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Outro Lado da Rua


Carlos, muitas vezes na sua vida já havia enfrentado desafios, sendo sempre bem sucedido. Profissionalmente, na vida privada, nos esportes. Nada representava um problema insolúvel. Sempre dava um jeito de se dar bem, com o menor esforço possível. 
Naturalmente, não era uma pessoa comum: era inteligente, bem preparado, articulado, e confiante. Tudo o que fazia era com dedicação e sempre visando atender a uma causa.  Na sua opinião, quando há uma causa em jogo, tudo fica mais fácil, inclusive a superação dos desafios que se apresentarem. E suas causas eram sempre boas, sociais, visando um resultado que sempre vinha ao encontro do anseio, expectativas  das pessoas envolvidas.
Ele sentia um prazer íntimo muito grande por sempre ter tido condições e oportunidade de fazer o que achava que deveria ser feito. Não guardava nenhuma lembrança de ter deixado de fazer alguma coisa importante.
Entretanto, a partir de determinado momento, as coisas do ponto de vista profissional, e a pessoal - em decorrência, passaram a não dar tão certo como sempre. Aquela luz que o iluminava, que o fazia encontrar caminhos que até desconhecia, parecia estar falhando. E ele foi perdendo a confiança em si próprio, e quanto mais perdia, mais as coisas davam errada. Parecia, como se diz, que o universo conspirava contra ele.  Então, foi se fechando em si mesmo, se afastando dos amigos e conhecidos. E os dias passaram a se repetir monotonamente, sem que nada positivo acontecesse. Estatisticamente, a tendência sinalizava  que essa situação iria piorar, cada vez mais.
Um dia foi assistir a uma palestra de uma amiga, e lá, ouviu uma fala que o marcou muito:
 “Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas, se você não fizer nada, não existirão resultados.” (Mahatma Gandhi)
Marcou porque reconheceu que, ultimamente, não estava fazendo nada, que estava acomodado, que estava aguardando algo acontecer. Estava parado, inerte, omisso, como que desligado, inoperante.
Lembrou então da imagem de uma pessoa desejando atravessar a rua, mas que ficava parada do lado oposto ao que desejava atingir. O semáforo mudava para o verde, vermelho, os carros paravam, as outras pessoas atravessavam, e ele continuava parado.. E ficou assim até que se conscientizou de que, se quisesse atingir o outro lado da rua, independentemente de seus receios, dúvidas se iria conseguir, se era o momento certo, ou não, cabia a  ele, somente à ele,  atravessá-la.
Concluiu que era preciso lidar com as suas eventuais fraquezas. Que em tempo de transparência, não é mais possível esconder as falhas
A partir daí, começou a refletir sobre os seus motivos. Por que estava travado como estava? O que aconteceu com aquele cara que ele sempre foi? Alegre, destemido, com iniciativa, capaz? Tinha medo de que?
Revendo, lembrou-se que nos momentos mais difíceis, procurou pessoas de suas relações, que estavam em condições de ajudá-lo,  pedindo uma força nessa hora. As pessoas estavam tão preocupadas ‘em atravessar a própria rua’ que, embora o tivessem recebido bem, não deram a devida importância ao assunto, não reconheceram a gravidade da situação, e não o ajudaram. Para ele era natural ajudar a quem estivesse necessitado, pois sempre fez isso, mesmo quando não solicitado,. Esperava que os outros agissem assim também com ele. Não foi o que aconteceu. Isso passou a ser recorrente e  o fez perder a fé nas pessoas, nas relações. Entretanto, lhe ocorreu que cada pessoa é diferente uma da outra. Não teria sentido imaginar que todos deveriam agir como ele. Portanto, não deveria levar isso tão a sério, e sim procurar superar esse excesso de sensibilidade. Certamente, as pessoas não fizeram isso por não gostarem dele, por maldade. Não, não foi nada pessoal. Agir assim é da natureza humana, é comum.
Bem, superada essa fraqueza, ainda não estava tudo resolvido. Precisava ir mais a fundo nos motivos de nada ter dado certo de lá para cá.  Concluiu que outra coisa que pode ter atrapalhado foi o fato de se julgar capaz de realizar qualquer coisa – talvez pelo seu histórico de sucesso.  Não, não era.  Pensando bem, ele não era bom em muitas coisa. Uma delas, por exemplo, era que não se empenhava em se colocar no lugar do outro para perceber, constatar as suas reais necessidades, e avaliar, seriamente, se teria condições de ajudá-lo, ou não. Nem sempre as pessoas contratam, ou pedem a alguém, para fazer o que elas precisam. Normalmente, elas confundem o ‘precisar’ com o’ querer’. 
então, é necessário muito discernimento para avaliar e decidir se a proposta é a prioritária e se é factível.  
Uma outra coisa que percebeu foi que, embora tivesse uma visão macro da gestão operacional de uma empresa, desconhecia as peculiaridades de cada negócio, o comportamento, as ambições, mágoas e eventuais disfunções das pessoas envolvidas, especialmente as da direção. Precisava ir com mais calma: não definir, não expor nada, sem ter fundamentado cada opinião e suas implicações.
Percebeu também que, como cada empresa tinha a sua história, cultura,  antes de pontificar, criticar, deveria ter humildade e tempo necessário para se dedicar a conhecê-las melhor, a se atualizar no que fosse necessário para a missão em vista, e decidir se poderia ajudar a potencializar a sua realização.
Lembrou-se também da sua dificuldade em se expor, se apresentar, colocar a situação... Ele que sempre estivera do outro lado, agora tinha pudor em assumir o novo papel.  Bobagem... Assim como ele, em outra época, não desconsiderava mais aqueles que o procuravam em caso de necessidade, por que os que agora estão em condições de ajudá-lo iriam fazer isso? Aliás, se fizessem, era porque não mereciam mesmo a sua amizade e seriam encarados como meros conhecidos, como a maioria era mesmo.
A partir daí passou a procurar e conseguiu agendar uma série de entrevistas, nas quais aplicou todo o resultado de suas reflexões. Principalmente:

  1. Empenhar-se em conhecer o empregador, o negócio, o que ele espera de você, ... (antes e durante a entrevista)
  2. Ao se sentir seguro, sem risco de cometer alguma gafe, colocar honestamente como você poderá ajudá-lo, e do seu interesse em participar do processo, como se já fizesse parte da equipe. 

Carlos agora está novamente no mercado. Não é  um cargo tão importante como os que já tivera oportunidade de ocupar no passado, mas está satisfeito. Gosta do ambiente de trabalho, das propostas da empresa, e se dá muito bem com seus novos colegas e clientes.  
Cresceu com a dificuldade, a partir do momento que assumiu que cada pessoa tem o seu DNA próprio, com trajetórias e estruturas diferentes,  e que, na busca da superação, do sucesso, da realização, o mais importante é reconhecer suas qualidades e defeitos, e fazer prevalecer o melhor de si mesmo. E, além disso, que
"Ninguém pode construir em seu lugar, as pontes que você precisa passar para atravessar o rio da vida. Ninguém, exceto você, só você." (Nietsche)


 (JA, Dez14)


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