Nos primeiros dias do 25 de Abril, Lisboa viveu o Carnaval da liberdade.
Acabava a ditadura mais longeva da Europa
Foi no dia 25 de abril de 1974, há 50 anos, em
Lisboa, uma quinta-feira, muito fria para a primavera. Um dos maiores dias de
quem o viveu e, talvez, o mais inesperado.
Na própria véspera, à noite,
eu passara casualmente pela porta da Pide, a monstruosa polícia política
portuguesa, no Chiado. Ao ver dois ou três daqueles tipos à porta –atarracados,
bigode grosso, suéter sob o casaco–, eu dissera à minha mulher: ‘Eles estão
aqui há 48 anos e vão ficar mais 48’. Pois nunca me enganei tanto.
À primeira hora da madrugada,
jovens oficiais do Exército, à frente de tanques e tropas, saíram de seus
quartéis, ocuparam as estações de rádio, o aeroporto e os bancos, neutralizaram
as forças paramilitares e invadiram os palácios, ministérios e secretarias do
governo.
Contrariando as ordens que
saíam dos megafones, o povo foi para as ruas. Cravos vermelhos tomaram a lapela
dos casacos e a boca dos canhões –daí a ‘Revolução dos Cravos’, como seria
chamada.
Estava derrubada a ditadura
mais longeva da Europa, instaurada em 1926 e, por 40 de seus 48 anos, comandada por um homem frio e inescrutável, um
eunuco triste, de muitas convicções: António de Oliveira Salazar.
Salazar morrera em 1970, mas seu
fantasma continuava a assombrar o país. O 25 de Abril de 1974, em maiúsculas, como ficou famoso, evaporou-o.
Salazarismo
Salazarismo marcou história
de Portugal com austeridade, autoritarismo e colonialismo
Regime liderado por António
de Oliveira Salazar durou mais de quatro décadas e deixou legado contestado até
hoje
Por mais de quatro décadas do
século 20, Portugal teve um sistema político autoritário representado pelo
ditador António de Oliveira Salazar, que governou com mão de ferro em um regime
conhecido como salazarismo. Sob sua liderança, a população portuguesa se viu
controlada pelo que ele descrevia como um Estado tão forte que não precisava
ser violento.
Também conhecido como Estado Novo, o salazarismo vigorou de 1933, com a aprovação de uma nova Constituição portuguesa, a 1974, quando foi derrubado pela Revolução dos Cravos. Foi um regime caracterizado por um forte autoritarismo, nacionalismo, conservadorismo social e econômico, e corporativismo.
Apesar da descrição de um governo que não apelava à violência, o regime ficou marcado pela repressão política, censura à imprensa e limitação das liberdades individuais. A polícia política, a Pide (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), era conhecida pela brutalidade na repressão de dissidentes e opositores políticos.
A Pide chegou a ter 20 mil agentes e
200
mil delatores. Ainda assim, o regime se baseava na tentativa de retirar a
política das ruas, dos jornais e das preocupações diárias dos portugueses,
buscando construir a ilusão de que o país vivia uma vida normal e sem
conflitos.
Nascido em 1889, Salazar
estudou na Universidade de Coimbra, e se tornou professor de economia. Segundo
o escritor português João Pereira Coutinho, trata-se de ‘um produto tipicamente
português’, pois não foi um homem do Exército, nem participou de agitação
retórica e revolucionária das ruas. Era um acadêmico, de formação católica ‘catapultado’
ao poder pelo fracasso da Primeira República.
Ele entrou para a política em
1926.
Foi nomeado ministro das Finanças em 1932 e, no ano seguinte, tornou-se presidente do Conselho
de Ministros, cargo equivalente ao de primeiro-ministro.
Sua chegada ao poder se deu
como parte de uma reação da direita portuguesa ao período de 17 anos de
instabilidade que se seguiu à deposição da monarquia e do rei Manuel 2º. Entre 1910 e 1926 foram 45 governos.
Conhecido como ‘ditador das
finanças’, forjou seu poder com base na austeridade fiscal, na retidão moral, e
na mitologia colonialista do país, implementando uma série de políticas que
moldaram Portugal durante décadas.
Ele consolidou seu poder, e
estabeleceu um regime no qual os sindicatos, as associações empresariais e
outras organizações, eram controlados pelo Estado. Adotou um modelo econômico
baseado no protecionismo, autossuficiência e controle estatal, o que foi
marcado por um desenvolvimento lento e uma distribuição desigual da riqueza.
