Fã de Clarice
Lispector chora ao se sentar junto à estátua da escritora no Rio
A emoção de estar tão próxima
da escritora pela qual ficou encantada quando tinha 14 anos de idade
levou às lágrimas a educadora ambiental Elisabeth Carvalho.
Ela saiu cedo de Vila Isabel,
na zona norte da cidade, com a mãe, Léa, para conhecer a estátua de Clarice
Lispector – inaugurada em 2016, no Leme, zona sul do Rio de Janeiro. ‘É uma paixão
de tantos anos’, destacou. Aos 14 anos, Elisabeth leu e registrou na memória parte da
obra de Clarice intitulada ‘Uma Aprendizagem’, ou ‘O Livro dos Prazeres’. ‘O
livro fala que a gente deve viver, apesar de. E, ultimamente, eu estou
repetindo isso muito - a gente deve viver, apesar de; que a gente deve amar,
apesar de.’, contou Elisabeth.
A ideia de homenagear Clarice
Lispector, que morou no Leme durante 12 anos, partiu da professora de literatura Teresa
Monteiro, biógrafa de Clarice, e foi encampada, entre outras pessoas, pela
atriz Beth Goulart, que representou a escritora no teatro. Juntas, elas fizeram
um abaixo-assinado para que a estátua de Clarice, com o cachorro Ulisses, fosse
erguida. ‘Foi um conjunto de forças, união de várias pessoas’, conta Teresa.
Quando o artista Edgar
Duvivier foi convidado para esculpir a estátua, como não havia patrocínio, ele
produziu 40 miniaturas de Clarice com o cachorro que foram vendidas para
admiradores da escritora, conseguindo assim o dinheiro necessário. ‘Hoje, nós
temos a estátua de Clarice e de Ulisses. Está sendo um sucesso’.
A professora Teresa Monteiro promoveu por nove anos o passeio guiado ‘O Rio de Clarice’, que percorria os caminhos da escritora pela cidade, da Tijuca ao Leme. No Jardim Botânico, Teresa conseguiu criar o Parque Clarice Lispector, onde os bancos homenageiam a escritora ucraniana, naturalizada brasileira, com frases de sua autoria, entre as quais:
‘Sentada
ali no banco, a gente não faz nada: fica apenas sentada deixando o mundo ser’.
Teresa mudou-se para o Leme
há dois anos e pretende retomar os passeios guiados a partir de julho, após
entregar à editora o livro que está finalizando sobre os caminhos de Clarice
Lispector na cidade. Como a estátua é mais um incentivo, ela espera que os
passeios voltem a ser frequentes. No Leme, o passeio começa na banca de jornal
do Zé Leôncio, na Rua Gustavo Sampaio, 223, também conhecida como Sebo Clarice Lispector, e
segue até o Caminho dos Pescadores Ted Boy Marino, onde a estátua foi colocada.
‘O projeto não visa só a
cultuar a memória da escritora Clarice Lispector, mas a fazer esse vínculo com
a cidade, com a cidadania’, ressaltou Teresa. Para a biógrafa, a estátua da autora
significa trazer cultura para as pessoas, com ações educativas. ‘É muito mais
amplo; é o olhar do cidadão; é colaborar para a cidade ter mais arte’.
Clarisse foi uma escritora e
jornalista ucraniana naturalizada brasileira. Autora de romances, contos e
ensaios, é considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do
século 20 e a maior escritora judia desde Franz Kafka. Sua obra está repleta de
cenas cotidianas simples e tramas psicológicas, reputando-se como uma de suas
principais características a epifania de personagens comuns, em momentos do
cotidiano. Quanto às suas identidades nacional e regional, declarava-se
brasileira e pernambucana.
Nasceu em uma família judaica
russa que perdeu suas rendas com a Guerra Civil Russa, e se viu obrigada a
emigrar em decorrência da perseguição a judeus, à época, a qual resultou em
diversos extermínios em massa. Especula-se que a mãe de Clarice teria sido
violada por soldados russos durante a Primeira Guerra Mundial.
