Artista palestino finaliza um mural com a frase: 'Combatendo a epidemia, nós protegemos o ser humano e preservamos a Terra', em Rafah, no sul da Faixa de Gaza |
Não é a Idade Média. Não é a peste negra. Não é como se as pessoas estivessem morrendo e não tivéssemos ideia do que as está matando, e o que pode ser feito sobre isso', diz Harari.
Que tipo de sociedade surgirá
desta pandemia? Os países estarão mais unidos ou mais isolados? Que ferramentas
de vigilância serão usadas para proteger ou oprimir os cidadãos?
As escolhas que estamos
fazendo para combater a covid-19 moldarão nosso mundo nos próximos anos, afirma o
historiador israelense Yuval Noah Harari, autor de ‘Sapiens: Uma Breve História
da Humanidade’.
Em uma entrevista ao programa
Newshour da BBC, o escritor trouxe reflexões sobre os desafios diante
de nós.
‘A crise nos obriga a tomar
decisões muito importantes e tomá-las rapidamente. Mas temos opções’.
Questão
política
‘Talvez as duas opções mais importantes sejam:
se enfrentamos esta crise por meio do isolamento nacionalista, ou se
enfrentamos através da cooperação e solidariedade internacionais’, afirmou. ‘Em
segundo lugar, dentro de um país, as opções são tentarmos superar a crise por
meio de controle e vigilância totalitário e centralizado, ou por meio da
solidariedade social e do empoderamento dos cidadãos’, acrescentou.
Fonte: Universidade John
Hopkins (Baltimore, EUA), autoridades locais
Última atualização em 16 de
abril de 2020, 06:00 GMT
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A pandemia de coronavírus
levantou questões tanto científicas quanto políticas, ressaltou Harari.
No entanto, ele afirma que,
embora tenhamos abordado alguns dos desafios científicos, pensamos menos sobre
como reagimos aos desafios políticos.
‘A humanidade tem tudo o que
precisa para conter e superar essa epidemia’, afirmou. ‘Não é a Idade Média.
Não é a peste negra. Não é como se as pessoas estivessem morrendo e não
tivéssemos ideia do que as está matando e o que pode ser feito sobre isso’.
Cientistas chineses já
identificaram e sequenciaram o vírus Sars-CoV-2 no centro do surto. Muitas
outras nações têm conduzido investigações semelhantes.
Embora não haja cura para a
covid-19, os pesquisadores fizeram progressos na busca de uma vacina usando a
mais recente tecnologia médica e inovação.
E sabemos que algumas ações,
como lavagem das mãos e distanciamento social, podem ajudar a nos proteger do
vírus e evitar que ele se espalhe.
‘Entendemos completamente o
que estamos enfrentando e temos a tecnologia, temos o poder econômico para
superar isso’, disse Harari. ‘A pergunta é: como usamos esses poderes? E essa é
principalmente uma questão política’.
Tecnologia
perigosa
No contexto de uma
emergência, os processos históricos avançam rapidamente, e as decisões, que
normalmente levariam anos de deliberação, são tomadas da noite para o dia,
argumentou Harari em um artigo publicado no jornal Financial Times em 20 de março.
As tecnologias de vigilância,
que estão sendo produzidas a uma velocidade vertiginosa, podem ser colocadas em
prática sem desenvolvimento adequado, ou debate público, ressalta o escritor.
Nas mãos erradas, diz Harari,
essas tecnologias podem ser usadas pelos governos para ‘instituir regimes de
vigilância total que coletam dados de todos e depois tomam decisões de maneira
opaca’.
Em Israel, por exemplo, o
governo aumentou o poder dos serviços secretos - e não apenas o das autoridades
de saúde - para acessar dados, como a localização de pessoas que foram
infectadas.
Isso também foi testado na
Coreia do Sul, mas Harari acredita que no país asiático houve maior
transparência.
Na China, que possui uma das
operações de vigilância mais sofisticadas do mundo, foi usado reconhecimento
facial para multar cidadãos que quebraram a quarentena.
Isso pode se justificar no
curto prazo, disse Harari, mas ele aponta que há riscos se essas medidas se
tornarem permanentes.
China usou o reconhecimento facial para conter o surto e multar os cidadãos que quebraram a quarentena |
‘Em tempos normais, você pode
governar um país com o apoio de apenas 51% da população. Mas, em um momento como esse, o
governo precisa representar e cuidar efetivamente de todos’, disse ele.
Falta de
união versus cooperação
Segundo Harari, nos últimos
anos, governos, eleitos ou formados sob égides nacionalistas e populistas,
dividiram sociedades em dois campos hostis, e aumentaram o ódio por
estrangeiros e nações estrangeiras.
Mas a crise global de saúde
mostrou que as pandemias não discriminam grupos sociais ou países.
Devemos escolher entre seguir
o caminho da divisão ou o da cooperação diante das adversidades, destacou o
historiador.
Vários países focaram em uma
abordagem mais individualista na administração da crise, convocando empresas
privadas a contribuírem no combate à covid-19 com infraestrutura e suprimentos médicos.
Os Estados Unidos foram
particularmente criticados por supostamente minarem tentativas de outros países
a obter máscaras, produtos químicos e respiradores.
Teme-se que as vacinas
produzidas em laboratórios nos países ricos não cheguem aos países em
desenvolvimento e aos mais pobres em quantidades suficientes.
E, no entanto, dadas as
possibilidades de cooperação hoje, lições aprendidas por um grupo de cientistas
chineses pela manhã, podem, à noite, salvar uma vida em Teerã, no Irã, disse
Harari.
É muito mais racional
fortalecer a cooperação global, promovendo o intercâmbio de conhecimentos e a
distribuição justa de recursos humanos e materiais, entre todos os países
afetados pela doença.
‘Na verdade, teríamos que
olhar para a Idade da Pedra para encontrar a última vez que as pessoas puderam
se defender completamente contra epidemias por meio do isolamento’, disse ele.
‘Mesmo na Idade Média, as
epidemias se espalharam, como foi o caso da peste negra no século 14’.
Isso pode
mudar nossa natureza social?
Quaisquer que sejam os
resultados de nossas escolhas, o renomado historiador acredita que
continuaremos sendo ‘animais sociais’.
O vírus ‘está explorando a
melhor parte da natureza humana’, ou seja, nosso instinto de sentir compaixão,
e estar próximo daqueles que adoecem, ele disse.
‘O vírus tira vantagem disso
para nos infectar. E agora, é preciso manter esse isolamento social, e ser
inteligente e agir com a cabeça, e não apenas com o coração’, ele insiste.
‘Mas é muito difícil para
nós, como animais sociais. Acredito que quando a crise acabar, as pessoas
sentirão ainda mais a necessidade de estabelecer vínculos sociais. Não creio
que possa haver uma mudança fundamental na natureza humana’.
Fonte: Yuval Noah Harari, historiador
israelense, autor de ‘Sapiens: Uma Breve História da Humanidade’ | programa
Newshour, BBC
(JA, Abr20)