A proclamação de 15 de
novembro de 1889 foi liderada por militares e derrubou, por meio de um golpe
sem participação popular, a monarquia sob o comando de Dom Pedro 2º. Relembrando
os precedentes, e o que veio depois desse momento-chave.
Representação da Proclamação
da República, pintada por Benedito Calixto, 1893
O dia 15 de novembro marca o
aniversário da Proclamação da República. O evento de 1889 selou o fim de 300
anos de monarquia no Brasil. Foi precedido pela abolição da escravidão, e abriu
caminho para o rearranjo de forças políticas e mudanças importantes no país.
As Forças Armadas tiveram
papel central na instalação da nova forma de governo, pontuando, já ali, a
forte presença militar nas disputas de poder ao longo da história nacional.
Abaixo, seguemos principais fatos e conceitos em torno da República Federativa
do Brasil.
Modelo de
República do Brasil
Com a mudança de regime, o
Brasil deixou de ser monarquia para adotar um modelo de república federativa presidencialista.
República é a forma de
governo de um país, com poderes constituídos a partir da decisão de cidadãos ou
representantes. Historicamente, trata-se de um contraponto à monarquia, em que
o poder é hereditário.
Federativa porque é um país
formado por unidades autônomas, com poder relativamente descentralizado em
estados e municípios. É diferente dos países unitários, em que o governo
central é quem manda em quase tudo.
Presidencialista porque as
chefias de governo e de Estado estão concentrados em um só cargo. É diferente
do parlamentarismo, em que o Congresso tem poderes mais amplos de
administração, via primeiro-ministro.
Esse modelo permanece no
Brasil até hoje, à exceção de um breve momento, entre 1961 e 1963, quando se
instalou um sistema parlamentaristas, após a renúncia do então presidente Jânio
Quadros.
A Constituição, atualmente,
estabelece um mandato de quatro anos para o presidente, prorrogáveis por mais
quatro, via reeleição. O mandatário define políticas públicas, nomeia quadros,
e define prioridades orçamentárias.
O Congresso Nacional, eleito
também de quatro em quatro anos, aprova ou desaprova as medidas do presidente,
fiscaliza seus atos e também tem poder propositivo.
Congresso Nacional, durante a
votação da Reforma da Previdência, em novembro de 2019
O sistema político brasileiro
é caracterizado por multipartidarismo e alta fragmentação das forças políticas
nas duas casas do Congresso: Câmara dos Deputados e Senado. Essa fragmentação
obriga o presidente a formar coalizões bastante heterogêneas.
Além do Executivo, comandado
pelo presidente, e do Legislativo, nas mãos dos parlamentares, a República tem
um terceiro poder: o Judiciário, que busca garantir os direitos coletivos e
individuais com o cumprimento das leis do país.
Conceito de
República
A ideia de República passou
por diversos momentos e modelos ao longo da história. Alguns estudiosos fazem
ressalvas quanto a um possível caráter evolutivo do conceito. É possível,
porém, dividir de forma resumida esse conceito em três fases centrais.
Antiguidade
O conceito tem seus
primórdios na Roma Antiga, com a chamada República Romana, a partir de 509 a.C.
A palavra ‘república’ significa ‘coisa pública’, e surge para atender a
interesses dos cidadãos da época. Escravos e estrangeiros não eram considerados
cidadãos; e as mulheres tinham direitos limitados.
O modelo fomentado pela
aristocracia local, em substituição à monarquia, tinha em sua base os chamados Cônsules,
magistrados eleitos, e o Senado, formado por grandes proprietários de terra e
aristocratas. Evoluiu com a criação do ‘tribuno da plebe’, colegiado formado
por plebeus com poderes de intervir na lei.
Idade Média
A Idade Média, período entre
o final do século 5 e o final do século 15, foi marcada pelo nascimento de
várias repúblicas.
Por volta do final do século 12,
diversos centros comerciais passaram a se transformar em repúblicas, na região
que hoje compõe o Norte da França e da Bélgica, como Bruges. Alguns exemplos
são Veneza, Florença, Siena, que hoje integram a Itália; e Arras e Douais, que
integram a França.
No geral, essas repúblicas
eram governadas por Patrícios, uma classe formada pela elite da burguesia
ascendente. As mesmas famílias dominaram essas repúblicas no decorrer de
séculos.
Idade
Moderna
O conceito de república como
conhecemos hoje é inspirado nos governos pós Independência dos Estados Unidos (1776),
e pós Revolução Francesa (1778-1789).