A futura escritora chegou ao
Brasil, ainda pequena, em 1922, com seus pais e duas irmãs. Clarice dizia não ter
nenhuma ligação com a Ucrânia – ‘Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui
carregada no colo’ - e que sua verdadeira pátria era o Brasil.
Inicialmente, a família
passou um breve período em Maceió, até se mudar para o Recife, onde Clarice
cresceu e onde, aos oito anos, perdeu a mãe. Aos quatorze anos de idade
transferiu-se com o pai e as irmãs para o Rio de Janeiro, local em que a
família se estabilizou e onde o seu pai viria a falecer, em 1940.
Estudou Direito na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, conhecida como Universidade do Brasil,
apesar de, na época, ter demonstrado mais interesse pelo meio literário, no
qual ingressou precocemente como tradutora, logo se consagrando como escritora,
jornalista, contista e ensaísta, tornando-se uma das figuras mais influentes da
Literatura brasileira e do Modernismo, sendo considerada uma das principais
influências da nova geração de escritores brasileiros. É incluída pela crítica
especializada entre os principais autores brasileiros do século 20.
Jornalista
Em 1940, aos
dezenove anos, seu interesse por Direito havia diminuído ao passo que aumentara
sua atenção à Literatura, de modo que ela publicou, em 25 de maio, seu
primeiro conto conhecido, Triunfo, na revista Pan, no qual descreve os
pensamentos de uma mulher abandonada por seu companheiro. A posição política da
revista de apoio aos regimes ditatoriais, que era semelhante às de outras
revistas desse período, todas censuradas, não foi levada em conta por Clarice
ao publicar o conto.
Em agosto, seu pai passou mal
e foi levado a um médico, o qual lhe informou que sua vesícula biliar
precisaria ser retirada através de uma cirurgia considerada simples, que foi
marcada para 23 de agosto. Após voltar da clínica com uma forte dor,
Pinkhas Lispector morreu três dias depois, em 26 de agosto de 1940, aos 55 anos.
Tania, por já estar casada e
ter uma residência, foi quem a partir de então tomou conta das duas irmãs,
insistindo para que elas fossem morar com ela e seu marido no apartamento nos
arredores dos jardins do Palácio do Catete (mais
precisamente na rua Silveira Martins).
Devido ao pequeno tamanho do imóvel, Elisa teve que dormir na sala e Clarice no
quarto de empregada, lugar onde passava o tempo estudando e escrevendo.
Nessa época, insatisfeita com
o trabalho de escritório, ela buscou entrar na área do jornalismo, apesar das
dificuldades levantadas às mulheres. De acordo com o que diria anos mais tarde
em uma entrevista, passou a andar pelas redações de revistas oferecendo seus
contos, até que provavelmente um dia chegou à redação da revista Vamos Ler!,
direcionada ao público masculino de classe alta.
A imprensa na época era
estritamente censurada pelo governo de Getúlio Vargas, e estava sob o jugo do
órgão recém-criado do Departamento de Imprensa e Propaganda, que permitia a
circulação de determinados periódicos, como a Vamos Ler!, em cuja redação
Clarice mostrou seus textos ao jornalista Raimundo Magalhães Júnior, secretário
do ministro de Propaganda, Lourival Fontes.
O primeiro texto publicado na
revista foi provavelmente ‘Eu e Jimmy’, em 10 de outubro de 1940, um conto com temática feminista centrado na relação
amorosa entre um homem e uma mulher. Depois disso, de acordo com Tania, Clarice
procurou contatar Fontes para conseguir entrar definitivamente na imprensa.
Apesar das dificuldades para
entrar na área, na qual, de acordo com Tania, ‘você não fazia nada se não
tivesse relações’, Clarice buscou entrar em contato com Fontes, o qual gostou
dela e a contratou para trabalhar como tradutora na Agência Nacional, uma
agência de notícias do governo. Como não havia vaga para tradutor, foi
designada como editora e repórter, a única mulher ali que ocupava tal cargo.
