Exercícios que alongam o corpo devem ganhar espaço na rotina
Desde a infância, a atividade física marca presença na vida do psicanalista e gerontólogo Fernando Aishi, de 36 anos, morador do Rio de Janeiro.
Flexibilidade nunca havia
sido um grande desafio para ele, mas tampouco era o foco do seu treino. Até que
as coisas mudaram, há pouco mais de dois anos, quando ele conheceu a ashtanga
yoga.
Essa modalidade de ioga
consiste em seis séries fixas de posturas, com um método de desenvolvimento
progressivo, que respeita os limites de cada indivíduo.
‘A minha evolução foi da água
para o vinho’, diz Fernando. ‘Observava os alunos fazendo movimentos incríveis,
e acreditava que nunca fosse conseguir fazer algo assim. A partir do momento em
que entendi que a prática precisa ser feita regularmente, e envolve toda uma
disciplina, comecei a progredir bastante. ’
Postulante a monge zen, o
carioca sentiu os resultados da dedicação: fortalecimento muscular, consciência
corporal, resistência, melhora do foco, e algo que nenhum exercício até então
tinha lhe proporcionado, flexibilidade. O que o psicanalista talvez não
sonhasse é que uma boa elasticidade corporal, não só facilita os movimentos na
lida diária, como está ligada a um conjunto mais amplo de benefícios à saúde.
Pois é, um estudo brasileiro
pioneiro indica que a flexibilidade física está diretamente associada a quanto
tempo de vida se tem pela frente. Em resumo, quanto mais você
consegue se esticar sem travas, mais velinhas de aniversário poderá assoprar.
A descoberta vem de uma
pesquisa liderada pelo médico Claudio Gil Araújo, da ‘Clínica de Medicina do
Exercício’ (Clinimex), no Rio de Janeiro, que também contou com a
colaboração de instituições do Reino Unido, da Finlândia, da Austrália, e dos
Estados Unidos. Para chegar aos achados, foram analisados dados de mais de 3 mil homens e
mulheres com idade entre 46 e 65 anos.
Araújo explica que a
flexibilidade é definida pela amplitude máxima de um dado movimento articular,
com o próprio esforço de um membro, sem auxílio externo. Além disso, o conceito
não deve ser entendido como um atributo único e genérico.
‘Você pode ser muito flexível
no tornozelo, mas não no ombro. Pode ser no tronco, mas não no quadril. Não se
trata de uma característica sistêmica, mas que varia entre as articulações, e
de um movimento para outro’, esclarece o pesquisador.
Para dar conta dessa
complexidade, Araújo aplicou nos voluntários do estudo uma metodologia capaz de
contemplar a elasticidade humana em toda a sua magnitude. A ferramenta
utilizada foi o Flexiteste, um esquema de avaliação que Araújo criou, ainda na
década de 1980, para analisar 20 movimentos.
As notas do teste, por sua
vez, subsidiavam um escore de flexibilidade corporal denominado Flexindex. Ele
leva em consideração a combinação de 20 movimentos, envolvendo sete articulações, resultando
numa faixa de pontuação de 0 a 80 — quanto maior o escore, mais flexível o paciente.
Ao cruzar os dados obtidos
junto aos milhares de participantes, Araújo e seu time constataram uma relação
inversa entre altas notas no Flexindex, e o risco de mortalidade precoce.
Sim, flexibilidade é vida!
Durante os 12 anos de acompanhamento médio do trabalho, 302 pessoas
morreram.
Comparando suas avaliações
com as dos sobreviventes — e excluindo o peso de fatores como idade, estado de
saúde e índice de massa corporal (IMC) —, a equipe observou que homens com pontuação baixa
apresentavam um risco quase duas vezes maior de morrer mais cedo, em comparação
com aqueles com boa flexibilidade. Entre as mulheres, o risco foi mais de
quatro vezes maior!
A conclusão da pesquisa, publicada
internacionalmente, chama a atenção para uma habilidade física nem sempre
trabalhada na rotina de treino — e, com frequência, negligenciada. ‘Flexibilidade
é autonomia, e precisa ser priorizada, tanto quanto os exercícios aeróbicos’,
defende Araújo.
O líder do trabalho reconhece
que existem obstáculos no caminho rumo a uma vivência mais maleável. Um deles é
sair da zona de conforto, uma vez que os efeitos do alongamento dependem de um
esforço, que pode ser incômodo a quem andava muito parado. Outro, é a suposta
falta de tempo. Os benefícios só vêm à tona quando a prática é regular:
portanto, devemos separar um espaço na agenda (e no treino) para alongamentos e
afins.
