Eduardo acordou naquele dia, no mesmo
horário e fez as mesmas coisas de sempre: levantar-se, separar a roupa que iria
usar, tomar banho, se trocar e sair. Tomou o elevador, desceu até garagem, no
subsolo do seu prédio, entrou no seu carro e pretendia sair, tomar seu café da manhã
na cafeteria mais próxima, e seguir para a Universidade onde, há pouco tempo
fora nomeado professor titular da cadeira de Física. Ao se sentar ao volante, ao
fechar a porta do carro, teve como que uma vertigem – sentiu-se como que engolido
pela terra.
Ao voltar a si, estava andando
sozinho por uma rua e cidade estranhas. Estranhas não só por serem
desconhecidas, mas, principalmente, por terem uma configuração inusitada, com
ares futuristas: os prédios, as pessoas, os veículos. Enquanto olhava tudo aquilo, sem entender nada,
alguém uniformizado, que aparentava ser um policial, dirigindo um meio de
transporte que poderia ser uma prancha de surfe, com uma coluna de pilotagem no
centro, onde se apoiava, pairou perto dele – sim esse veículo não tinha contato
com o chão quando se movimentava, e aterrissou. O policial se dirigiu a ele e
pediu que o acompanhasse. Pensou que, talvez, esta fosse a oportunidade para obtenção
de algumas respostas. Então, subiu no veículo e foi conduzido para o que
parecia ser uma central.
Foi colocado numa sala, onde ficou
aguardando que alguém lhe explicasse o que estava acontecendo. Depois de algum
tempo, entrou na sala um homem autoritário que falou:
¾
O
senhor, indevidamente, saiu da sua dimensão e passou para esta, onde estamos.
Sabemos que não foi seu desejo ou intenção. Entretanto, precisamos corrigir,
reverter essa ocorrência, para reestabelecer o equilíbrio do conjunto.
Surpreso, ainda sem entender nada,
perguntou:
¾
E
como vocês pretendem fazer isso?
¾
É
simples. Inicialmente iremos lhe dar um ‘reset’ com o objetivo de reduzir ao
mínimo sua energia pessoal. Então você cairá num sono profundo e, ao acordar,
estará de volta à sua dimensão, de onde você veio, e de onde não deveria ter
saído. “
Em seguida, foi conduzido a uma outra
sala que aparentava ser um consultório médico, e o colocaram numa maca. Uma moça, talvez uma enfermeira, colocou em
torno da sua testa uma faixa conectada a um aparelho, e pediu que ele
relaxasse. Que ficasse tranquilo, porque
não iria sentir nada – iria apenas dormir e, quando acordasse, já estaria de
volta à sua dimensão original. Comentou que esses casos, antes raros, estavam
agora se tornando mais frequentes, talvez devido a algumas mudanças
dimensionais que estavam ocorrendo.
Nesse instante, ocorreu um grande
estrondo, o prédio, os móveis e os equipamentos, tremeram – parecendo que tudo iria
desabar. A moça, assustada, correu para fora. Ele se desvencilhou da faixa,
saiu da maca, e correu para fora do quarto, do prédio.
Lá fora, ainda esbaforido pela
corrida maluca, pensou que esta seria uma boa oportunidade para fugir, poder
compreender melhor a situação, e reordenar suas próximas ações. Andando pelas ruas, agora quase normalizadas
depois do evento extraordinário, foi tomando consciência de tudo que o cercava.
Era um lugar fantástico, futurista, que o remetia aos antigos filmes de ficção.
Totalmente desnorteado, entrou no que
parecia ser um parque, com uma bonita vegetação – embora estranha para ele, com
alamedas por onde algumas pessoas ‘andavam’ – talvez o termo mais apropriado
fosse ‘deslizavam’. Elas, ficavam em pé, em cima de uma espécie de prancha de
skate sem rodas, e deslizavam; deslizavam suavemente, dirigidas pelo movimento
do corpo, sem que a prancha tocasse o solo. Sentou-se num banco e ficou olhando
tudo aquilo, tentando se recompor.
Passados uns momentos, uma moça,
portando uma prancha numa das mãos, sentou-se no mesmo banco que ele, e, sem
olhar diretamente para ele, comentou que a sua prancha devia estar com algum
problema e que precisava ser reparada. Ouviu,
mas não comentou nada – mesmo porque não tinha o que falar. Ela, estranhando,
olhou para ele pela primeira vez e, notando agora sua aparência e comportamento
singulares, perguntou:
¾
Quem
é você?
Ele, meio que sem jeito, falou para
ela o que sabia até então. Ela, como
depois revelou, era uma estudante graduada em Física, aparentemente não estranhou
nada, sinalizando com a cabeça que estava
entendendo . Perguntou a ele o que iria fazer agora. Ele, naturalmente,
respondeu que não sabia. Ela então,
surpreendentemente, o convidou para acompanhá-la, e o levou para sua casa.
Ao chegarem, comentou que esses tipos
de ocorrências estavam se tornando frequentes e que eram um desafio para as
autoridades científicas do planeta Gillion - era o nome do planeta onde
estavam. Esses fatos poderiam estar
relacionados com o fenômeno que tinha ocorrido há algumas horas – tremores de
grande intensidade estavam ocasionalmente ocorrendo, sem motivo aparente,
deixando rastros de destruição na sua passagem. Isto explicava a preocupação
dessas autoridades em detectar e eliminar esses viajantes interdimensionais, que
tanto poderiam ser causa como efeito.
Na opinião dela, o mais seguro seria
ele ficar mais um pouco no planeta, até as coisas evoluírem, e ele poder voltar
para seu planeta de origem em segurança, sem a condição de cobaia indefesa. Ele
concordou e ela, Anila – esse era seu nome -, demonstrou que tinha um interesse
genuíno em ajudá-lo, pois que teria oportunidade de acompanhar, estudar e
aprender com o processo.