Promoveu também uma forte
política colonialista, enfrentando conflitos na tentativa de manter o domínio
sobre territórios, especialmente na África. Entre 1960 e 1974, as
colônias consumiam 26% do orçamento público, sendo 86% para os
militares.
Apesar de ser associado a
outros ditadores do século 20, como Francisco Franco, da Espanha, e mesmo Benito
Mussolini, da Itália, Salazar nutria um perfil mais discreto, e voltado a uma
pretensa intelectualidade reclusa. Segundo o jornalista italiano Marco Ferrari,
biógrafo de Salazar, o português acreditava que outros governantes eram
incultos, e que não valia a pena perder tempo com eles. Com essa postura,
evitou entrar na Segunda Guerra Mundial, e não se alinhou nem com os Estados
Unidos nem com a União Soviética, durante a Guerra Fria.
Em agosto de 1968 Salazar
sofreu um AVC e, um mês depois, impossibilitado de reassumir a
chefia do governo, foi substituído por Marcelo Caetano, um dos quadros do
regime.
Morreu em 1970, mas o
salazarismo sobreviveria até 25 de abril de 1974, com a chamada Revolução dos Cravos, que pôs fim à
ditadura. Até hoje, data é uma das datas mais celebradas de Portugal.
O legado do salazarismo em
Portugal é complexo, e continua a influenciar diversos aspectos da sociedade
portuguesa.
De acordo com Coutinho,
Salazar ainda é visto por uma parte da sociedade como o responsável pela ‘longa
noite fascista’ em Portugal, mas é reconhecido por outros como o homem que
resgatou o país da falência econômica e política.
Revolução dos Cravos
Assim que as agências de
notícias começaram a transmitir a queda da ditadura portuguesa, a imprensa
mundial se apressou em mandar gente para cobri-la. Mas, mesmo que conseguissem
passagem para aquela noite, era inútil, porque os capitães e majores fecharam
as fronteiras para impedir que os ricaços ligados ao regime fugissem com o
dinheiro. E, como ninguém saiu do país, ninguém também entrou, nem mesmo os
líderes mais esperados pela população: o socialista Mario Soares e o comunista
Álvaro Cunhal.
Os dois, exilados havia anos,
só entrariam em Lisboa no dia 28, quando se abriram as fronteiras –Cunhal, de avião,
direto de Moscou, onde morava, e Soares, de trem, vindo de Paris, recebido por
seus correligionários que o foram esperar na fronteira com a Espanha e, aos
milhares, entraram em triunfo com ele em Lisboa.
Só naquele dia 28 chegaram os
repórteres, alguns, da imprensa internacional, tão famosos quanto seus jornais
ou revistas. Mas, nenhum tinha mais condições de avaliar aquele momento do que
os brasileiros, e não só pelas abjetas ligações de presidentes como Getúlio
Vargas e Juscelino Kubitschek com o ditador Salazar. Mas também porque o Brasil
vivia a pior época de sua própria ditadura, a dos anos Médici. Pois ali
estávamos nós, vendo ruir uma ditadura com trilha sonora em português.
A diferença entre as duas
ditaduras estava no grau de censura. Tivesse a Revolução dos Cravos acontecido
no Brasil, a imprensa portuguesa seria obrigada a escondê-la nas páginas
internas e minimizar sua importância.
Já a nossa imprensa,
amordaçada sobre outros assuntos, pôde celebrar a libertação portuguesa com
estardalhaço. A ‘Manchete’ foi para as bancas com 24 páginas de
texto e fotografias, complementadas por um artigo, ‘O dia mais longo de Lisboa’.
É incrível como a
reconstituição da história joga luz sobre fatos do passado que até então
pareciam sem importância. O 25 de Abril foi uma operação estritamente militar, e só
aconteceu porque, mesmo sentindo algo no ar, nenhum civil sabia quando, e se
seria deflagrada.
Anos depois, nas memórias de
Otelo, no livro ‘Alvorada em Abril’, foi informado que um dos points da
conspiração, entre os capitães e majores, era o snack-bar do centro comercial
Apolo 70, nas noites de sábado.