Na equipe da Agência
Nacional, conheceu Lúcio Cardoso, um escritor e jornalista mineiro, então com 26 anos, já
respeitado no meio literário. Desenvolveu uma forte amizade por ele, que
compartilhava dos mesmo gostos literários que ela, e chegou a desenvolver uma
paixão não-correspondida, pois Cardoso era homossexual. A amizade com Cardoso e
com o restante da equipe abriu-lhe novas possibilidades profissionais e
literárias, que fizeram com que ela passasse então a escrever e publicar
prolificamente.
Em 1941, o trabalho
como repórter fez com que ela fosse enviada para diversas localidades, como,
por exemplo, à inauguração privada do Museu Imperial em Petrópolis, em 1º de maio, onde
conheceu Getúlio Vargas; e a Belo Horizonte, em julho. Durante as viagens,
publicou textos em periódicos de diversos lugares.
Em 19 de janeiro,
publicou o artigo ‘Onde se ensinará a ser feliz’ no periódico paulista Diário
do Povo, sobre um evento presidido pela primeira-dama Darcy Vargas.
Em 9 de agosto, o
conto Trecho sai pela ‘Vamos Ler!’, sobre a espera de uma mulher por seu
companheiro em um bar; no dia 30, ‘Cartas a Hermengardo’, na verdade uma trilogia de
textos, sai no semanário Dom Casmurro, destinado ao público jovem da classe
alta, versando sobre uma mulher que aconselha um homem a ouvir seus instintos.
No mesmo ano também escreveu
outros contos que seriam publicados somente na sua coletânea póstuma ‘A Bela e
a Fera’ (1979): em setembro, ‘Gertrudes pede um conselho’; em
outubro, seu conto de juventude mais longo, ‘Obsessão’, cujo protagonista,
Daniel, reaparecerá em seu segundo romance, ‘O Lustre’ (1946), anos
mais tarde. O personagem era baseado em Cardoso, um homem pelo qual a narradora
apaixona-se e que a guia; e em dezembro, ‘Mais dois bêbados’.
Também dá partida a novos
projetos na universidade, ainda objetivando o sistema penitenciário, através da
colaboração com a revista universitária A Época, onde publicou os ensaios
Observações sobre o fundamento do direito de punir, em agosto, e’ Deve a mulher
trabalhar?’, em setembro.
O primeiro ensaio chamou a
atenção de estudiosos posteriores por dizer que ‘O homem é punido pelo seu
crime porque o Estado é mais forte que ele, a Guerra ... não é punida porque,
se acima dum homem há os homens, acima dos homens nada mais há’, o que foi
interpretado tanto como uma justificativa filosófica e maquiavélica para a
ditadura e o nazismo, quanto um eco de um ateísmo incipiente de Clarice.
Depois desse afastamento, no
entanto, na mesma ela época passou a aproximar-se novamente da religião através
de leituras de Franz Kafka, também judeu, e do filósofo Baruch de Espinoza, do
qual foi encontrada, na biblioteca de Clarice, uma antologia francesa datada de
14
de fevereiro de 1941, que inspirou a escrita de seu primeiro romance, ‘Perto
do Coração Selvagem’ (1942).
Perto do
Coração Selvagem
Por intermédio de Cardoso,
passou a frequentar o grupo de amigos que se encontrava no bar Recreio, na
Cinelândia, e era composto por literatos como Vinicius de Moraes, Cornélio
Pena, Rachel de Queiroz e Otávio de Faria. Através da Agência Nacional também
conheceu o poeta Augusto Frederico Schmidt, que foi entrevistado por ela a
propósito de fibras industriais, mas que, frente à admiração que Clarice
expressou por sua poesia, deu início a uma amizade com ela que duraria o resto
de sua vida.
Os textos escritos para a
Agência Nacional nessa época seguem a linha editorial feita para agradar a
censura do regime de Vargas, resumindo-se a entrevistas com coronéis e generais
estrangeiros de passagem pelo Brasil e de coberturas de inaugurações de locais
ligados ao governo.
Com o primeiro salário de
jornalista comprou o livro ‘Felicidade’, de Katherine Mansfield, que a
influenciaria ao longo da vida e sobre o qual comentou, em sua primeira
leitura: ‘Este livro sou eu!’