A constituição americana foi
promulgada em 1788 e se baseia em princípios do Iluminismo, movimento
intelectual que celebrava a razão e aspirava a conhecimento, liberdade e
felicidade.
Ela estabeleceu um governo
nacional forte, mas com independência federativa e separação de poderes entre
Executivo, Legislativo e Judiciário, com garantia de liberdades individuais.
Três constituições foram
promulgadas na França pouco após a Revolução. A terceira, de 1795, também é
iluminista. Ela estabeleceu que a República deveria ser igualitária e democrática.
Napoleão Bonaparte se
encontra em 1799 com o Conselho dos 500, instituído pela constituição do 3º ano
da revolução
Proclamação
da República no Brasil
O período colonial brasileiro
foi marcado por uma série de movimentos republicanos. Entre eles, a
Inconfidência Mineira (1789), a Revolta dos Alfaiates na Bahia (1799), e a
Revolução Pernambucana (1817).
Para o historiador Marcos
Napolitano, da Universidade de São Paulo, um marco do processo político que
culminou com a Proclamação da República foi o Manifesto Republicano, assinado
em 1870 por dissidentes do Partido Liberal, ligado a proprietários rurais. Na
mesma ocasião foi fundado o Clube Republicano.
Poucos anos depois, em 1873,
foi fundado o Partido Republicano Paulista. São Paulo vivia uma forte expansão
econômica com o ciclo do café, e políticos do estado se sentiam
sub-representados, considerando a população do estado e sua relevância
econômica. Os republicanos paulistas defendiam o modelo federativo, com mais
autonomia às províncias, algo que viam como incompatível com o Império, sob o comando
de Dom Pedro 2º.
Influência
do positivismo
Em um contexto de expansão
urbana e do ensino, o republicanismo ganhava força nas cidades especialmente
entre profissionais liberais e jornalistas.
Era uma época de ascensão do
pensamento cientificista, com destaque para a linha positivista. Essa escola
filosófica foi estruturada na década de 1830 pelo francês Augusto Comte (1798-1857),
inspirada na Revolução Francesa. Ela buscava desenvolver uma visão geral de
todas as ciências.
Desenvolvido no campo das
ciências naturais, o conceito de evolução natural era aplicado a fenômenos
sociais e históricos. A exemplo do que ocorrera nos Estados Unidos e na França,
a ‘evolução’ brasileira, para o republicanismo, seria um próximo passo
necessário e inevitável.
O lema positivista proposto
por Augusto Comte era ‘o Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por
fim’. Com a exclusão da referência ao amor, o lema foi incorporado à bandeira
republicana, oficializada em 19 de novembro de 1989, que traz uma faixa com a
frase ‘ordem e progresso’.
A questão da
escravidão
Uma das bandeiras do
movimento republicano era a abolição da escravidão, algo que já tinha ocorrido
na maior parte do mundo. A Lei Áurea foi assinada ainda na monarquia, em 1888,
pela Princesa Isabel, um ano antes da Proclamação da República.
Mercado de Escravos, 1835
Vencida a disputa pela
abolição, parte do movimento republicano passou a se concentrar na pauta da
mudança da forma de governo. Ao mesmo tempo, a abolição minou o apoio à
monarquia por parte dos fazendeiros escravagistas, especialmente cafeicultores
da região do Vale do Paraíba.
Ainda assim, às vésperas da
Proclamação da República, o Partido Republicano e até o movimento republicano
como um todo não pareciam ser ameaças reais, como mostrou o baixo desempenho de
seus candidatos nas eleições parlamentares de agosto de 1889.
A
importância dos militares
A Proclamação da República só
foi possível em razão da participação das Forças Armadas. A vitória na Guerra
do Paraguai (1866-1870), ao lado de países aliados, deu visibilidade aos
militares. Eles passaram a reivindicar mais reconhecimento, mas as demandas
eram pouco atendidas por Dom Pedro 2º. O Exército vinha perdendo prestígio
junto à monarquia desde a abdicação de Dom Pedro 1º, em 1831.
Escola Militar de Praia
Vermelha, 1885
O engajamento militar na
causa republicana se deu, portanto, a partir do argumento de que era preciso ‘salvar
a honra’ do Exército. Mas também havia grupos nas Forças Armadas francamente
adeptos do modelo de República, com destaque para os jovens da Escola Militar
de Praia Vermelha, no Rio, única escola de engenharia do Império.
