que o tempo, bem com o a nossa vida, podem ser
percebidos independentemente da sua realidade, influenciados que são pelas
nossas circunstâncias. Diante disso, colaborando com aquele cientista,
redefiniu:
‘Tanto o tempo, como a
vida de cada um, são relativos’.
“Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.” Oscar Wilde
Imagem: Gustave
Caillebotte, 1848-1894, ‘Man in a Smock’, 1884
(JA, Fev18)