Ao final do ano, com a paixão
por Cardoso superada, iniciou um relacionamento amoroso com Maury Gurgel
Valente, futuro marido e então colega universitário de direito. Maury, nascido
em 1921 no Rio de Janeiro. Ele iniciou o curso em 1938, um ano
antes dela, e mudou-se de países quase tanto quanto Clarice na infância.
Em 1942, passou as
duas semanas das férias de janeiro na fazenda Vila Rica, em Avelar, no Rio de
Janeiro, de onde manteve correspondência com Maury. Os dois ansiavam por se
casar, mas ele havia sido aprovado em agosto de 1940 no exame para o serviço
estrangeiro, transformando-se em diplomata brasileiro e proibido, portanto,
pela legislação da época, de se casar com uma estrangeira, no caso Clarice,
ainda não naturalizada brasileira.
A naturalização só poderia
ser requerida após o aniversário de 21 anos, em 10 de dezembro de 1941, e o pedido foi organizado logo depois por Samuel
Malamud, advogado, e amigo da família. Em suas tentativas de
apressar o processo, chegou a escrever a Getúlio Vargas, pois ele havia
perguntado o motivo de ainda não estar naturalizada, mas o processo seguiu o
tempo normal.
Em fevereiro, transferiu-se
para a redação do jornal A Noite, cuja redação era dividida com a Vamos Ler! e,
assim como esta, era uma extensão do órgão governamental para o qual a Agência
Nacional também trabalhava. Em 2 de março, ganhou seu primeiro registro profissional,
trabalhando oficialmente como redatora sob salário de 600 mil réis.
Teve o primeiro contato com
textos de escritores modernistas como Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Manuel
Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, através de leituras feitas com o amigo
Francisco de Assis Barbosa. Este último aconselhou-a no processo de escrita de
seu primeiro romance.
Em março, começou a planejar
seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, concluído em novembro e
constituído basicamente de rascunhos e escritos separados, unidos em um livro
por sugestão de Lúcio Cardoso, que também sugeriu um título, ‘Perto do Coração
Selvagem’, retirado de uma passagem do livro Retrato do Artista Quando Jovem,
de James Joyce, cujas técnicas, para Cardoso, remetiam às de Clarice. O crítico
Álvaro Lins classificou Perto do Coração Selvagem como ‘[o primeiro romance
brasileiro] dentro do espírito e da técnica de Joyce e Virginia Woolf’.
‘Perto do Coração Selvagem’ –
foi publicado em 1944. No ano seguinte, a escritora ganhou o Prêmio Graça
Aranha, da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Casamento e Diplomacia
Em 12 de janeiro de
1943,
obteve a naturalização e, em 23 de janeiro, em cerimônia civil, casou-se com Maury
Gurgel Valente. Os dois mudam-se temporariamente para a casa dos sogros, Mozart
e Maria José Gurgel Valente, no bairro da Glória, e depois para a rua São
Clemente, em Botafogo.
Em 3 de maio,
recebeu a carteira profissional do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio. Em 17 de dezembro, ela e seu marido formam-se em Direito.
Eles não compareceram à cerimônia de colação de grau.
Perto do Coração Selvagem foi
encaminhado para os dirigentes do jornal A Noite, que também contava com uma
editora, através da qual foi publicado em dezembro de 1943, com
impressão de mil exemplares. A pressão dos jornalistas fez com que o livro
fosse publicado, dando à autora cem exemplares em troca dos direitos de venda e
lucros posteriores, os quais foram enviados por ela a críticos.
A publicação foi recebida com
furor no meio literário, causando principalmente elogios da crítica
especializada e comparações com escritores europeus como Virginia Woolf, James
Joyce, Jean-Paul Sartre e Marcel Proust, o que irritou Clarice, que anos mais
tarde negaria a influência, e afirmaria na época não ter lido nenhum livro
desses autores. Também então começou um processo de mitificação da autora
através do início dos boatos de que Lispector era um pseudônimo de um escritor
famoso. A principal crítica negativa, de Álvaro Lins, sugeria que ‘temperamentos
femininos’ enfraqueciam a obra.