Pontos de
tensão
Questão
Militar
Rusgas entre o governo
monárquico e as Forças Armadas entre 1883 e 1887 foram batizadas de Questão
Militar. O Império repreendeu dois dos militares envolvidos por declarações
feitas à imprensa, acirrando a questão. O caso só arrefeceu quando o Senado
aprovou uma moção em que ‘convidou’ o governo a cancelar as repreensões, algo
que foi aceito. O episódio precedeu a criação do Clube Militar, em julho de 1887.
O Clube se tornou um centro de conspiração.
Incidente
Carolino
Durante uma visita ao
Tesouro, em setembro de 1889, o Visconde de Ouro Preto, então primeiro-ministro
do Império do Brasil, não encontrou em seu posto o comandante da guarda,
tenente Pedro Carolino, e mandou prendê-lo imediatamente. O incidente foi
explorado politicamente por militares republicanos abrindo mais um ponto de
tensão com o governo monárquico.
Oficiais
chilenos
Em outubro de 1889, oficiais
do cruzador chileno Almirante Cochrane receberam um banquete. Eles estavam no
Brasil em missão oficial, em festejo às bodas de prata dos príncipes imperiais.
Convidado por alunos da Escola Militar de Praia Vermelha, o professor Benjamin
Constant, militar e engenheiro, foi ao banquete, e fez um discurso atacando
frontalmente o governo monarquista, por quase uma hora.
Retrato de Dom Pedro 2º.
15 de
novembro, dia do golpe
A Proclamação da República
brasileira é definida por muitos historiadores como golpe. Isso porque, apesar
de a agitação republicana ter ocorrido abertamente durante anos, a mudança de
regime ocorreu por meio da coerção, pela força de uma minoria capitaneada por
militares, com apoio de alguns setores civis republicanos.
Foi um processo sem
participação popular. A reunião que selou a decisão de que era momento de
destituir a monarquia ocorreu no dia 9 de novembro, no Clube Militar. No dia 11
de novembro, alguns civis republicanos foram chamados para apoiar a derrubada
da monarquia, marcada para o próximo dia 20.
Após circular o rumor de que
lideranças seriam presas, e que o governo de Dom Pedro 2º preparava um ataque
contra conspiradores, o golpe foi antecipado. Ele ocorreu na manhã de 15 de
novembro de 1889, com a mobilização de cerca de 600 homens, incluindo
regimentos da segunda Brigada e alferes-alunos da Escola Superior de Guerra.
Não foi uma revolta
formidável. Grande parte dos regimentos de cavalaria seguia a pé rumo ao centro
do Rio. Não houve participação da Marinha. No livro ‘A Proclamação da República’,
o antropólogo Celso Castro afirma que a maioria dos soldados não estava
consciente de que se pretendia derrubar a monarquia.
O primeiro-ministro, Visconde
de Ouro Preto, já havia sido informado de que algo era tramado, e arregimentou
forças para proteger o governo monárquico.
Quando o golpe teve início, Ouro
Preto se refugiou no Quartel General do Exército com o gabinete ministerial e
membros de parte das Forças Armadas. D. Pedro 2º estava distante do local, no
Palácio de Petrópolis.
A tropa do governo era
superior à tropa dos revoltosos. Tinha 2000 homens. Ela era comandada pelo
marechal Floriano Peixoto. Mas Peixoto recusou-se a lutar contra os militares
rebeldes. A República brasileira foi oficialmente proclamada à noite, por meio
de um decreto, que definiu também os ministros do novo governo provisório.
O jornalista e político
republicano da época, Aristides Lobo, participou dos preparativos para o golpe
e, em uma carta publicada no jornal Diário Popular, de São Paulo, definiu o
evento como isolado da população. Ele escreveu que o povo assistira ao golpe
republicano ‘bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significava’. A
família imperial partiu para o exílio no dia 17 de novembro de 1889.
Portanto, apesar de quadros
civis terem sido grandes apoiadores da proclamação da República, foram os
militares os principais agentes da mudança, além de terem sido os primeiros
presidentes do Brasil
Agentes da
história
v Deodoro da
Fonseca (1827-1892)
Nascido em Alagoas da Lagoa do Sul,
município de Alagoas que hoje tem seu nome, Deodoro da Fonseca fez carreira no
Exército e participou da Guerra do Paraguai (1864-1870). Foi o primeiro
presidente do Clube Militar (1887-1889).
