Jon Kabat-Zinn meditando |
No final do ano passado, comecei a ler ‘Full
Catastrophe Living’ (‘Viver a Catástrofe Total’), de Jon Kabat-Zinn, professor
de medicina e criador do método MBSR (mindfulness based stress reduction).
Trata-se de um programa de oito semanas oferecido desde 1979 na Universidade do
Massachussetts.
O programa
consiste de um treinamento intenso em diferentes métodos de meditação. O
objetivo, segundo Kabat-Zinn, é ensinar aos pacientes ‘como cuidar de si
mesmos, não para substituir seu tratamento médico, mas como um complemento
vital a ele’. Geralmente, os participantes são pessoas com sintomas de
depressão, estresse pós-traumático e dores intensas, causadas por condições
como artrose, lesões ou tratamentos contra o câncer.
Segundo o
médico, o programa é ‘um veículo para o aprendizado ativo, no qual as pessoas
podem construir a partir dos pontos fortes que já possuem e (…) fazer algo para
si mesmas para melhorar a saúde e o bem-estar, tanto físico quanto fisiológico’.
A base disso tudo é, claro, a meditação.
A meditação
está na moda atualmente. Em livrarias, lojas de apps e até em companhias
aéreas, o tal do ‘mindfulness’ aparece com uma solução simples e eficaz para
lidar com a vida. Mas o que é isso? ‘Dito de maneira simples, mindfulness é
consciência sem julgamento, instante a instante’, define Kabat-Zinn. Existem
dezenas de outras definições possíveis e igualmente aceitáveis. A meu ver, a
dada pelo dito ‘pai do mindfulness’ é a mais simples e mais facilmente
aplicável ao senso comum.
Explico:
existem muitas concepções erradas a respeito da meditação.
Uma parte disse
se deve às raízes religiosas da prática, encontrada no budismo, hinduísmo,
jainismo e até no cristianismo. Obviamente que, para quem tem fé, a meditação é
um instrumento inseparável da religiosidade e seus ensinamentos. Porém, a
prática ‘secular’ da meditação existe e hoje está bastante desenvolvida. O
programa MBSR de Kabat-Zinn é o exemplo mais conhecido, mas existem outros.
Existem pesquisas sérias atestando diversos benefícios à prática. Muitas
limitações científicas ainda têm de ser ultrapassadas, sem dúvida, mas a
meditação não pode mais ser considerada uma simples crendice. Não vou me
estender no assunto aqui, mas quem se interessar por esses dados pode consultar
‘A Ciência da Meditação’, de Richard Davidson e Daniel Goleman.
Outra ideia
equivocada é de ordem prática. Muita gente acha que meditar é ‘esvaziar a mente’.
Eu mesmo já duvidei da minha capacidade de meditar por achar que esvaziar a
mente é impossível. E é mesmo. A questão é que meditar é justamente o contrário
disso. Meditar é olhar a mente de frente, sem tentar mudá-la, melhorá-la,
piorá-la, sem qualificar os pensamentos. É dar menos poder para aquela voz que
narra a nossa vida, nem que seja por alguns minutos. Simples e difícil. Mas
muito produtivo.
A ideia deste
artigo não é ensinar ninguém a meditar. Não redigi instruções para quem deseja
começar a praticar. Meu objetivo é compartilhar o aprendizado precioso que tive
seguindo o programa de Kabat-Zinn por meio do livro ‘Full Catastrophe Living’ e
do CD de meditações guiadas recomendado. Se você deseja se iniciar na
meditação, recomendo que leia algum dos livros desse autor ou procure um centro
especializado em meditação.
Acredito que
as pequenas lições a seguir podem incentivar aqueles que já ouviram falar do
assunto, mas nunca tiveram coragem de experimentar a prática a começarem. E
pode também servir de reforço para quem já pratica e está encontrando
dificuldades para se manter motivado.
Minha
capacidade de ficar quieto num canto é muito maior do que eu imaginava
Vejam bem, as
sessões diárias de meditação do programa duram 45 minutos! Um tempo inteiro de
um jogo de futebol. Eu já havia meditado antes, mas nunca mais do que 10
minutos. Quando vi que teria de passar o quádruplo do tempo me concentrando,
pensei em desistir. De verdade. Não achei que seria capaz. Mas, aos trancos e
barrancos, cumpri à risca (com exceção de um dia) o determinado. Outro fator
essencial é seguir as meditações guiadas em áudio. Seria muito difícil para
iniciantes conseguir ficar tanto tempo meditando sem algum tipo de ajuda.
