André
André
era um homem de meia idade , com formação superior, grande experiência
profissional. Num determinado momento percebeu
que estava desatualizado profissionalmente: os que estavam chegando mais
recentemente no mercado utilizavam novos termos, novos aplicativos, novas
técnicas, novos ... Percebeu que eles, embora ainda dependessem dele, não o
reconheciam, não o valorizavam como, certamente, merecia.
Foi um chocante: Até ontem , um cara
respeitado, admirado, ... Hoje, desprezado, rejeitado, excluído. O que fazer?
O mais óbvio e recomendado nesses
casos, seria se atualizar o mais rapidamente possível. A outra alternativa, se
afastar, deixar o mercado de trabalho, e ir gozar a sua, embora precoce,
merecida aposentadoria.
A primeira opção não o atraia. Não
simpatizava com essa nova geração de profissionais. Eles
tinham um conhecimento e experiência muito pontuais e, além disso, eram
muito objetivos, frios e radicais nas suas opiniões, decisões, atitudes. Ele, como a maioria dos da sua geração, muito
pelo contrário. Tinha uma visão, abordagem dos problemas, mais contextual,
abrangente e, principalmente, mais
humana.
Então, não foi difícil decidir. Decidiu
pela segunda opção: iria se afastar. Curiosamente, se sentiu então aliviado. Entretanto,
tinha consciência que o difícil seria por em prática, realizar o que seria a
grande mudança da sua vida.
Refletiu que não bastava abandonar os
ternos finos e passar a vestir bermudas, ficar lendo o jornal a maior parte do
dia. Precisava criar uma nova dimensão para essa pessoa que ele imaginava,
pretendia ser.
Resolveu colocar a venda o seu
maravilhoso e bem localizado apartamento, e comprar uma casa no litoral, numa
ilha ligada ao continente por um serviço de balsas, que tivera oportunidade de
conhecer. O centro urbano da ilha era
tranquilo, limpo, e os seus habitantes muito simpáticos e amigáveis, como se
estivessem sempre de bem com a vida. A ilha era conhecida pelos eventos
artísticos que eram promovidos tradicionalmente ali, e por
ser frequentada por artistas e intelectuais, gente com a qual ele se
identificava muito.
Procurou e encontrou nessa ilha a
casa que imaginou. Era ampla, sólida, confortável, bem conservada, implantada
num grande terreno, num aclive, próximo e com vista para o mar. Vendeu os três
carros luxuosos que tinha, e comprou um utilitário - mais robusto, mais
adequado para os caminhos da ilha.
Selecionou os móveis, equipamentos e
acessórios que pretendia levar para a nova casa, e se desfez dos demais. Finalmente,
despachou tudo e se mudou para sua nova cidade, sua nova casa. Tudo colocado no
seu devido lugar, arrumado, no final da
tarde daquele seu primeiro dia, decidiu que merecia uma recompensa: um jantar
especial nesta noite.
Foi então a um restaurante local,
conhecido por utilizar frutos do mar em quase todas as opções do seu cardápio.
Instalação muito rústica mas de bom
gosto, com um ambiente, principalmente à noite, muito aconchegante. Ampla
varanda, mesinhas com toalhas coloridas, iluminadas com luz de velas. E o serviço simpático e
pessoal, embora obedecendo o lema local: lento, mas bem feito. O restaurante tinha várias mesas ocupadas,
sendo que numa próxima à dele estava um grupo de jovens senhoras, comemorando
alguma coisa, falando entre si, e rindo muito, felizes. O gerente do
restaurante, muito comunicativo, apresentou André para as senhoras, dizendo: ‘-
Este senhor, é o mais novo habitante desta ilha’, como André havia lhe dito ao
chegar. Então, propôs um brinde a ele, por conta da casa. Todos brindaram e
elas lhe desejaram que fosse muito feliz ali.
Foi um bom início para uma nova vida.
Ana
Ana era uma artista, um pintora. Já havia participado
de várias exposições e ganhado alguns prêmios. Teve oportunidade, e montou seu
ateliê na mesma ilha onde André havia acabado de chegar. Há cerca de dois anos,
começou a dar aulas de desenho e pintura. A procura pelos seus cursos foi tão
grande, que teve que alugar um prédio maior para esse fim. Na sua escola, ‘Escola
da Cor’, como a chamou, montou vários departamentos, cada qual
especializado para transmitir uma parte específica dessa arte.
Oportunamente, André, que havia
conhecido Ana por ocasião do jantar do seu primeiro dia na Ilha, a reencontrou,
e se tornaram amigos. Com
o tempo, ele passou a conhecê-la melhor, tanto como artista como mulher. Interessou-se muito pela iniciativa dela em
divulgar e promover a arte. Ele mesmo, numa determina época do seu passado,
produziu alguns desenhos, aquarelas. Era um talento natural, não lapidado. Incentivado por ela, começou a frequentar as
aulas, adquirindo mais e mais conhecimento técnico. E, pouco a pouco, foi preenchendo as lacunas que
impediam a sua melhor manifestação. Começou a ficar entusiasmado com o
resultado, com a facilidade que tinha agora para expressar seus sentimentos nas
telas que pintava.
Foi se aperfeiçoando, até atingir um
nível técnico reconhecido como ótimo por muitos experts, tanto nacionais como
internacionais.
Ele, ainda sem assimilar completamente
esse seu novo lado; ainda surpreso pela fama extemporânea, inesperada e
extraordinária, um dia concluiu:
“Incrível. Vivi a maior parte da
minha vida construindo e investindo num personagem. Esse personagem ganhou
estatura, foi protagonista de inúmeros ‘cases’ de sucesso, progrediu, ganhou
dinheiro,.. Porém, só até um determinado momento. Então, quando precisava se atualizar para ser
aceito, reconhecido pelos novos profissionais da sua área que estavam passando a dominar o mercado, resolvera investir num outro talento que tinha, mas que
passara despercebido por tanto tempo. E, surpreendentemente, agora, no ocaso de
minha existência, me sinto muito mais realizado do que em qualquer outra fase da
minha vida.”
André e Ana
Anos mais tarde, agora casado com
Ana, sua companheira de vida e de arte, ainda permanece morando na Ilha.
Entretanto, seus horizontes haviam se ampliado: viajava várias vezes por ano,
visitando, expondo, nas mais famosas cidades do mundo – Londres, Paris, Nova
York,... Nessas cidades, nas grandes casas de leilão de arte, seus quadros
faziam muito sucesso, atingindo valores extraordinários.
É, a vida nos surpreende, muitas vezes
positivamente, especialmente quando nos dispomos a mudar para preservar aquilo
que temos de melhor: nossos talentos, nossa dignidade, nossos valores.
”O segredo da mudança está em não focar sua energia lutando contra o velho, mas em construir algo novo.” Sócrates
(JA, Mai15)
Imagem: Paulo Bavani (55), pintor, escultor e fotografo, RJ