Volta e meia, a turma do
complexo de vira-lata atribui a De Gaulle a frase: ‘O Brasil não é um país
sério’. O general jamais falou isso ˗ as palavras são do diplomata Alves de
Souza; e, pelo contexto, ele aparentemente queria dizer que o brasileiro não é
circunspecto, leva muitas coisas na brincadeira.
Passando do general francês
ao capitão brasileiro, confesso que me surpreendi quando Bolsonaro, em discurso
logo após sua eleição, proclamou que o Brasil não mais serviria de chacota para
o mundo. Não sei o que o levou a afirmar isso.
Em minhas leituras da
imprensa estrangeira, nunca vira chacota alguma. Críticas, sim, como em certa
matéria de capa da revista ‘The Economist’ sobre a gestão econômica do governo
Dilma. Outras vezes, comentários muito favoráveis. Em ambos os casos, sempre
com objetividade e tom respeitoso.
Na experiência pessoal,
quando viajei ao estrangeiro, o tratamento habitual que recebi sempre foi
simpático, frequentemente acompanhado de referências a belezas naturais do
Brasil, futebol etc. Às vezes, com alguma trapalhada de informações, como a do indiano exclamando: ‘Ah,
Brazil! Football... Maradona!’; ou a do taxista peruano que acelerava o carro
repetindo: ‘Brasil, tierra de Schumacher!’...
Ao contrário do que imaginava
Bolsonaro, a imagem externa do país não melhorou no seu governo, mas tem
descido de patamar. Não se trata da tal ‘chacota’, e sim de pena, por vezes
associada a certo alarme. Pelo mundo afora, não são poucos os que lamentam que
um país como o Brasil tenha hoje à frente um governo de extrema-direita, com
desapreço dos padrões democráticos, descuido do meio ambiente, descaso pela
pesquisa científica, ausência de cultivo das boas relações internacionais... A
lista seria longa, acrescida agora pelo comportamento inadequado perante o
Covid-19 ˗ negacionismo, omissão, desrespeito a medidas de proteção, sabotagem
às próprias orientações do Ministério da Saúde etc. Não é de admirar que o
país, com dezenas de milhares de mortos. se encontre hoje no epicentro mundial
da pandemia, quando países de menos recursos se saem melhor.
Dias atrás, confrontado com
matéria crítica do ‘Financial Times’, Bolsonaro alegou que a mídia
internacional seria de esquerda. Não penso que a qualificação se aplique àquele
jornal inglês, de longa tradição conservadora, nem ao ‘Washington Post’, ‘The
Economist’, ‘New York Times’ ou qualquer dos órgãos que servem de referência
para a opinião pública no mundo ˗ e neles, de leste a oeste, a crítica tem sido
unânime. Mas no linguajar de Bolsonaro e seu séquito, ‘de esquerda’ é qualquer
um que não reze pela cartilha deles. Bem diz o Talmude: ‘Nós não vemos as
coisas como elas são, e sim como nós somos’.
Antes de reclamar, o governo
brasileiro deveria cuidar da lição de casa. Do contrário, arrisca-se a
enveredar pelo caminho do isolamento internacional e se tornar uma espécie de ‘país
pária’. Foi o que aconteceu com a África do Sul nos tempos do ‘apartheid’: no
final, ninguém mais queria saber dela, enquanto o regime de Pretória ficava
repetindo que tudo não passava de conspiração do comunismo internacional ˗ a
ladainha que também conhecemos. Espero
que não cheguemos a esse ponto.
Fonte: Bôa Nova | AMDG
(JA, Jun20)