O empenho compensa. ‘A
flexibilidade ajuda a melhorar a amplitude de movimento das articulações, e dos
músculos em geral, reduzindo o risco de lesões, especialmente durante
atividades físicas, ou movimentos repentinos’, destaca o médico Gustavo
Starling Torres, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do
Esporte (SBMEE).
E não para por aí: a elasticidade corporal financia posturas mais corretas e menos dores, principalmente em regiões que são alvo de tensão, como a coluna, o pescoço, e os ombros. Se ficamos menos maleáveis com o envelhecimento — fato! —, isso só reforça a necessidade de recrutar ainda mais as atividades que atuam na mobilidade articular, assim como checar quão flexíveis estamos nas consultas periódicas.
Longevidade
e autonomia
De Minas Gerais, um dos
estados com a maior porcentagem de população idosa no Brasil, desponta uma
iniciativa que inspira. Há oito anos, o projeto ‘Universidade Amiga da Pessoa
Idosa’ reúne homens e mulheres longevos, em torno de atividades que permitem o
exercício da criatividade, desafiam os limites da força física, e estimulam a socialização.
A iniciativa, idealizada pela
gerontóloga Karina do Valle Marques, professora da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), já recebeu ao longo dos anos quase 500 pessoas.
A primeira etapa do programa
consiste em uma triagem que avalia as necessidades de cada um. A partir disso, são indicadas diversas aulas e
oficinas, incluindo artesanato, pintura, cultivo de plantas em horta, pilates,
além de uma boa dose de dinâmicas cognitivas, a chamada ‘academia do cérebro’.
Em uma fase da vida em que o
corpo teima em apresentar algumas limitações, o estímulo ao movimento se faz
presente, e vai além da sessão de alongamentos.
‘Cada idoso precisa ter um
plano de ação específico, considerando também sua flexibilidade’, afirma
Karina. Uns partem para a dança, outros para o pilates — e há quem participe de
ambos. ‘O importante é que cada indivíduo se encontre’, ressalta a professora.
Aguçar a elasticidade ajuda a preservar a independência funcional, driblando
limitações da idade, e permitindo a continuidade das tarefas do cotidiano sem
grandes entraves.
Professora aposentada, Fátima
Moreira Vieira, de 70 anos, conta que sentia falta de sair de casa, e de
ter uma agenda de compromissos, quando chegou ao projeto de Uberlândia, há dois
anos. As aulas de dança e ginástica com expressão corporal mudaram sua vida.
‘A flexibilidade vai
diminuindo com a idade. Então, se você fica parada, as coisas vão ficando mais
difíceis’, avalia. ‘Agora tenho visto melhoras. Os alongamentos ajudam em
movimentos que me dão autonomia e conforto. Sinto-me bem no final de cada dia’,
completa.
Para envelhecer bem, assim
como dona Fátima, é importante começar a cuidar do corpo desde cedo. De
preferência, na infância, quando ossos e músculos estão em constante
crescimento e desenvolvimento. Colocar a turminha para se esticar contribui
para estabelecer hábitos saudáveis, que irão perdurar a vida toda.
‘Crianças que desenvolvem uma
boa flexibilidade têm menos chances de apresentar problemas posturais, como
escoliose ou hiperlordose, que podem ser agravados por músculos tensos e
desequilibrados’, explica Torres. Segundo o diretor da SBMEE, manter uma boa
amplitude de movimentos também favorece a coordenação motora, essencial não só
para garantir segurança nos esportes, como para se sair bem numa série de
exigências do dia a dia.
Parte do treino
Os exercícios de
flexibilidade deveriam constar no rol de afazeres de qualquer um que se
aventura na academia, na pista de corrida, ou em um esporte amador. Eles fazem
diferença! O redator publicitário Emílio Lins de Sá Vieira, de 31 anos, assina
embaixo.
‘O alongamento auxilia
bastante no desempenho do treino, principalmente no sentido de evitar lesões e
câimbras’, afirma o mineiro, adepto da musculação há dez anos. Realmente, esse
tipo de movimento colabora para aliviar a tensão e a rigidez, e diminuir a
incidência de dores musculares e articulares.