Como figura conservadora de prestígio no
Exército, seu apoio foi fundamental. Mesmo sendo amigo pessoal do imperador Dom
Pedro 2º, o marechal abandonou a monarquia e foi o comandante das forças que
impuseram a queda do regime em 15 de novembro.
Há um debate historiográfico sobre seu
real desejo de implantar uma República. Alguns apontam que sua meta era apenas
derrubar o primeiro-ministro Visconde de Ouro Preto. Após o golpe, o marechal
dirigiu o governo provisório e, após uma eleição indireta, a partir de 1891,
tornou-se o primeiro presidente da República dos Estados Unidos do Brasil.
Deodoro da Fonseca morreu no ano seguinte.
v Benjamin
Constant (1837-1891)
Nascido em Niterói, no Rio, teve uma
infância marcada pela morte do pai, o enlouquecimento da mãe, e uma tentativa
de suicídio, aos 13 anos. Sua ascensão social não contou com contatos
importantes.
Recebeu o título de bacharel em
matemáticas e ciências físicas pela Escola Militar em 1858, e atuou como
oficial de engenharia na Guerra do Paraguai.
Em 1872, tornou-se professor na Escola
Militar de Praia Vermelha. Foi alçado à posição de líder pelos estudantes que
valorizavam suas origens humildes, a ascensão pelo mérito, e a adesão ao positivismo
de Augusto Comte. Ele presidiu a reunião que decidiu pelo golpe, em 9 de
novembro de 1889.
v Floriano Peixoto (1839-1895)
Filho de pais pobres de um distrito de
Maceió, em Alagoas, foi criado por um senhor de engenho que era seu tio e
padrinho. Em 1855 mudou-se para o Rio e, em 1857, ingressou no Exército.
Peixoto atuou na guerra do Paraguai, onde
se aproximou de Benjamin Constant, que havia sido seu professor. No decorrer da
carreira, ascendeu a comandante da Guarnição da Corte.
No momento do golpe, Visconde de Ouro
Preto, primeiro-ministro do Império, teria instado o marechal a revidar,
fazendo alusão à sua combatividade na Guerra do Paraguai. O marechal teria se
recusado, afirmando : ’Lá tínhamos em frente inimigos. E aqui somos todos brasileiros’.
Floriano viria a se tornar o segundo
presidente da República dos Estados Unidos do Brasil.
v Quintino
Bocaiúva (1836-1912)
Nascido no Rio, mudou-se para São Paulo
após a morte de seu pai. Estudou humanidades em um curso anexo à Faculdade de
Direito, que não concluiu.
Começou a atuar no jornalismo a partir de 1852,
e passou a ser agitador republicano em 1853. Foi um dos fundadores do Clube Republicano
e, em 1870, signatário do Manifesto Republicano.
Era partidário da transição pacífica de
regime, aguardando a morte de D. Pedro 2º. Mas, em 11 de novembro, dias antes
do golpe, foi um dos participantes de uma reunião com o marechal Deodoro sobre
o golpe, ao lado de Aristides Lobo, Rui Barbosa e Francisco Glicério. Ficou
incumbido de organizar o futuro ministério republicano, e foi o primeiro
ministro das Relações Exteriores da República.
v Campos Salles (1841-1913)
Nasceu em Campinas, descendente de
famílias tradicionais ligadas à lavoura.
Ingressou em 1859 na Faculdade de Direito,
em São Paulo, e filiou-se no Partido Liberal do Império.
Dedicou-se ao jornalismo, ao direito e à
política, eleito diversas vezes como representante na Assembleia Provincial de
São Paulo.
Foi um fundador do Partido Republicano
Paulista, em 1873. Ao lado de outros líderes do partido, como Prudente de
Morais, Francisco Glicério, Bernardino de Campos e Rangel Pestana, articulou
com militares e civis paulistas a conspiração.
Nas primeiras horas da República, foi
chamado para garantir o apoio dos cafeicultores paulistas. Assumiu o ministério
da Justiça.
Em 1989, tornou-se presidente, em sucessão a Prudente
de Moraes, o primeiro civil a ocupar a presidência da República.
Fases da
República no Brasil
A República brasileira passou
por diversos momentos, sob várias constituições e arranjos políticos. Foram
regimes ora mais democráticos, ora mais autoritários. Essas diferenças fazem
com que o republicanismo brasileiro seja, normalmente, dividido em seis partes
pelos historiadores.
