Escreveu uma carta de
despedida, onde justifica sua decisão. Essa carta foi amplamente divulgada, e essa
divulgação gerou uma série de críticas, considerando que poderia ser um
incentivo ao suicídio.
Carta de Despedida
"Queridos amigos, Encontro-me na Suíça, prestes a praticar
eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo
de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não
apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço
muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais
escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar
nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer
minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão
a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro,
fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo. Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade. Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!"
Considerações
Diante de quadros irreversíveis de sofrimento, como era o de Cicero, creio que seja válido que os cidadãos possam ter a liberdade e o direito, de antecipar sua própria morte. Naturalmente, é necessário que a decisão seja voluntária e refletida, não fruto de pressões ilegítimas, ou gestos intempestivos.
Por outro lado, tendo em vista que os problemas que afligiam Cícero são comuns para pessoas da sua faixa etária - perda de memória, dificuldade de concentração, isolamento, depressão,... - creio que todos precisariam se preparar para ‘viver’ essa fase da melhor maneira. Para facilitar, e mesmo para viabilizar, os mais próximos, principalmente os familiares, deveriam apoiá-los com sua presença, solidariedade, compreensão.
Considerando que Cicero foi autor de obra poética e filosófica de envergadura, incluindo algumas reflexões sobre a eutanásia, suas últimas palavras não deveriam mesmo ser censuradas ou escondidas.
(JA, Out24)