Roland
Barthes (*) disse que a roupa tem três funções: resguardar o
pudor; proteger o corpo; portar adornos. Por dizer algo novo sobre a sociedade,
toda moda nascente é uma revolta contra o vestuário em vigor.
E no Brasil?
Como as três funções da moda estão em vigor, ela muda com lerdeza agoniante.
Aguardou-se durante anos o novo, a moda que se insurgisse contra a mesmice. Em
vão. É o que se vê no grande desfile de meia estação, o de modelos postulantes
ao Planalto.
- O pretinho básico de Ciro Gomes denota seriedade. A gravata vermelha lhe dá um toque de Trump à esquerda. Contra a loquacidade estouvada das camisas coloridas do passado, agora mostra previsibilidade
- Guilherme Boulos pensa como a esquerda clássica: a moda não significa, o que vale é a política. Devagarinho, porém, tem trocado camisetas por colarinhos. Detalhe: usa as camisas fora da calça, como nos Jardins. O PSOL debaterá se ele deve ir de terno aos debates na tevê.
- Marina Silva tem inspiração étnico-natureba: tons foscos, xales, túnicas desestruturadas, estampados, batom cor de amora. O coque com presilha lembra o de Frida Kahlo.
- Jair Bolsonaro deixa o cabelo tingido cair na testa, o que lhe confere frescura à figura sessentona. A indumentária uniforme realça o gestual bélico-buliçoso. Gargalha, bate a mão na mesa, aponta os braços como se portasse um fuzil fálico.
- Manuela D'Ávila é puro arejamento visual. Seu cabelo está com a cor natural, repicado e curto atrás. Ela tem umas dez tatuagens, mas não as ostenta. Usa as bijuterias e lenços mais charmosos da campanha.
- Geraldo Alckmin herdou o guarda-roupa de Campos Salles. São paletós lúgubres, camisas imaculadas, calças com vinco. Ele não afrouxa o nó da gravata nem para trocar dous dedos de prosa. Para não pegar friagem, porá ceroulas no inverno —como recomendava tia Maricota, lá de Pinda.
- Henrique Meirelles tem uma fortuna de R$ 960 milhões e os ternos mais mal cortados da República.
- Lula está solto nas imagens de Ricardo Stuckert, seu fotógrafo oficial. Nelas, as partes brancas ganham detalhes e as sombras são atenuadas. Velhinhas beijam, crianças apalpam, multidões cercam o patriarca messiânico, que se sacrifica e é venerado.
Imagem: Bruna Barros
Fonte: Mario Sergio
Conti | FSP
‘Sistema da Moda’, de Roland Barthes, Editora Martins Fontes |
(*) Em 'O sistema da moda', Roland Barthes elabora
uma análise semântica do vestuário
a partir de artigos da imprensa, examinando a estrutura e o significado do
discurso sobre a moda. Barthes desvenda um sistema de significações e a submete
pela primeira vez a uma verdadeira análise semântica: como os seres humanos
constroem sentido com o vestuário e a fala? Este livro, que se tornou um clássico, é um
dos exemplos mais brilhantes de aplicação da semiologia a um fenômeno cultural.
(JA, Mai18)