Ø Primeira
República (1889-1930)
Também conhecida como
República Velha, compreende o período que vai da Proclamação da República, em 1889,
até a Revolução de 1930. O período entre 1889 e 1894 é, frequentemente,
subdividido e classificado como República da Espada, pois os dois primeiros
presidentes republicanos brasileiros foram os militares Deodoro da Fonseca e
Floriano Peixoto.
A primeira Constituição
republicana foi promulgada em 1891, dois anos após a proclamação. Ela separava
Igreja e Estado, abolia o Poder Moderador, detido pelo Imperador, e determinava
a separação entre Legislativo, Judiciário e Executivo. Estabelecia um sistema
federalista ainda muito marcado pela concentração de poder na União, à qual era
garantido o direito de intervir nos estados militarmente para manter o regime
republicano.
A nascente República reagiu
com violência avassaladora a um grupamento religioso liderado por Antônio
Conselheiro em uma região do sertão da Bahia chamada Arraial de Canudos. O
grupo contrariava a nova separação entre Igreja e Estado, e foi tratado como
uma rebelião antirrepublicana. Após seguidas missões frustradas, o governo
aniquilou o povoado e seus 25 mil residentes, em 1897.
Antônio Vicente Mendes
Maciel, o Antônio Conselheiro, líder dos Canudos, 1897
Revoltas importantes foram
conduzidas por militares de média e baixa patentes, conhecidos como
tenentistas, na década de 1920, como a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana e
a Coluna Prestes. No geral, reivindicavam arranjos sociais mais igualitários, a
melhora das condições para os militares e a ‘moralização’ da política. Mas
tinham propostas relativamente pouco elaboradas.
Uma das marcas da República
Velha foi a ‘política dos governadores’, instaurada na virada do século pelo
civil Campos Salles, que garantia apoio às oligarquias mais fortes de cada
estado e, em troca, exigia apoio às propostas do governo no legislativo
nacional. O governo federal garantia respaldo a determinados ‘coronéis’ locais,
em geral proprietários de terra com forte influência política e econômica
local.
Em paralelo, o Nordeste
registrou o fenômeno social chamado cangaço, marcado por grupos bandoleiros que
andavam armados cometendo crimes, cobrando por proteção e se refugiando no
bioma da caatinga. Lampião, principal cangaceiro da época, chegou a se
autoproclamar ‘Governador do Sertão’.
Outro marco da época foi a ‘política
do café com leite’, em que as elites do estado de Minas Gerais, grande produtor
de leite, e do estado de São Paulo, grande produtor de café, se revezavam no
controle do governo federal, com apoio do Exército. O café seguiu como grande
produto de exportação nesse período, marcado também pelo desenvolvimento
industrial incipiente e pela ascensão do mercado de borracha advinda do Norte.
Foi um período marcado por
denúncias de eleições viciadas e ‘voto de cabresto’. Coronéis locais tratavam a
população sob sua influência como um ‘curral eleitoral’, e definiam quem o
eleitorado deveria escolher como representantes municipais, estaduais e
federais. O voto censitário, ou seja, restrito àqueles com determinada renda,
foi abolido. Mas foi cassado o voto dos analfabetos, algo que era permitido no
Império. Mulheres continuavam impedidas de votar.
Ø Segunda
República (1930-1937)
Uma grave crise financeira
atingiu o mundo capitalista a partir do final de 1929. No Brasil, essa crise se
refletiu na perda de mercado consumidor, falência de cafeicultores e
desemprego. Nesse contexto, líderes oligárquicos de São Paulo e de Minas Gerais
romperam entre si. Paulistas lançaram Júlio Prestes como candidato e, o então
presidente (equivalente a governador) de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada, apoiou, em reação, a candidatura de Getúlio Vargas, do Rio Grande do
Sul.
Júlio Prestes venceu uma
eleição repleta de denúncias de fraudes, mas não tomou posse em virtude de um
golpe que ficou conhecido como Revolução de 30. Getúlio Vargas tomou o poder.
Em 1934, uma nova Constituição foi promulgada.
Ela centralizou mais a
administração ao mesmo tempo em que criou as bases de uma legislação trabalhista.
Estabeleceu que uma eleição indireta, com votos apenas de parlamentares,
ocorreria em 1934. E que quatro anos depois o povo poderia escolher o
presidente.
A eleição indireta manteve
Getúlio Vargas no comando do país. Em 1937, antes que as eleições presidenciais
diretas acontecessem, Vargas aplicou um golpe sob a justificativa de que havia
uma ameaça comunista rondando o Brasil.