O Apolo 70 tinha também
um cinema, com uma programação de clássicos nos sábados à meia-noite, com um
filme por semana, começando por um ciclo com os dez musicais da dupla Fred
Astaire-Ginger Rogers. Pois só então, de acordo com Otelo, várias vezes
naquelas dez semanas, podia estar na mesa vizinha um grupo de rapazes de cabelo
reco, como o de Otelo, que discutiam seus planos para derrubar o regime.
Os primeiros dias pós-25 de Abril
foram o Carnaval da liberdade, com passeatas diárias, bandeiras de Portugal,
comícios em palanques improvisados, grupos cantando ‘Grândola, Vila Morena’ (o hino da revolução), faixas estendidas de um prédio ao outro com palavras de ordem, flyers
e panfletos atapetando o asfalto e milhares de jovens nas ruas –onde eles se
escondiam antes?
A cidade foi coberta por
pichações, com destaque para as do MRPP
(Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado), grupo de inspiração maoísta, e tão antissoviético
que se dizia financiado pela CIA. Era também chamado de MR-Pum-Pum, por pregar a luta
armada –naquela altura, não se sabia contra quem. O MR-Pum-Pum nunca
deu um tiro, mas foi marcante por seus belíssimos murais em vermelho e amarelo,
cobrindo largas fachadas. Não é possível conter um povo que passou 48 anos sem
vida, sem alegria e, de repente, vê-se sem peias e meias, aberto ao mundo, e
aos olhos fascinados do estrangeiro.
Tudo era motivo para euforia. A foto de um agente da Pide rendido, de mãos atrás da cabeça, calças arriadas, e cueca à vista, correu a cidade, desmoralizando a instituição.
A polícia, antes tão temida,
virou piada:
- Se denuncias um pide, ganhas 100 escudos [a moeda portuguesa na época].
- Se denuncias dois pides, ganhas 200 escudos.
- Se denuncias três pides, vais preso por conhecer pides demais.
Era um desafogo contra o que
a Pide representava –dizia-se que tinha 20 mil ‘colaboradores’ informais, nos escritórios,
fábricas, cafés, e até ao nosso lado no ônibus ou no bonde, espiando com o rabo
do olho, para saber o que estávamos lendo.
Daí outro grande momento ter
sido a vigília na noite do dia 26, à porta dos presídios do Peniche e de Caxias, para
assistir à saída das dezenas de presos políticos.
Quando os primeiros
despontaram das grades das fortalezas, a 1 minuto do dia 27, seus amigos e familiares se convenceram de que eram
mesmo novos tempos. Naquela madrugada, com o calor humano fazendo esquecer o
frio, ninguém se diria comunista, socialista ou social-democrata –todos eram
apenas democratas. Mas a suspeita de que não era bem assim não demorou a
surgir, quando os militares confiscaram os arquivos da Pide, e os partidos
começaram a disputar os fichários, já antevendo usá-los contra seus amigos de
véspera, e futuros adversários políticos.
Injustiças foram cometidas.
Abriu-se a temporada de caça aos ‘fascistas’, arrastando, tanto os que nunca
esconderam sua ideologia, quanto aqueles de quem se discordasse sobre o preço
do bacalhau.
O fado foi posto fora da lei
por seu caráter derrotista e resignado, como Salazar gostava. E Amalia
Rodrigues, sua grande estrela, e uma instituição mundial, foi publicamente
hostilizada, acusada de relações com o regime deposto. Não se sabia que,
enquanto aceitava formalmente as condecorações que o salazarismo lhe espetava,
Amália contribuíra em dinheiro com o clandestino Partido Comunista, e lutara em
segredo pela libertação de amigos presos.
O espírito do 25 de Abril
chegou ao apogeu no dia 1º de maio, data até então de comemoração proibida. Seu
principal cenário foi o ex-Estádio Nacional, já rebatizado como Estádio 1º de Maio, em
Alvalade, tomado por uma multidão.
De repente, em meio à massa,
ouviram-se grupos falando o português do Brasil. Eram os primeiros exilados
brasileiros que chegavam, vindos da Suécia, Alemanha, e outros países da
Europa, e, claro, do Chile –Salvador Allende caíra sete meses antes, o general
Pinochet tocava o terror, e muitos não tinham para onde correr. Em Portugal,
eles encontraram um refúgio irmão.