Em 11 de janeiro de
1944,
adotou o nome de casada na carteira de trabalho, Clarice Gurgel Valente. No dia
19,
mudou-se, sob licença do A Noite, para Belém com o marido devido a suas funções
como vice-cônsul. Por essa época, sem ocupações profissionais, dedicou-se à
leitura de escritores que desconhecia, como Jean-Paul Sartre, Rainer Maria
Rilke, Marcel Proust, Rosamond Lehmann e Virginia Woolf.
Em maio, mostrou algumas
partes de seu segundo livro, ‘O Lustre’, para Cardoso. Em 5 de julho, um
mês após o fim da Segunda Guerra Mundial, recebeu a notícia de que seu marido
seria transferido para o consulado brasileiro na comuna italiana de Nápoles.
Em 19 de julho, o
casal, após alguns dias no Rio de Janeiro, começou a viagem, parando em uma
base norte-americana em Parnamirim, Natal, onde esperariam transporte, que
chegaria primeiro a Maury, e mais tarde a seus dependentes, no caso Clarice,
seguindo as ordens enviadas pelo governo.
Em 30 de julho,
embarcou, e no dia seguinte chegou à Libéria, em uma base da força aérea dos
Estados Unidos em Fisherman’s Lake. Em 1 de agosto, parou em Bolama, na Guiné portuguesa, e
foi para Dakar, no Senegal, onde ingressou em um avião particular que a levou a
Lisboa, Portugal.
Em Lisboa, atendeu a um
jantar dado pelo poeta e diplomata brasileiro Ribeiro Couto, no qual
compareceram o biógrafo João Gaspar Simões, a romancista Maria Archer e a poeta
Natércia Freire, com a qual estabeleceria uma longa amizade.
Depois de uma semana e meia,
seguiu para Casablanca, Marrocos, e depois para Argel, Argélia, onde se
hospedou na casa de seu sogro, Mozart Gurgel Valente. Em 24 de agosto,
acompanhada de Mozart e do amigo da família Vasco Leitão da Cunha, chegou a Nápoles
na Itália, onde morou na rua Gianbattista Pergoless.
Requisitou às autoridades
militares permissão para poder fazer trabalho comunitário em ajuda às
enfermeiras em um hospital norte-americano em Nápoles, para onde os casos de
guerra mais graves eram enviados. Visitou diariamente o hospital, escrevendo e
lendo cartas para os soldados e fazendo o que eles necessitassem.
O Lustre
Em outubro, ‘Perto do Coração
Selvagem’ ganhou o Prêmio Graça Aranha de melhor romance do ano. Em novembro, ‘O
Lustre’ foi concluído, escrito de forma linear, ao contrário do anterior.
Esperou que, com o sucesso de seu primeiro livro, pudesse escolher entre
editoras e publicar na José Olympio, mas enganou-se, e teve que publicá-lo na
editora católica Agir, com ajuda de Cardoso.
Em 1945 intensificou a correspondência com os amigos brasileiros, recebendo cartas e livros de, entre outros, Manuel Bandeira, de quem recebeu Poesias completas e Poemas traduzidos. Também passou a reler escritores como Proust, Kafka e a poesia de Emily Brontë, traduzida por Cardoso.
Em 8 de maio de 1945, no
fim da Segunda Guerra Mundial, em Roma, por sugestão de um amigo em comum,
conheceu o pintor surrealista Giorgio de Chirico, que pintou seu retrato, o
qual, tanto quanto o artista, não a agradou muito.
Fez viagens pela Itália por
Florença, Veneza e novamente Roma, visitando também Córdoba, na Espanha.
Conheceu também o poeta e professor italiano Giuseppe Ungaretti. Adotou um cão
vira-lata que encontrou em Nápoles, chamado de Dilermando e que inspiraria
alguns textos.
Em 23 de novembro,
Manuel Bandeira enviou uma carta pedindo o segundo romance e alguns poemas para
publicação em antologia. Em resposta à leitura desses poemas, Bandeira enviou
uma carta criticando fortemente a poesia de Clarice, o que fez com que ela
queimasse todos os poemas que havia escrito. Mais tarde, Bandeira lamentaria
ter feito aquele comentário, dizendo: ‘Você é poeta, Clarice querida. Até hoje
tenho remorso do que disse a respeito dos versos que você me mostrou. Você
interpretou mal as minhas palavras [...] Faça versos, Clarice, e se lembre de
mim’.