Getúlio Vargas, foto oficial,
1937
Ø Estado Novo (1937-1945)
Getúlio Vargas fechou o
Congresso, extinguiu os partidos políticos, demitiu governadores e nomeou
outros, estabelecendo aquilo que ficou conhecido como Estado Novo, conduzido
com participação de setores militares. O Estado Novo perdurou no decorrer de
toda a Segunda Guerra Mundial, à qual o Brasil aderiu em 1942, a partir de
quando passou a atuar ao lado dos Aliados (Inglaterra, França, União Soviética
e Estados Unidos).
O Estado Novo foi um estado
policial, que implementou a censura a veículos de imprensa, centralizada pelo
poderoso Departamento de Imprensa e Propaganda.
Foi também um período marcado
pela política de apoio à produção cafeeira. E pela consolidação de direitos
sociais e trabalhistas, com medidas como a promulgação da Consolidação das Leis
Trabalhistas, aumentos do salário mínimo, e formação de sindicatos, sob
influência governamental.
Enquanto tropas brasileiras
eram enviadas à Europa para lutar contra o fascismo na Segunda Guerra, a
insatisfação com o autoritarismo interno crescia no Brasil. Setores das Forças
Armadas e da elite civil passaram a se mobilizar em torno da exigência de
democratização.
Soldados da Força
Expedicionária Brasileira saudados por moradores de Massarosa, na Itália, final
de setembro de 1944
Ø Quarta República
(1945-1964)
Em fevereiro de 1945, Getúlio
Vargas assinou uma emenda à Constituição em que autorizou a criação de partidos
políticos e determinou a realização de uma eleição presidencial naquele ano. Os
novos partidos passaram a se articular para lançar seus candidatos enquanto que,
em paralelo, surgiu um movimento político demandando que Vargas ficasse no
poder, o ‘Queremismo’.
Suspeitando de que o presidente pretendia
prolongar ainda mais sua permanência, generais organizaram um movimento para
depô-lo, consumado em 29 de outubro de 1945.
Vargas concordou publicamente
com a deposição, e se retirou para sua cidade natal, São Borja. Em 1946, o
poder foi para as mãos do general Eurico Gaspar Dutra, eleito presidente, com
apoio de Vargas, dando início à Quarta República.
Uma nova Constituição foi
aprovada em 1946. Ela reafirmou o Brasil como uma federação, com diferentes
atribuições definidas aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Vargas voltou ao poder em 1951
por meio de eleições diretas, mas não chegou a concluir o mandato. Pressionado
politicamente, suicidou-se em 1954. Foi sucedido por cinco governos eleitos
pelo voto direito.
A instabilidade política se
acentuou no Brasil. O presidente Jânio Quadros renunciou em agosto de 1961,
após apenas sete meses de um governo marcado por medidas chamativas, como a condecoração
de Che Guevara, a proibição de biquíni em concursos televisionados de miss, e
planos para anexar a Guiana Francesa. Criou também o Parque Indígena do Xingu,
o primeiro do país.
Jânio Quadros condecora Ernesto Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul, 1961 |
Político associado ao
trabalhismo, o vice João Goulart estava em viagem à China, em um contexto
mundial de divisão entre blocos capitalista e comunista.
Parte das Forças
Armadas se opuseram à sua posse, e pairava perspectiva de um golpe. Mas o
general Machado Lopes, comandante do Terceiro Exército, afirmou lealdade ao
presidente constitucional.
João Goulart, deposto pelo
Golpe Militar de 1964
Sob perspectiva de uma guerra
civil, lideranças no Congresso aprovaram uma emenda constitucional que
introduziu o parlamentarismo. Goulart assumiu em setembro, com Tancredo Neves
como primeiro-ministro. E uma consulta popular em 1962 restituiu o
presidencialismo, devolvendo poderes a Goulart.
O governo de João Goulart foi
marcado pela primeira greve geral no Brasil, por inflação alta e tentativas de
implementar reformas de base, com destaque para a reforma agrária. Houve
revoltas de militares de baixa patente e constante e crescente ameaça de um
golpe. Houve ainda protestos de oposição como a Marcha para a Família com Deus
pela Liberdade.
Castello Branco, primeiro ‘presidente’
da Ditadura Militar
Ø Ditadura Militar
(1964-1985)
Em 1964 um novo golpe militar
foi deflagrado por generais contra o governo João Goulart. Jango optou por não
tentar articular resistência com apoio de oficiais legalistas, e se exilou no
Uruguai.
