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Brasil, Final da 2ª Guerra Mundial

 

De 1944 a 1945, em pleno final da 2ª Guerra Mundial, muitos alimentos ficaram faltando nos armazéns paulistanos. Havia falta de trigo, açúcar refinado etc. Houve então um racionamento de vários produtos, os quais antes se compravam normalmente nas famosas vendas e mercadinhos, mas que, nesse período, só eram vendidos para possuidores de ticket ou no câmbio negro.

Na época eu era uma criança ainda, com sete aninhos, e ia sempre com minha mãe tentar comprar as coisas necessárias para a nossa alimentação. Foi nessa época tão difícil que eu perdi meu pai; lembro-me bem disso, era junho de 1945.

Para se comprar pão, além de dinheiro ou ter crédito para poder mandar marcar na caderneta o valor da compra, ainda era obrigatório possuir um ticket especial que limitava a quantidade a ser comprada. Não me lembro como era adquirido esse ticket, só sei que ele era necessário para se comprar pão, farinha de trigo e carne. Caso acabasse o nosso ticket antes do final do mês, ficávamos impedidos de comprar esses produtos nos mercados, empórios e padarias.

Havia um afrodescendente, nosso vizinho, muito simpático, (nunca mais eu soube dele, como também nunca soube seu verdadeiro nome); toda vizinhança o conhecia como Gaúcho, e era famoso por ter o dom de botar apelido em todo mundo. Esse bom homem trabalhava em uma grande empresa de distribuição de carne chamada Tendal da Lapa, situada na Rua Guaicurus, e, com isso, conseguia trazer carne para vender no câmbio negro, naturalmente um pouco mais cara que o preço dos açougues, mas com a vantagem de não haver exigência do citado ticket.

Gaúcho gente boa, conhecendo as dificuldades que minha mãe, uma viúva recente, que tinha três filhos para criar, fazia mais barato e, às vezes, até mesmo não cobrava a carne que trazia.

E assim, essa fase tão difícil de ser vivida era minimizada pela fraternidade, amor e amizade entre os vizinhos.

Vivíamos na ‘fartura’: fartava trigo, fartava pão, fartava carne, fartava leite, fartava luz, fartava combustível.

Havia o chamado blecaute, em que, em determinado horário noturno, as luzes de toda a cidade de São Paulo se apagavam, e então ficávamos à luz de vela ou lampião, por algum tempo. Até hoje eu não sei para que servia isso. Diziam alguns que era treinamento para a população apreender a obedecer às regras Militares para o caso de um ataque aéreo. 

Certo dia um, cara que era taxista apareceu com o seu velho (na época novo) Chevrolet 38, com dois enormes fornos cilíndricos na traseira, onde era colocado carvão redondo, feito bolas de Ping Pong, e que, depois de acesos, criavam um gás que movimentava o motor do carro - chamava-se gasogênio. Objetivo era poupar o consumo de gasolina.

Nessa época surgiram muitas piadas proibidas para nós crianças, contadas bem baixinho pelos adultos, mas que a gente ouvia e contava meio escondido, no dia seguinte para os amiguinhos no recreio da escola. Lembro-me de uma famosa que era uma pergunta:

“- Sabe o que a gasolina falou para o gasogênio? - Nossa! Como você corre. - Sabe o que o gasogênio respondeu? - Também, pudera, com uma brasa no rabo, quem é que não corre!”            

Creio que rodando pela Freguesia do Ó, vi pelo menos uns dois ou três carros com esse tubo de gasogênio instalado. Inclusive me recordo, que um deles era um enorme e belíssimo Buick preto.

Não havia ainda televisão no Brasil; o rádio era o grande companheiro de todo mundo. Nessa época não havia o Rádio portátil, assim ouvir Rádio era só dentro de casa, ou dentro de um carro que possuísse o aparelho instalado, o que também era uma raridade.

Na minha casa, depois das 18h00, ouvíamos o grande Nhô Totico e sua ‘Escolinha da Dona Olinda’; depois a ‘Hora do Brasil’ em cadeia Nacional; e então a Famosa Novela Sertaneja. Essa novela era escrita pelo Fernando Balerone, e contava com a interpretação da sua mulher, sua Excelência Laura Cardoso - até hoje na ativa, aos 90, na novela ‘O Outro Lado...’- e do Cantor Sólon Sales, e mais um grande elenco. 

 

Depois disso as famílias iam para as frentes das casas, na rua, ou no Largo da Matriz, sentavam-se e batiam o maior papo. Falava-se sobre quase tudo - a vida, a situação do povo, histórias antigas, medos de cada um, piadas (sempre de salão) enquanto a criançada brincava. Alguns, cansados, vinham ouvir histórias e contos sobre vampiros, sacis, fantasmas. Geralmente a garotada ia dormir cheia de medos.

Acho que foi essa convivência que fez com que eu, até hoje, me lembre dos nomes e sobrenomes de todos os moradores da minha rua daqueles anos.  

Faltava muita coisa naqueles tempos. Mas sobrava fraternidade, amizade, afeto e, principalmente, honestidade e lealdade entre as pessoas. 

“Saudade é a coisa mais gostosa que existe.”

 


Fonte: Arthur Miranda

 

(JA, Abr21)

 


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