Por essa época, em suas
cartas, Clarice passa a demonstrar saudades do Brasil e inquietação quanto à vida
diplomática. Em dezembro, Maury é promovido a cônsul de segunda classe.
No início de 1946, ‘O Lustre’
é publicado. Clarice é enviada como correio diplomático do Ministério das
Relações Exteriores ao Rio de Janeiro entre janeiro e março, em uma rápida visita,
durante a qual conheceu novos amigos que marcariam sua vida. Entre outras
pessoas, conheceu Bluma Chafir Wainer, esposa do jornalista Samuel Wainer,
Rubem Braga, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo
Mendes Campos, com quem Clarice teria um romance, após separar-se do marido.
Em 8 de março, é
noticiada a transferência de Maury para Berna, Suíça. No dia 21, Clarice
volta à Itália através do Egito, onde conheceu a esfinge de Gizé. Ao chegar a Nápoles,
a mudança já estava preparada e, devido a um rumor falso de que os hotéis
suíços não aceitavam cães, teve que abandonar Dilermando.
Em Berna, mudou-se primeiro
para o hotel Bellevue-Palace e depois para a rua Ostring. Enfrenta novas
dificuldades de adaptação, e passa a frequentar os cinemas quase diariamente.
Também começa novas leituras de autores como Henrik Ibsen, Theodore Dreiser,
Jean Cocteau e Simone de Beauvoir.
Continua escrevendo e publica
alguns contos no jornal carioca A manhã, no suplemento Letras e Artes: O crime,
em 25
de agosto, inspirado no abandono de seu cão. e que mais tarde seria reescrito
como ‘O crime do professor de Matemática’, seria o primeiro conto do livro
Laços de Família. ‘O jantar’ é publicado em 13 de outubro.
Nesta época a escritora, mais
uma vez, nega conhecer Sartre, quando, na verdade, o conhecia suficientemente
até para dele se diferenciar, pelo menos desde o seu segundo livro, O Lustre,
conforme ela mesma afirmou mais tarde: ‘Acontece que só vim a saber da
existência de Sartre no meu segundo livro’. (Cf.
BORELLI, 1981, p. 66). De acordo com
Nádia Gotlib, inclusive, ‘uma das possíveis razões de o livro ter sido bem
recebido na França pode ter sido mesmo a ideia de que teria tido ele influência
do existencialismo’ (GOTLIB, 1995, p.
340). Muitos dos trabalhos críticos sobre
a obra da autora confirmam a relação daquela com a filosofia existencialista de
Sartre.
Um adendo: além de ‘O Lustre’,
a obra de Clarice ‘A Maçã no Escuro’ é também entendida como influenciada pelo
pensamento filosófico de Sartre. Guimarães compara ‘A Maçã no Escuro’ ao
romance de Sartre ‘A náusea’ e nota traços de esquizofrenia em Martim, por este
apresentar pensamento fragmentado, com ausência de elos. Segundo Guimarães, a
consciência tanto de Martim quanto de Roquentin (protagonista do romance de Sartre),
‘opera por contiguidade, adesão, coexistência em relação aos circunstantes e
não por identificação, à maneira psicanalítica’. No mais, muitos críticos
literários discutiram a influência do existencialismo de Sartre e da discussão
e papéis femininos/masculinos de Simone de Beauvoir nas narrativas de Clarice
Lispector.
Neste contexto, e feitas
estas considerações pertinentes, é possível pensar uma influência da filosofia
formulada por Sartre, Simone de Beauvoir e outros, na obra de Clarice, embora
fosse temerário considerar a autora como adepta do existencialismo. A verdade é
que a filosofia existencialista de Sartre marcou profundamente a geração de
intelectuais contemporâneos de Clarice Lispector.
No fim do ano de 1946, frequenta
o terapeuta Ulysses Girsoler. Ela e Maury passam o réveillon na França, com o
casal Wainer, a convite de Bluma.