Assim como na Revolução de 30,
a ‘ameaça comunista’ voltou a aparecer entre os argumentos dos golpistas. Em um
primeiro momento, houve repressão contra adversários políticos, e uma nova
Constituição foi promulgada em 1967. O nome oficial do país deixou de ser
Estados Unidos do Brasil e passou a ser República Federativa do Brasil.
Em um contexto de
intensificação dos protestos estudantis, ação mais expressiva da Igreja
Católica em defesa dos direitos humanos, greves operárias e críticas de
políticos opositores, a ditadura se escancarou em 1968, com o Ato Institucional
Número 5, o AI-5, inaugurando um período de fechamento do Congresso e de
radicalização na repressão, com perseguições, assassinatos, tortura e censura à
imprensa e às artes. Ao mesmo tempo, o regime registrava um rápido crescimento
econômico, impulsionado por protecionismo, intervencionismo econômico e
expansão industrial.
Após 21 anos, os militares
deixaram o poder, em uma transição ‘lenta e gradual’. Novamente, o Brasil
vivia, naquele momento, o drama da inflação. A transição para os civis foi
feita por meio de uma eleição indireta vencida por Tancredo Neves. O político
mineiro, porém, não chegou a governar, pois morreu vítima de complicações de
uma infecção. O vice José Sarney assumiu.
José Sarney, presidente do
Brasil, 1985-1990
Ø Nova República (desde 1985)
Uma nova Constituição Federal
foi elaborada em 1988, como marco da consolidação da redemocratização
brasileira, durante o governo de José Sarney.
A nova Carta, que perdura até
hoje, tentou garantir, pelo menos no papel, uma série de direitos aos cidadãos,
com referência a Justiça social e o compromisso com a demarcação de terras
indígenas.
O primeiro presidente eleito
pelo voto direto na Nova República foi Fernando Collor de Mello, que assumiu em
1990. Mas, dois anos depois, ele acabou deposto em meio a um processo de
impeachment por denúncias de corrupção. O vice, Itamar Franco, assumiu.
Sob seu governo, em 1993 foi
realizado um plebiscito, previsto na Constituição, em que a população
brasileira escolheria se preferiria um sistema presidencialista ou
parlamentarista. E se preferiria uma república ou uma monarquia. Venceu o
modelo de república presidencialista. Tudo continuou como estava.
Ø Campanhas
‘Diretas Já’ (1983-1984)
Em 1994, a equipe econômica
do governo Itamar, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, deu início ao
Plano Real. FHC foi eleito presidente na esteira do Real e assumiu em 1995. No
cargo, ele aprovou a emenda à reeleição e obteve um novo mandato.
Na década seguinte, em 2003,
o Brasil viu seu primeiro líder operário chegar ao comando do país - Luiz
Inácio Lula da Silva. Reeleito, Lula fez sua sucessora, Dilma Rousseff. A
primeira mulher a presidir o Brasil, porém, foi derrubada em um impeachment por
manobras fiscais. O vice Michel Temer assumiu.
Presidente Dilma Rousseff,
faz sua defesa durante sessão de julgamento do impeachment no Senado
Em meio a uma descrença com a
classe política, no geral em razão de seguidos escândalos de corrupção, os
brasileiros elegeram depois Jair Bolsonaro, que assumiu em 2019. O capitão
reformado do Exército e ex-deputado federal tem um discurso radical, contrário
ao que chama de politicamente correto e a pautas de minorias. Demonstra ser favorável
à ditadura militar e seus torturadores.
Fim da Nova
República?
O professor da Universidade
de São Paulo Marcos Napolitano afirma que a Nova República vem sendo golpeada
durante o fim da segunda década do século 21. Há pesquisadores que chegam a
defender a ideia de que a Nova República se encerrou.
Esse ponto de vista foi
defendido por Gustavo Müller, professor da Universidade Federal de Santa Maria.
Em artigo ao jornal O Globo, ele afirmou que o arranjo político consolidado na
Constituição de 1988 sucumbiu ‘à corrupção sistêmica, somada a uma grave crise
econômica e social, e a uma batalha pela hegemonia no campo da cultura e do
comportamento’.
Em entrevista ao jornal Folha
de S. Paulo, a historiadora francesa Maud Chirio, que pesquisa a direita
brasileira, avaliou que Bolsonaro não faz apenas bravatas antidemocráticas, mas
é alinhado a uma linha coerente de pensamento antidemocrático. Ela previu que
seu governo levaria a perseguições, supressão de direitos, e ao fim da Nova
República.
