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Frau Liselotte

Trabalhava há pouco tempo em uma multinacional de origem alemã e, para crescer na organização, precisava aperfeiçoar meu alemão.  Pela indicação de amigos comuns, entrei em contato com uma senhora nascida na Alemanha, de origem judia, muito culta, conhecida como Frau Liselotte.
Conversamos, e ela se dispôs a vir dar as aulas que eu necessitava, na minha casa.  Eu a conhecia de vista. Ela era uma  figura singular: solteira, morena, alta, com cerca de 55 anos, nem feia nem bonita, magérrima, usava sempre os mesmos saia-casaquinho e penteado - estilo anos 50. Tinha o nariz adunco, e as pernas mais finas que já tive oportunidade de ver (de imaginar).
 Além das pernas serem finas, chamavam atenção também porque eram envolvidas com uma faixa de pano, de cima abaixo; essa faixa tinha cerca de uns dez centímetros de largura, e aparentava o que devia ser:  uma bandagem. Ninguém nunca se atreveu a perguntar porque ela a usava, nem eu.
Entretanto, o que era mais marcante na sua figura era como falava –  tinha um forte sotaque alemão, uma voz fina e autoritária, e suas palavras vinham acompanhadas de gotículas de saliva -  talvez pelo fato de ter a ‘língua-presa’. Suas perguntas pareciam afirmações - induziam a respostas que ela já conhecia, e as afirmações vinham em tom de comando - indiscutíveis.  
Tive poucas aulas com ela, e essas aulas, obviamente, não contribuíram quase nada para evolução do meu alemão. Depois, nunca mais a vi, e nem ouvi falar. Hoje, decorridas algumas décadas, fui levado a me lembrar dela. Lembrei-me porque, finalmente, depois de tanto tempo, consegui formular a resposta adequada para um de seus questionamentos.
 Desde muito jovem, estimulado pelo meu pai, adquiri o hábito da leitura que carrego até hoje.  Ao vir pela primeira vez na minha casa, Frau Liselotte se deparou com uma estante de livros que tomava praticamente toda a lateral da sala. Havia muitos livros ali. Então, ela olhou aquilo com seu olhar crítico e altivo – de quem sabe das coisas, de quem não tem dúvida nenhuma -, pegou e folheou alguns deles, e me fez a pergunta que parecia fundamental:
-   Você já leu todos esses livros?
A forma que perguntou, embora ela não tenha expressado, deixou evidente o que pensava:
-   Não acredito que você tenha lido todos esses livros!
Em seguida, abriu um dos livros, leu o título e me perguntou do que tratava, minha opinião sobre o tema, autor, etc.. Respeitosamente - ainda hoje me recrimino por isso - respondi, e continuei respondendo a tudo o que ela perguntava – sim, porque ela foi a fundo no livro. Depois, pegou outro, outro, até provar a sua pergunta afirmação...
Há pouco, lendo o livro de Nassim Nicholas Taleb, ‘O Cisne Negro’, experimentei um episódio de ‘L’espirit de l’escalier’ (*).  Fiquei sabendo que o escritor Umberto Eco é dono de uma vasta biblioteca pessoal – com cerca de 30 mil títulos -, e que divide os visitantes em duas categorias, de acordo com a reação que têm quando conhecem a sua biblioteca. A primeira é composta por aqueles que têm a seguinte fala:
 '- Uau! Signore professore dottore Eco, que biblioteca o senhor tem? Quantos desses livros o senhor leu?'
E a segunda, uma categoria muito pequena, por aqueles que entendem que uma biblioteca particular não é um apêndice para se elevar o próprio ego, mas que é, principalmente, uma ferramenta de pesquisa.
 Umberto Eco defende que os ‘livros lidos’ são muito menos valiosos do que os ‘não lidos’. A explicação é que, conforme você for envelhecendo, irá acumulando mais conhecimento e mais livros. Num determinado momento, o número crescente de livros não lidos nas prateleiras passarão a olhar para você ameaçadoramente. Porém, não irão amedrontá-lo. Nessa altura da vida, provavelmente você já estará consciente de que, quanto mais souber, maior será a pilha de livros não lidos.
Essa era a resposta que deveria ter dado para aquela jabiraca. Entretanto, naquela época, eu ainda não havia acumulado conhecimento suficiente, e nem tinha tantos livros não lidos...

(*) ‘L’espirit de l’escalier’ – literalmente: ‘O espírito da escada’. A expressão original foi   cunhada  por  Diderot e consta no seu livro ‘Paradoxe sur le comédien’. Aplica-se asituações em que  alguém, envolvido em uma discussão, de imediato não encontra respostaapropriada para algum comentário ou argumento do interlocutor. E, ao ir embora, ou, ao ‘estardescendo a escada’, a  resposta perfeita, a que decidiria a discussão, vem à sua mente. Mas,então,  já é tarde demais


(JA, Fev14)

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