Naquele dia, as faixas
desfraldadas no estádio só falavam na liberdade. Era ainda o que importava. As
esquerdas, no entanto, não conseguem se entender –daí serem as esquerdas, no
plural, enquanto a direita é uma só–, e suas facções logo começaram a brigar.
Antigos aliados se juraram de morte. A tão ansiada unidade se dissolveu.
As correntes em luta já
estavam começando a contar as armas e, com o país às portas de uma guerra
civil, militares mais adultos e ponderados intervieram, e deram um basta
àqueles arroubos juvenis. Era o fim da Revolução dos Cravos, no dia 28 de novembro
de 1975.
Mas Portugal não voltou a ser
o país dos mortos-vivos, dos homens de cinza, e mulheres de preto, sem jovens
nas ruas, sangrado pelo atraso, pelo analfabetismo, e pela guerra colonial
anterior ao 25 de Abril. Instalou-se um civilizado regime de centro
que, com eleições livres e alternâncias razoáveis, manteve o poder pelas
décadas seguintes, gerando estabilidade, dinamismo e progresso.
Mas, no dia 25 de abril de 1999 –os 25 anos do 25 de Abril - não
havia festa. Para a maioria dos portugueses, os cravos não passavam agora de
uma murcha lembrança –a liberdade era dada de barato, o povo se habituara a
votar, o país seguia firme e forte. Mas, por que não comemorar?
De súbito, uma tímida
passeata despontou na avenida da Liberdade. Poucos participantes, marchando, todos
de idade avançada. Eram os que haviam sobrevivido aos rancores políticos dos
primeiros anos, e sabiam o que aquela data de 1974 significara.
Hoje, nos 50 anos do 25 de Abril, é
muito diferente. Os cravos já não pertencem à vida real, mas aos livros de
história. Uma geração inteira, ao ouvir falar deles por seus pais ou avós, quer
celebrá-los. As livrarias estão abarrotadas de livros a respeito, preveem-se
incontáveis debates, e haverá manifestações públicas. Nada será suficiente para
fazer justiça ao que aconteceu naquele dia.
Pois, espantosamente, em 2024 põe a
cabeça de fora o que se julgava expurgado da vida portuguesa: uma extrema
direita atuante, hidrófoba, nostálgica de um país que não conheceu e nunca
existiu, e movida a fake news e a ódio, à moda de Bolsonaro, Trump e –quem
diria– Salazar. Afinal, ele não fora evaporado.
Situação Atual
O cinquentenário da Revolução dos Cravos consagra o 25 de abril como a data maior do calendário cívico português. Há razão para isso: ela celebra a derrubada do mais longo dos regimes fascistas, o Estado Novo, proclamado por Salazar quatro décadas antes.
Seria como se o Estado Novo
de Vargas fosse espichado dos anos 1930 em diante –sem a abertura do pós-Guerra, sem Dutra, JK, Jânio nem
Jango– e se engatasse na ditadura de 1964. O salazarismo foi apoiado pelos Estados Unidos por
toda essa era de opressão.
‘Ditaduras desse tipo às
vezes são necessárias em países cujas instituições políticas não são tão
avançadas quanto as nossas’, explicou cinicamente, em 1960, o
presidente americano Dwight D. Eisenhower.
O fascismo luso atendia a
interesses ianques palpáveis. Dois anos antes do 25 de Abril, Washington usara as
bases portuguesas nos Açores para mandar armas a seu enclave no Oriente Médio,
Israel. Sem elas, os árabes poderiam talvez vencer a Guerra do Yom Kippur.
Em troca, a ditadura teve
carta branca para continuar explorando suas colônias na África, o que era
também do agrado dos EUA porque atravancava o avanço das guerrilhas amparadas
pela União Soviética em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.
A guerra d’além-mar foi o
motivo imediato do 25 de Abril. Se durante décadas o saque africano enchera
os cofres do salazarismo, em 1974 ele dava prejuízo. Um em cada quatro adultos, aptos
ao serviço militar, estava nas Forças Armadas, e 150 mil deles lutavam na África.
Segundo ‘O Império
Derrotado’, do historiador americano Kenneth Maxwell, em Angola um oficial
português ganhava menos que um porteiro; seu soldo era inferior ao de um
barbeiro em Moçambique.
Em contrapartida, metade do
gasto nacional ia para operações militares. A sangria se dava num país onde o
salário médio era um quinto do existente no Reino Unido, e 37% da população
não sabia ler.