Presidente do Brasil, Jair
Bolsonaro, em evento no Palácio do Planalto
Em resposta aos críticos, o
governo destaca suas promessas de mudança, especialmente na área econômica, a
partir de um projeto de redução do tamanho do Estado. Ao mesmo tempo, o
presidente mantém um discurso radicalizado contra adversários. O cientista
político Fernando Schuler afirma que, mesmo diante dos arroubos verbais de
Bolsonaro, há em 2019 ‘um quadro típico da normalidade à brasileira’.
República Falada
Manifesto Republicano, 1870
‘O privilégio, em
todas as suas relações com a sociedade.
Tal
é, em síntese, a fórmula social e
política do nosso país.
o
Privilégio de religião,
o
Privilégio de raça,
o
Privilégio de sabedoria,
o
Privilégio de posição.
Isto
é, todas as distinções arbitrárias e
odiosas
que
criam no seio da sociedade civil e política
a
monstruosa superioridade
o de um sobre todos, ou
o
de alguns sobre muitos.”
‘E o que nós temos a ver com paisanos?’
Deodoro da Fonseca, Marechal
e primeiro Presidente do Brasil, em resposta a Benjamin Constant e o tenente de
cavalaria Sebastião Bandeira, que lhe propuseram um encontro com civis para dar
ao golpe um caráter mais amplo do que apenas militar. A frase foi atribuída a
Deodoro por Bandeira.
‘Lá tínhamos pela frente inimigos e aqui somos todos brasileiros.’
Floriano Peixoto, Marechal e
segundo Presidente do Brasil, ao ser instado a revidar ao golpe republicano em 15
de novembro de 1889
‘No meio do mais profundo silêncio, cientificou-me de que se pusera à
frente do Exército para vingar as gravíssimas injustiças e ofensas por ele
recebidas do governo, as quais enumerou (…) Só o Exército, afirmou, sabia sacrificar-se
pela pátria e, no entanto, maltratavam-no os homens políticos, que até então
haviam dirigido o país, cuidando exclusivamente dos seus interesses pessoais’.
Visconde de Ouro Preto, último
primeiro-ministro imperial do Brasil, relatando o que lhe teria dito o marechal
Deodoro da Fonseca no momento do golpe.
‘O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o
que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada’.
Aristides Lobo, político
republicano e jornalista, em carta em que descreve o momento do golpe,
publicada em 18 de novembro de 1889, no Diário Popular, jornal de São Paulo.
‘Como episódio,
a passagem do Império para a República foi quase um passeio. Em compensação, os
anos posteriores ao 15 de novembro se caracterizaram por grande incerteza. Os
vários grupos que disputavam o poder tinham interesses diversos, e divergiam em suas concepções de como
organizar a República’.
Boris Fausto, historiador, no
livro ‘História do Brasil’, ed. USP, 1994
‘Canudos não se rendeu.’
Euclides da Cunha, jornalista
e escritor republicano, ex-aluno da Escola Militar de Praia Vermelha, em ‘Os
Sertões’, de 1902.
‘No fundo e na fôrma, a revolução escapou, por isso mesmo, ao
exclusivismo de determinadas classes. Nem os elementos civis venceram as
classes armadas, nem estas impuseram àqueles o fato consumado’.
Getúlio Vargas em discurso de
2 de novembro de 1930, ao tomar posse como chefe de governo provisório da
República
‘Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo.
Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu
ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio.
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade, e saio da vida para
entrar na História’.
Getúlio Vargas em sua
carta-testamento que deixou em 23 de agosto de 1954, quando se suicidou
‘Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a
corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos
apetites, e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior.
Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim, e me
intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração’.
Jânio Quadros em sua
carta-renúncia, em 25 de agosto de 1961.
‘A História não acusará o meu governo de haver faltado ao respeito das
liberdades fundamentais’.
João Goulart, em carta de 1972,
apreendida pelo Serviço Nacional de Informações, órgão de censura da ditadura
militar, revelada apenas após a democratização, em 2014.
‘O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso
Nacional, das Assembleias Legislativas, e das Câmaras de Vereadores, por Ato
Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a
funcionar quando convocados pelo Presidente da República’.
Ato Institucional Número 5,
instituído em 13 de dezembro de 1968 e assinado pelo presidente Artur da Costa
e Silva
‘São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição’.
Constituição de 1988
Fonte: André Cabette
Fábio |
Nexo
(JA, Nov19)