A. Era uma moça que morava numa zona
rural na região centro-oeste do
Brasil. Tinha 13 irmãos, sendo ela uma
das mais velhas. Vivian numa grande fazenda, junto com seus pais. Algum dos
irmãos tinham ido para a cidade mais desenvolvida do país na época, para poderem cursar uma
faculdade - ensino superior. Ela, como as
demais mulheres, de acordo com o costume de então, ficavam em casa cuidando das lides
domésticas.
Seu pai constantemente fazia viagens à cavalo, levando gado, auxiliado por tropeiros, para os grandes abatedouros. Numa determinada viagem, os bois contraíram
uma doença desconhecida e foram morrendo, pouco a pouco. Apesar do esforço, dele e de toda equipe de
peões que o acompanhava, não conseguiu levar a manada até o seu destino - todos os bois morreram antes. O prejuízo foi
tão grande que ele ficou muito abalado com o ocorrido e, na viagem de volta para
casa, sofreu de um mal súbito, à beira de um riacho, e veio a falecer.
Como era costume, quando ele e a
equipe viajavam, as moças e a mãe vinham ficar na casa que tinham na cidade, pois
a fazenda ficava num local ermo e, com a ausência dos homens, desprotegida. Elas receberam a notícia do ocorrido nessa
casa. Foi um desespero e tristeza muito grandes. Mas, como as mulheres desse tempo estavam
acostumadas com os revezes da vida, resolveram
voltar para a fazenda e tocar o negócio da melhor maneira possível. Chegando lá, tiveram outra surpresa
desagradável: a fazenda havia sido invadida e roubada! Os ladrões, provavelmente sabendo
que não havia ninguém na propriedade, a
invadiram e levaram tudo de valor que conseguiram achar: joias, pratarias,
objetos de arte, ... No meio da confusão que deixaram, as moças encontraram uma
máquina de costura que havia ficado escondida sob um amontoado de tralhas
jogadas.
Levaram essa máquina para a casa da
cidade. E, como tinham conhecimento de corte e costura, começaram a costurar
para fora. Por serem muito conhecidas na cidade e pela qualidade do serviço,
logo ganharam uma grande freguesia. O dinheiro que apuravam com esse trabalho serviu para a subsistência do grupo.
Com o passar dos anos, as moças foram
se casando, os rapazes que se formaram foram exercer sua profissão. Apenas A.
continuou costurando. Ela, num determinado momento de sua vida havia se
apaixonado por um rapaz. Entretanto, por isso ou por aquilo, o romance não foi
para frente. A partir daí, desiludida, decidiu que jamais se casaria com
outra pessoa. Foi o que aconteceu. E ela foi envelhecendo, costurando sempre.
Certo dia ela recebeu uma cartinha que aparentemente vinha de um lugar
muito distante, considerando a quantidade de selos do envelope. O local de
remessa não estava especificado, mas era algo como ‘Real Dreams’ – deveria ser de algum lugar próximo
ao Reino Unido, talvez... A carta dizia que a conheciam: sua história, o tipo de pessoa, de profissional
que ela era, e a qualidade do seu
serviço. Solicitavam a confecção de um traje para uma jovem que iria se casar com um príncipe. Enviavam junto
um breve relato da vida da moça para ela formar conceito e poder idealizar a
roupa ideal, dado o evento e as circunstâncias.
A. estranhou muito. Primeiro porque
não conhecida o remetente, e segundo porque apenas descreviam a moça, sem
especificar como queriam o traje - diziam apenas que era para a cerimônia de um
casamento real e que, portanto, deveria
ser muito bonito. Só não poderia ser muito sofisticado, enfeitado, considerando
o perfil da moça, que era simples, como relatado no resumo:
“A princesa se chamava Aurora. Era
bonita, boa, gentil e caridosa, os súditos a adoravam. Era filha única de um
casal e, tanto ela, como os reis, e os súditos, vítimas de uma maldição, haviam ficado inconscientes por cem anos, até que ela
foi encontrada por um príncipe. O príncipe, vendo a princesa tão bela, com os
cabelos soltos, espalhados nos travesseiros, o rosto rosado e risonho, ficou
deslumbrado. Logo que se recobrou, inclinou-se e lhe deu um beijo. Aurora despertou
para a vida, bem como todos no reino. O príncipe, encantado com a graça da moça, mais
tarde, a pediu em casamento. Ela, por sua vez, já estava então apaixonada pelo seu
valente salvador, e naturalmente, aceitou." O vestido que estavam solicitando era para
esse evento.