Sugeriu que, para evitar que fosse
novamente identificado como um viajante interdimensional e fosse interditado, que
obtivesse uma certificação de cidadania que todos portavam. Consistia numa
espécie de chip que as pessoas tinham implantado no corpo, com todos os seus
dados. Isto permitia que todas as pessoas fossem monitoradas à distância pelas
forças de segurança. Ela tinha um colega de estudos que, numa recente expedição
de estudo, em uma zona inabitada e hostil, havia desaparecido já há alguns
meses; embora todos os esforços tivessem sido empreendidos, ele não havia sido
localizado. Ela acreditava, pela falta de sinalização e de notícias, que ele
havia perecido em algum acidente. Ela
teve a ideia de, com os documentos pessoais do seu colega, pedir ao setor de
identificação o reimplante do chip, supostamente danificado no acidente que ele
(o seu colega) havia sofrido, mas que, ‘felizmente, com muito sacrifício, tinha
conseguido sobreviver’.
E assim fizeram. Ele, por sugestão da
Anila, passou a morar no apartamento dela – assim passou a dispor de um
endereço fixo e, além disso, teve chance de se familiarizar com aquele mundo,
sua tecnologia, sociedade etc.
Ele achou curioso que, embora tudo o
que estava tendo oportunidade de conhecer e aprender, estivesse algumas décadas
à frente do conhecimento tecnológico da Terra, lhe parecia muito familiar, como
se a evolução fosse algo natural, que já estivesse programado na sua mente, mas
que, por qualquer razão, não havia emergido para o nível consciente.
Tão entusiasmado estava com as
perspectivas cientificas que estava vislumbrando, sem contar a evolução da sua
relação com a Anila – que estava passando do companheirismo, interesse
científico, para o romântico -, que nem percebeu o tempo passar. Em alguns anos passou a trabalhar na equipe
cientifica em que ela atuava, pois, seus conhecimentos anteriores, e mais os
atuais, o colocaram mais ou menos no mesmo nível do colega de Anila, Maars (aquele que havia desaparecido, e que
ele, oportunamente viera a ocupar o lugar). Logo, com situação consolidada positivamente, puderam
assumir a sua condição de casal.
Anos se passaram, filhos adultos
formados e trabalhando, ele já estava beirando os 60 anos, considerando a medida de tempo terrestre. Um dia, fim
de tarde, sozinho, à beira do Mar Gillion, aonde ele ia de tempos em tempos
para descansar, ter maior contato com a natureza, ele parou para refletir sobre
tudo o que lhe ocorrera. Concluiu que
tivera uma experiência, uma vida extraordinária, considerando todas as
possibilidades. Era grato à sua esposa Anila por ter viabilizado o fato dele
estar naquele planeta, e de ter vivido tudo que viveu em decorrência. Cansado, foi dormir mais cedo, em busca do
sono reparador que o prepararia para a viagem de volta no dia seguinte.
Ao acordar, estava num lugar
diferente. Observou que estava diante do
volante de um carro, o seu carro! O mesmo de há 35 anos atrás! Na garagem do seu
prédio! E, como antes, ainda com a idade de 25
anos, pronto para sair, para ir para a Universidade onde lecionava. Nem pensou
duas vezes; saiu do prédio, ingressou na via expressa habitual, parou na
cafeteria onde tomou o café da manhã, e seguiu, normalmente o seu caminho.
Ele nunca conseguiu explicar
tecnicamente tudo o que sucedeu com ele. Mas, daí em diante, sua vida acadêmica
seguiu um caminho totalmente diferente do que seguiria normalmente no ‘passado’.
Em pouco tempo, suas contribuições científicas o tornaram requisitado pelas
melhores Universidades e grandes Empresas do mundo todo. Ele agora era um jovem,
rico e famoso, cheio de perspectivas, podendo desfrutar tudo o que a vida pode
oferecer para alguém nessas condições.
Porém, seus pensamentos estavam
voltados para a sua família em Gillion - para Anila, seus filhos -, e para a
sociedade que conhecera e aprendera a respeitar. Sabia que eles estavam em
algum lugar, e que, embora alcançá-los independesse da sua vontade, tinha
certeza de que algum dia iria reencontrá-los, e daria segmento aquela parte
interrompida da sua vida.
Física Quântica
A Física Quântica destruiu os
fundamentos do materialismo e do determinismo, que prevaleceram no Ocidente
desde Isaac Newton, no século 17, e nos restituiu uma maneira de ver e sentir o mundo,
como um todo interconectado, uma cosmovisão, que tem por base a nossa
consciência, agora agente causal, capaz que é de influenciar, e literalmente
criar, a realidade material.
Matéria, tempo, espaço e
causalidade deixam de significar algo real e assumem sua verdadeira natureza:
não são mais que criações da mente para entender o mundo dos fenômenos. A
ciência, através da Física Quântica, ao dar à consciência uma qualidade
ontológica primordial, se torna influente parceira da espiritualidade.
O tempo e o espaço parecem
separar tudo o que existe, no entanto, a física moderna revela que não existe
esta separação, que somos uma só unidade em um universo que não é físico, mas
imaterial. Este conhecimento pode transformar nossa vida, tanto pessoal como
coletivamente.
Seu estudo e desenvolvimento
tem muito a nos ensinar sobre a condição humana, sobre a natureza da realidade,
e da importância de viver plenamente o momento presente.
A eternidade não é tempo
infinito, ela está fora do tempo criado pelo conhecimento humano. Ela é o tempo
de Deus.
(JA, Set14)