Maturidade e
morte
Em 10 de agosto de 1948, nasce em
Berna, Suíça, o seu primeiro filho, Pedro Lispector Valente. Em 10 de fevereiro
de 1953, nasce Paulo Lispector Valente, o segundo filho de Clarice e Maury, em
Washington, D.C., nos Estados Unidos.
Quando criança, seu filho
mais velho, Pedro, se destacava por sua facilidade de aprendizado e bom
comportamento, porém, na adolescência, sua falta de atenção nos estudos e
extrema ansiedade acompanhada de agitação consigo mesmo e com a família, foram
diagnosticadas como esquizofrenia. Clarice se sentia culpada, sem saber o
porquê, pela doença mental do filho, e teve dificuldades para lidar com a
situação, recorrendo a psicólogos, psiquiatras e internações, pois o menino era
muito agressivo.
Em 1959, Clarice
separa-se do marido, devido ao fato de ele estar sempre viajando a trabalho,
exigindo que ela o acompanhasse todo o tempo. Não querendo abrir mão de sua
carreira e querendo cuidar do filho esquizofrênico em um local fixo, sem as
constantes viagens, que deixavam o menino mais nervoso, sem as constantes
mudanças de escola do outro filho, que não estava fazendo amizades, e cansada
das desconfianças e ciúmes do marido, Clarice deu um fim na relação.
O ex-marido ficou na Europa,
e ela voltou a viver permanentemente no Rio de Janeiro com seus filhos, indo
morar com eles em um apartamento no Leme. No mesmo ano assina a coluna Correio
feminino - Feira de Utilidades, no jornal carioca Correio da Manhã, sob o
pseudônimo de Helen Palmer. No ano seguinte, assume a coluna Só para mulheres,
do Diário da Noite, como ghost-writer da atriz Ilka Soares.
Em 1960, publicou
seu primeiro livro de contos, ‘Laços de Família’, seguido de ‘A Legião
Estrangeira’, e de ‘A Paixão Segundo G. H.’, considerado um marco na literatura brasileira.
Em 14 de setembro de 1966, provoca, involuntariamente, um incêndio ao dormir deixando seu cigarro aceso. O quarto fica destruído e a escritora é hospitalizada, ficando entre a vida e a morte por três dias. Sua mão direita é quase amputada devido aos ferimentos. Mesmo depois de passado o risco de morte, fica hospitalizada por dois meses. Clarice começara a fumar e beber ainda na adolescência, enquanto compunha seus poemas.
Em 1975, é convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em Cali, na Colômbia. Faz uma pequena apresentação na conferência, e fala do seu conto ‘O ovo e a galinha’, que, traduzido para o espanhol, faz sucesso entre os participantes. Ao voltar ao Brasil, a viagem de Clarice ganha ares mitológicos, com jornalistas descrevendo (falsas) aparições da autora vestida de preto e coberta de amuletos. Essa imagem se consolida e Clarice é referida como ‘a grande bruxa da literatura brasileira’. Sobre sua obra, o amigo Otto Lara Resende declara: ‘não se trata de literatura, mas de bruxaria’.
No ano seguinte, publicou ‘A Hora da Estrela’,
seu último romance, que foi adaptado para o cinema em 1985.
Pouco tempo depois da
publicação do romance ‘A Hora da Estrela’, Clarice é hospitalizada, com um
câncer de ovário detectado tarde demais, e inoperável. A doença se espalhara
por todo o seu organismo. Clarice faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia
antes de seu 57° aniversário. Seu corpo foi sepultado no Cemitério
Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, no dia 11 de dezembro.
Até a manhã de seu falecimento,
mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava frases para sua melhor amiga, Olga
Borelli, que sempre estivera ao lado da amiga em seus últimos anos.
Durante toda a sua vida, Clarice foi amiga de grandes escritores, como Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, Rubem Braga, San Tiago Dantas, entre outros. Deixou dois filhos e uma vasta obra literária composta de romances, novelas, contos, crônicas, literatura infantil e entrevistas.
Fonte: Alana Gandra
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