Dias atrás, no ‘Dia dos Namorados’, estava com a Maísa,
minha namorada, numa festa. Oportunamente, observamos um casal de idosos sentados numa mesa próxima.
Ela, a senhora, segurava uma das mãos
dele com firmeza, e o olhava nos olhos
com a atenção que se dedica a alguém muito querido, valioso.
Conversando, acabamos nos perguntando qual seria a história que os dois teriam construído
até ali? Consideramos que é difícil
dizer. Projetando isso para os demais, para todos os casais de idosos, a dificuldade seria maior ainda. Entretanto, concluímos que a resposta é mais
simples do que possa parecer: ‘A história que eles todos construíram resultou na
nossa realidade atual’. Então eu perguntei a ela:
-E essa nossa realidade, você considera boa, ideal?
Maísa respondeu:
- Ideal nunca será, sempre haverão etapas a serem superadas
- que serão cada vez mais difíceis, quanto mais próximo se estiver de atingir o
ideal. E, quanto a boa, eu diria que vida poderia ser melhor.
Perguntei:
- Como assim?
E ela:
- Essa nossa sociedade, a sociedade brasileira, tem potencial para ser muito melhor do que
é. Ainda não atingimos o estágio em que
as possibilidades sejam iguais para todos. Idealmente todos deveriam ter oportunidades muito parecidas para se realizarem como seres humanos, desenvolvendo e aproveitando melhor
os seus talentos, compensando e minimizando suas eventuais deficiências.
Atingimos um estágio no qual estamos
estruturalmente bem organizados; vivemos num país rico em recursos naturais, e
o povo, no geral, é jovem, ambiciosos, empreendedor, com grande potencial.
Mas, ainda somos o que somos porque carregamos na nossa
estrutura mental, comportamental, as marcas decorrentes da nossa origem. Para se chegar na sociedade em que vivemos - próspera e civilizada, nossos antepassados
imigrantes ignorantes, miseráveis, tiveram que superar, prioritariamente, suas
necessidades básicas: segurança, alimentação, moradia, saúde, estudo, emprego, transporte,...
Enfim, fomos criados valorizando e priorizando esses objetivos que, a seu tempo, foram muito úteis para garantir a nossa sobrevivência, desenvolvimento, até chegar
aonde chegamos, e poder desfrutar a qualidade de vida atual. Entretanto, já
está na hora de trocarmos as velhas ‘roupas’ do passado por uma nova, mais
adequada, que venha proporcionar adicionalmente, para todos, o que é mais
necessário, o que falta, nesta etapa atual da nossa história.
Para caminhar o sentido da superação, nossa sociedade deve
abandonar as expectativas originais - individualistas, pessoais -, e se voltar
para atendimento das necessidades coletivas, sociais, interpessoais. Alguém
poderia interpretar isso como uma proposta socializante. Não, não é isso. A proposta é valorizar projetos estruturais
que possam proporcionar condições para evolução e realização para o maior
número possível de indivíduos. Os beneficiados inicialmente, irão se
preocupar e se dedicar a dar
continuidade a essa missão, de forma
recorrente, pois eles terão consciência de que esse é o caminho para o seu melhor destino.
Assim, em algumas gerações, vamos poder olhar para trás e,
agradavelmente surpresos, perceber a diferença abissal estabelecida, entre o
que éramos e o que passamos a ser. Era tão fácil, estávamos tão perto da
solução, e não sabíamos.
Essa proposta, embora complexa, é viável. O primeiro passo é
que se promova a conscientização da necessidade da mudança. E, na sequência,
que aqueles que se identificarem com a causa, se associem para divulgá-la, conquistar
adeptos e recursos, para compor e
implantar um projeto estratégico que dê início a essa transformação. Bem
iniciada, os resultados certamente surgirão e servirão de incentivo para
conquistar a adesão de outros e outros, até a sua concretização irreversível.
Naturalmente, esse será um processo de longo prazo e
envolverá várias gerações de brasileiros. E, como toda transformação, demandará,
além do esforço inicial muito grande,
lideranças eficazes. Haverão momentos difíceis, de desânimo, a serem
superados. Mas tudo será compensado, com lucro, pelos momentos de superação, de
alegria, de plenitude e, finalmente, de realização.
Questionei:
- Você acredita mesmo que isso possa se tornar realidade?
Ao que ela respondeu:
-Tudo é possível, quando nos dedicamos a realizar o nosso
melhor sonho.
Depois dessa resposta fiz uma revisão positiva do meu
conceito sobre ela. Com uma companheira
tão idealista assim, o futuro que nos dois poderíamos construir, deixar de
legado para nossos descendentes, certamente seria melhor do que se eu estivesse
em outra companhia.
Ficamos olhando mais um pouco para o casal de velhinhos, e
ela segurou a minha mão como a senhora segurava a mão dele. Foi um ótimo e
auspicioso ‘Dia dos Namorados’.
"Enquanto você sonha, você está fazendo o rascunho do seu futuro." Charles Chaplin
Imagem: Andrea
Ribeiro
(JA, Jun15)