Embora nas salas de ginástica
e estúdios haja sempre um cantinho para esticar o corpo, nem sempre são
disponibilizadas orientações sobre quais movimentos devem ser executados, ou a
duração específica de cada um deles, por exemplo. É por essas e outras que
bastante gente pula essa etapa, antes ou depois de suar a camisa.
Emílio conta que, apesar de
ter recebido instruções de educadores físicos, sentiu necessidade de recorrer à
internet em busca de informações e protocolos. ‘Quando deixo de fazer os
exercícios de flexibilidade, costumo ter dores na região da lombar. Então,
respeitar essa rotina é algo que me dá prazer, ao mesmo tempo em que me ajuda a
lidar com os incômodos musculares’, relata.
Para tornar o corpo mais
flexível, o ideal é fazer treinos específicos de alongamento, assim como são
feitas as séries de musculação, ou o exercício aeróbico.
‘O alongamento pode ser
incluído no processo preparatório de atividades, conhecido popularmente como
aquecimento’, diz Torres.
‘Ele visa preparar o sistema
muscular, ajudando-o a se adaptar às exigências que virão em seguida,
melhorando a amplitude dos movimentos e o desempenho’, continua o médico do
esporte.
Já no pós-treino, a técnica
pode fazer parte do método de relaxamento, conhecido também como ‘resfriamento’.
No entanto, é preciso ter uma dose de cuidado, pois a musculatura pode estar
fadigada e, por isso, mais suscetível a sofrer micro lesões, ou até mesmo
rompimentos em um músculo estirado. ‘Nessas horas, devemos privilegiar
movimentos mais leves, e com menor amplitude’, recomenda Torres.
Mas qual é a receita certa
para um bom alongamento? Quanto tempo esticar a perna ou o braço, por exemplo?
Eis uma dúvida comum, cuja resposta não é tão simples.
O período de extensão pode
variar de acordo com o objetivo, e o nível de maleabilidade de cada indivíduo, e
do tipo de atividade física envolvido. Existem pelo menos quatro modalidades,
das mais simples às mais avançadas. Então vamos por partes. No alongamento
estático, cada postura deve ser mantida de 15 a 60 segundos. Além disso, realizar de duas a quatro
repetições para cada grupo muscular pode ajudar a maximizar os benefícios.
Na versão dinâmica, por sua
vez, cada movimento deve ser realizado de cinco a dez vezes, por
aproximadamente 30 segundos. Já o modelo ativo-estático considera manter
a pose de 10 a 30 segundos, de maneira similar ao primeiro, mas
performado com contração muscular ativa, o que também ajuda no fortalecimento.
Por fim, o método mais
avançado, e de nome complicado, é a facilitação neuromuscular proprioceptiva.
Geralmente, o ciclo consiste em contrair o músculo por cinco a seis segundos,
seguido de um alongamento estático de 15 a 30 segundos.
Para não se machucar, algumas dicas são valiosas: evite focar apenas em áreas específicas do corpo, não prenda a respiração enquanto fica numa posição, fuja de movimentos rápidos e bruscos, e jamais force o corpo para além de seus limites naturais.
Aliás, assim que aprender os movimentos, vale a pena levá-los para casa ou trabalho. Ora, hoje grande parte das profissões depende de posturas um tanto quanto sedentárias, e tanto ficar sentado, como em pé por longos períodos (assim como realizar tarefas repetitivas), desemboca em tensão muscular.
Na contramão, o alongamento
estimula a circulação, aumentando o fluxo de sangue para a musculatura, e
minimizando a sensação de fadiga. ‘Trabalhar em um computador, ou em uma
estação fixa, costuma levar a posturas inadequadas. Fazer pausas para alongar
permite aliviar os incômodos, e até melhorar a concentração, e a produtividade’,
argumenta o especialista da SBMEE.
Cansaço, dor, falta de
energia, tensão muscular, formigamento, e sensação de rigidez, são apenas
alguns dos sintomas da falta de elasticidade. Ignorar os sinais de alerta do
próprio corpo é uma via perigosa, que conduz ao surgimento de problemas mais
chatos, como câimbras, hérnia de disco, distensão muscular, e outros tipos de
lesão.
Para além da prevenção desses perrengues pontuais, abraçar os exercícios de flexibilidade ganha agora um objetivo ainda mais nobre: somar pontos a uma vida mais longa — e sem amarras.
Fonte: Lucas Rocha | Veja Saúde
(JA, Out24)