A. lendo o relato, ficou muito comovida
e ao mesmo tempo envaidecida por ter sido a escolhida para confeccionar o vestido de
noiva para a princesa, protagonista dessa história. Imediatamente respondeu que aceitava o encargo, e que o
vestido ficaria pronto o quanto antes. E assim foi. O vestido ficou lindo e,
tanto a princesa como o príncipe, e convidados, elogiaram muito o efeito que
ajudou a causar, e a recompensaram regiamente. Justo ela que nunca havia se
casado, acabara por participar de um casamento de conto de fadas.
O jovem casal, a partir daí, teve uma
vida próspera e venturosa. Viveram felizes para sempre, como se diz.
Passado um tempo, A. recebeu uma outra
correspondência pedindo uma outra encomenda extraordinária. A carta fora
remetida de ‘Never Land’ - um nome muito estranho -,
por um jovem chamado Peter. Ele disse que conhecia a sua fama de
costureira mágica, e que precisava de sua ajuda. Ele pretendia dar de presente
para uma sua companheira de aventuras, chamada ‘Smallbell’, como prova de amizade e reconhecimento
pelos seus bons trabalhos, um roupa adequada para ela. Ela era minúscula –
tinha cerca de 50cm de altura -, a aparência
e as proporções de uma linda moça, e voava
como uma libélula (...). A. ficou então imaginando como poderia ser essa roupa,
até que teve uma ideia. Escreveu para Peter aceitando o encargo e informando
que ficaria pronto no prazo de 10 dias. E assim foi.
Smallbell ficou super feliz com o
presente, e desejou para A. uma vida
plena de amor e de paz, e que ela sempre poderia contar com a sua ajuda se precisasse ir para algum lugar. Peter e todos os demais companheiros, inclusive os que
moravam longe de Never Land (Wendy, João e Miguel e Naná) também gostaram, e elogiaram o serviço. Peter
também recompensou A., fantasticamente, como tudo o que fazia.
E A. durante toda sua vida, que parece
não acabar mais – hoje ela já tem 276 anos -, continua a atender esses eventuais pedidos
incríveis. Por exemplo, recebeu um
pedido, de um tal de Mr. Habbit, para confeccionar um vestido especial para uma
menina chamada Alice, que vivia num reino extraordinário. A carta dizia que, certa ocasião, ela estava no jardim,
ouvindo uma história que a sua irmã mais velha lhe contava quando, de repente,
viu passar um coelho branco, muito bem vestido e de luvas brancas! Alice correu
atrás dele tentando alcançá-lo, mas o
coelho rapidamente desapareceu pelo chão. Alice o seguiu e descobriu que, ali onde
ele desaparecera, junto a uma árvore, havia um buraco fundo. Entrou por esse buraco
e deu num túnel; seguiu em frente e acabou encontrar esse reino onde está, e onde já
viveu inúmeras aventuras. Agora, ela quer voltar para casa, e precisa se
apresentar o melhor possível para reencontrar sua família e amigos. Mais uma vez,
A. se prontificou a fazer, e assim vem sendo até hoje, estória após estória.
Ela não sabe se, como, e quando, essas
estórias e pedidos vão acabar. Mas, pela experiência acumulada, acha que nunca. Embora 'nunca' seja uma palavra muito
forte para esse tipo de pessoas, personagens de contos de fada, como ela, talvez, nestas alturas, também tenha passado a ser.
(JA, Fev15)