A Revolução dos Cravos
começou como um golpe militar. Um grupo de oficiais, a maioria capitães,
insurgiu-se contra o sistema de promoções nas Forças Armadas, que lhe era
prejudicial. Fez um manifesto ambíguo em relação à guerra ultramarina, e pôs os
tanques na rua.
Apesar dos apelos para que
ficasse em casa, o povo saiu às ruas e pôs cravos nos fuzis dos rebeldes. A
polícia política deu uns tiros, e logo se rendeu, com apenas quatro mortos. Não
foi preciso guilhotinar ninguém. A aristocracia salazarista fugiu para o Brasil,
e a ditadura a acolheu no colo.
Dias depois, Portugal parou
para comemorar o 1º de Maio. E começou aquilo que o novo regime chamou de
‘Processo Revolucionário em Curso’ –algo que só se vira na Petrogrado de 1917, dois anos
depois em Berlim e, em 1936, em Barcelona, na aurora da guerra civil espanhola.
Houve milhares de greves
selvagens. Fábricas e empresas foram ocupadas. Camponeses expropriaram terras.
Estatizaram-se bancos. Moderados tiveram de sair do governo. Embriões de
sovietes pipocaram ali e acolá.
Henry Kissinger, o arauto das
trevas da diplomacia americana, percebeu o perigo e disse ao presidente Gerald
Ford: ‘Em dez anos poderemos ter de enfrentar uma Europa socialista’. Mesmo o
manso Mario Soares, líder do Partido Socialista, de início pregou um Portugal
‘sem classes’.
Até o colapso do capitalismo,
no continente onde nascera, parecia possível. Dependia do povo português.
Porque, como diz a letra de ‘Grândola, Vila Morena’, a canção que serviu de
senha para os capitães tomarem Lisboa no 25
de Abril, ‘o povo é quem mais ordena’.
No povo cabiam os sem-terra
do sul, operários de Lisboa, e estudantes das grandes cidades, que gritavam ‘o povo, unido, jamais será vencido’.
Cabiam também os pequenos
proprietários rurais, do centro e do norte, sensíveis ao anticomunismo dos
curas da igreja. Ali, a palavra de ordem era ‘patrão
amigo, o povo está contigo’.
Mario Soares e o OS, um ano
depois da Revolução dos Cravos, fizeram da liberdade a bandeira da sua campanha
para a Assembleia Constituinte. O partido teve 38% dos votos e virou governo. O
povo não queria ordenar; queria ordem.
Portugal veio a se integrar à
Europa do status quo. A igualdade não veio, mas nem todos estão satisfeitos.
Nas últimas eleições, em março, 18% dos votantes escolheram o ‘Chega’, partido nostálgico
do salazarismo, xenófobo e racista.
Ainda assim, Portugal está melhor que o Brasil. Aqui, quase metade dos eleitores votaram em Bolsonaro, que não só defende a ditadura, como armava um golpe para reimplantá-la.
Cronologia
do Salazarismo
28.abr.1889 - Nascimento de António de Oliveira Salazar
5.out.1910 - Portugal torna-se uma república após a queda da monarquia
28.mai.1926 - Golpe militar dissolve o Parlamento e instaura uma ditadura em Portugal
1928 - Salazar é nomeado ministro das Finanças
1932 - Torna-se presidente do Conselho de Ministros, consolidando-se como ditador de Portugal
11.abr.1933 - A Constituição de 1933 entra em vigor fundando o Estado Novo, um regime autoritário e corporativista
3.ago.1968 - Salazar sofre um AVC e deixa o cargo de presidente do Conselho de Ministros; em seu lugar assume Marcelo Caetano
27.jul.1970 - Salazar morre em Lisboa
25.abr.1974 - A Revolução dos Cravos derruba o Estado Novo, levando à transição para a democracia em Portugal
11.mar.1975 - Tentativa de golpe liderada pelo general António de Spínola para reverter os rumos da Revolução dos Cravos
25.abr.1975 - São realizadas as primeiras eleições livres em Portugal
Fonte:
Ruy Castro, jornalista e escritor, autor, entre outros, de ‘Os perigos do
Imperador — Um Romance do Segundo Reinado’, ‘A Vida por Escrito — ciência e
arte da biografia’; Mario Sergio Conti |
FSP
(JA, Abr24)