Censo mostra que maioria vive no Sudeste, é classe A e tem origens libanesas
A maioria dos árabes ou descendentes de árabes que residem no Brasil são como Pierre Sarruf: neto de imigrante (41%), homem (60%), que vive na região Sudeste (39%) e trabalha com comércio (45%).
Os dados são de um censo realizado
pela H2R Pesquisas Avançadas, com a Câmara de
Comércio Árabe Brasileira e o Ibope, que projeta que cerca de 12 milhões de pessoas que vivem no Brasil são árabes ou tem
ascendência árabe, o que representa cerca de 6% da
população brasileira.
A pesquisa teve uma amostragem de 3602 pessoas e foi realizada em outubro de 2019 e, por isso, não leva em conta eventuais impactos da
pandemia.
Onde estão
Sarruf é empresário da centenária
loja Rei do Armarinho, na rua 25 de Março,
região de comércio popular no centro de São Paulo, e diverge em poucos quesitos
da maioria dos descendentes de árabes no país.
A maioria da população árabe é de
origem libanesa (27%), mas seu avô era sírio (13%). Além disso, a maior parte tem 55 anos ou mais (20%),
enquanto ele tem 43.
Idade
Nacionalidade
Entre as memórias que Sarruf conserva de sua família, estão os almoços realizados pelas suas tias-avós. ‘Elas faziam comidas típicas, mas não passavam a receita, tinha uma certa vaidade’, ri ao lembrar.
Preparar um prato típico árabe,
aliás, é o mais comum entre os descendentes —cerca de 73% afirmam incluir a prática no cotidiano.
Tradições
Os imigrantes, segundo a pesquisa, são cerca de 10% dos que residem por aqui, e vieram em diferentes levas, impulsionadas por perseguições religiosas ou crises socioeconômicas e geopolíticas.
A primeira onda começou na segunda metade do século 19 e se intensificou entre 1870 e 1930. Em 1931 foi quando os pais de Norma Zugaib Abdalla, 78, chegaram no Brasil —ele veio da Síria, ela, do Líbano. Os dois se conheceram em território brasileiro.
‘Meu pai veio fugido porque era
cristão muito religioso, e era perseguido. Já minha mãe chegou aqui com o
rostinho de jovem, estudava, e era culta; veio visitar a irmã e nunca retornou’,
rememora Abdalla.
Sexo
Descendência
Além disso, o fluxo de imigrantes teve altos e baixos entre guerras mundiais e se intensificou após a Segunda Guerra Mundial.
Em 1960, uma década antes de Mohamed Habib, 78, deixar o Egito, começaram as guerras de libertação do território árabe e, com isso, vieram as crises. Foi quando governos militares passaram a conquistar poder com o apoio dos Estados Unidos.
Habib chegou em 1972 a Campinas, e hoje é professor do Instituto de
Biologia e livre-docente da Unicamp, além de presidente do Instituto da Cultura
Árabe de São Paulo. ‘Eu e meus colegas não concordávamos com os regimes
antidemocráticos’, resume ele.
O professor relata que, desde que
deixou o país, a qualidade de vida só vem piorando por lá. ‘Acha que eu teria
condições ou vontade de voltar para lá, mesmo com as saudades e carinho?
Ninguém voltaria’, diz ele.
Assim como o professor, 64% dos entrevistados afirmaram nunca terem escutado de seus
familiares sobre regressar ao país de origem. Como professor universitário,
Habib ouvia falar do Brasil como um país de ‘povo gentil e camarada’.
Retorno
Porém, apesar do povo receptivo, a vida dos estrangeiros no Brasil não necessariamente foi fácil: cerca de 48% relataram ter sofrido algum tipo de discriminação.
Para Habib, os preconceitos com os
árabes coincidem com os anos 1960, período
marcado pelas guerras do Oriente Médio. ‘A propaganda em todo o Ocidente foi
totalmente antiética e discriminatória’, diz ele, que cita que a situação
piorou após o 11 de Setembro.
Ele recorda o episódio em que,
esperando para embarcar em um voo nacional, foi separado da fila ao verem seu
nome na identidade. ‘Mohamed, não. Você fica aqui deste lado’, ouviu. ‘Ele me
segurou por causa do meu nome’, relembra Habib, que, mesmo assim, não
caracteriza os brasileiros como preconceituosos.
O professor explica outros dois dados
apontados pela pesquisa. Para ele, a maioria da população árabe trabalha com
comércio pois é a atividade que menos necessita da língua. ‘Precisa de sorriso,
simpatia’.
Para ele, o fato de que 10% das lideranças empresariais no Brasil sejam árabes ou
descendentes, está diretamente ligada ao valor que seu povo dá à educação, além
de ser um povo que se integra facilmente.
Orgulho de ser árabe ou
descendente
Habib considera que, dos movimentos migratórios entre árabes, o mais triste é o pós-Primavera Árabe, a qual ‘se tornou um inverno, em que o mundo árabe está totalmente destruído’. ‘Vemos o drama de jovens com graduação que não conseguem empregos, e se desesperam, entram com visto de turistas e começam a construir a vida do jeito que dá’.
Classe
Ghazal Baranbo, 37 (imagem em destaque), é um dos casos de quem deixou o país fugindo
da guerra na Síria. Ela chegou ao Brasil em dezembro de 2013. Além da situação difícil devido à guerra, motivada
pela sucessão de protestos contra o regime de Bashar al-Assad, seu marido foi
preso por quase quatro meses por ter o mesmo nome de um opositor do ditador.
'Não falava português, fiz sete meses
de aula, mas parei porque precisava trabalhar’, diz ela que tem três filhos. A
mais nova é brasileira. ‘Lá, eu não trabalhava, tinha vida boa, era dona de
casa, tinha apartamento, carro, e meu marido era engenheiro mecânico’.
Aqui, a realidade foi outra, e seu
marido, Talal Al Tinawi, hoje trabalha com comércio, ao seu lado, vendendo sob
encomenda os pratos típicos que preparam no Talal Culinária Síria.
Baranbo diz que foi bem recebida
quando chegou no Brasil, e que recebeu muita ajuda. A adaptação, porém, não foi
fácil e, no início, pensava em retornar à Síria. Agora não mais. ‘A vida lá
está muito difícil, um quilo de carne chega a custar R$ 125’, cita ela que costuma visitar sua terra natal, onde
ainda moram seus pais e irmãos.
Entre as diferenças, ela diz que na
Síria ‘a vida é muito mais caseira’ do que por aqui, onde filhos são convidados
para festinhas e idas ao shopping. Ela ri ao admitir que, com a quarentena, foi
mais fácil mantê-los sob controle estudando dentro de casa.
Fonte: Isabella Menon | FSP
(JA, Ago20)