Às vezes consigo olhar a minha
realidade atual com os olhos do passado.
Para aquele garoto que fui, nada do
que sou, tenho hoje, faz sentido. Como
vim parar aqui? Não tem nada a ver com aquele jovem. Ele só tinha sonhos,
ainda não muito definidos. Sabia que se se empenhasse, se dedicasse, iria conseguir
alcançar alguma coisa. Mas na época nunca conseguia definir exatamente o quê.
Sabia que queria reconhecimento, respeito,
estabilidade, capacidade financeira, mas não tinha ideia de como.
Hoje, olhando ao meu redor, vejo que
tenho um pouco de tudo isso que queria, mas que nunca havia imaginado como
seria.
O garoto do passado ficaria
estarrecido se, naquela época, essa que é minha realidade atual fosse colocada para
ele como meta de vida. Não vou conseguir! Isso é impossível!
Mas consegui, foi possível. Até recentemente, nunca
olhei para trás. Olhei sempre para o que poderia vir em seguida, para o que teria
que fazer para realizar. Aos poucos, com
dificuldade, trabalho persistência, fui conseguindo alcançar. Para mim isso é
espetacular.
Entretanto, é espetacular só para
mim. Para os demais, para aqueles que compartilham a minha vida nesta fase, não
há mérito nenhum. Do ponto de vista deles, sou uma pessoa normal. Aliás, abaixo
do normal pois tenho inúmeros defeitos, sendo que um deles é atual autoestima,
supervalorizada.
E interessante esse pensamento porque
eles, pelo simples fato de participarem desta minha realidade deveriam se
sentir supervalorizados também. Afinal, fazem parte de uma vida de alguém que
se superou, que foi além do previsto, do que naturalmente seria possível.
Mas compreendo. Certamente cada um deles
tem a sua própria história, seus próprios sonhos. E neles, não são coadjuvantes,
são os protagonistas.
Concluí que o mais adequado é que eu assuma um papel mais secundário, dar espaço para eles agir como julgarem melhor, conseguir se
superar, alcançar aquilo que devem merecer.
Nessa parte lembro sempre de meu pai. Ele, em determinadas situações, não criticava minhas falas, meus atos. Creio que nesses momentos, embora considerasse que o que eu pretendia fazer ou tivesse feito não era o correto, entendia que não iria adiantar aconselhar, recomendar, recriminar. Que era preciso dar tempo para eu mesmo descobrir, reconhecer e aprender com o erro - como aconteceu, algumas vezes anos depois, até mesmo após a sua morte. Eu o admiro por isso, pela sua sabedoria, paciência, generosidade.
Chegando nos meus 80 anos, quando o
corpo sente os efeitos do tempo acumulado, aceito que a minha época
de lutar para realizar está acabando. A minha capacidade, força de
interferência, nestas alturas já está no nível mínimo.
Com esse pensamento, procuro incentivar, a apoiar, raramente criticando, aqueles com os quais convivo. Procuro dar espaço para eles seguirem suas próprias intuições, decisões pessoais, deixando o tempo passar, que as coisas se acomodem, desejando que todos realizem o seu destino naturalmente, da melhor maneira possível.
Espero que eles, ao chegarem à minha idade, possam olhar para trás e sentir o que eu senti, e poderem concluir também:
‘Fiz muito mais do que imaginava poder conseguir’.
Obrigado a todos que me ajudaram na
minha formação, que acreditaram no meu potencial, que me apoiaram e
incentivaram - principalmente nos momentos mais difíceis, decisivos, enfim aos que participaram de alguma forma na construção da minha história, mesmo que inconscientemente, e também
aos que conseguiram ler este texto até o fim.
(JA, Nov20)