Meditar
quase nunca é gostosinho
Uma das lições
mais importantes do livro e da minha experiência de oito semanas foi: não
importa como você esteja se sentindo; vá lá e faça. Se você pensa que todo dia
vai sair da sessão se sentindo leve com uma pluma, está redondamente enganado.
Como eu disse, meditar é olhar para a mente. Quando ela está agitada, a
meditação vai ter de lidar com isso. Quando está tomada por tristeza, a
meditação vai girar em torno da tristeza. São raros os dias em que você se
sente ‘zen’. Mas isso não quer dizer que esteja meditando da maneira errada ou
que não esteja funcionando. O objetivo da meditação diária não é, como eu
disse, esvaziar a mente.
Conviver
com os pensamentos é melhor que fugir deles
Aprender a
observar a nossa mente acaba nos dando a chance de olhar para ela com mais
calma. Em vez de fugir daquelas coisas que parecem assustadoras, aprendemos a
apenas perceber sua existência. Todo mundo tem um ‘time’ de pensamentos que são
capazes de desencadear uma onda de pânico — às vezes no sentido literal. Quando
você está praticando meditação, você aprende que pensamentos são apenas
pensamentos, não são reais. Um pensamento não vai te machucar sozinho. O
objetivo de meditar é impedir que nossa mente entre numa espiral infinita de
ruminações nos torne escravos do medo, da ansiedade e da depressão. Por mais contra
intuitivo que pareça, o melhor jeito de diminuir a potência dessas coisas ruins
é admitir que existem.
Precisamos
entrar em contato com nossos corpos
Uma das práticas
mais importantes do MBSR é o body scan, que em português pode ser chamada de
varredura corporal. Trata-se de um método que nos leva a focar nas diferentes
partes do corpo e nas sensações em cada uma. No começo, foi muito difícil fazer
esse exercício. Não estou acostumado a ter consciência corporal. Parecia que
cada etapa (dedos dos pés, sola, calcanhar, batata da perna, coxa, joelho e
assim vai) era um suplício. Em vez de me acalmar, ficava mais ansioso. Sentia
que meu corpo queimava. Não tem nada de anormal nisso. Estamos desligados de
nossos corpos. Temos poucos momentos para investigar e sentir as sensações
corporais. Aprendi a gostar da varredura corporal. Foi o método que escolhi
usar quando havia a opção de eleger como seria a sessão de meditação do dia.
Arrumar
tempo é mais fácil do que pensamos
Kabat-Zinn
deixa claro que é preciso cumprir os 45 minutos diários com rigor de maneira
ininterrupta. Quando li isso, fiquei ansioso e pensei que não haveria jeito de
encaixar tanto tempo de ‘relaxamento’ em meu dia. Sou jornalista freelancer. Minha rotina é uma não-rotina. Como
conseguiria? Ele mesmo admite que isso é difícil e que, às vezes, ele fica com
o calendário um pouco apertado. A verdade é que, na maioria dos dias, nós
poderíamos muito bem dedicar um pouco de tempo a atividades como meditação ou
exercício físico. Só que estamos acostumados a trabalhar demais, a preencher o
tempo com redes sociais, notícias, Netflix e outras coisas que poderiam ocupar
porções menores do nosso dia.
A
meditação cria uma distância entre você e os pensamentos
Mesmo nos dias
mais difíceis, em que ansiedade bate forte (e isso sempre vai acontecer), a
prática faz a diferença. Aprende-se a olhar os medos, ansiedades e expectativas
com uma certa distância, por mais que eles ainda exerçam efeitos. Vejam bem,
você não fica ‘frio’, ‘distante’ ou ‘fora do ar’. Mas antes de entrar em crise
com algo, fica treinado para reconhecer que aquilo vai ou pode acontecer. É uma
forma de ficar mais íntimo de si mesmo e não se levar tão a sério. É
libertador.
É
possível ser mais gentil consigo mesmo — e com os outros
Quando você
aprende a não julgar nem qualificar seus pensamentos o tempo todo, percebe
quanto tempo e quanta energia gastamos nos cobrando, censurando, brigando com
nós mesmos. É surreal. Tive diversos momentos de insight durante e depois das
sessões, nos quais me perguntei: por que estou me torturando tanto por causa de
algo tão pequeno? Por isso, passei a notar mais quando eu entro num loop de
preocupações que não servem para absolutamente nada. Quando você se faz essa gentileza,
libera espaço na ‘memória RAM’ para prestar mais atenção aos outros. E começa e
perceber pequenas coisas, se sente mais à vontade para se aproximar das
pessoas, para tentar se colocar no lugar delas. Vejam bem, não virei nenhuma
espécie de Madre Teresa. Mas parei de brigar tanto com o mundo. Na verdade,
passei a ter brigas melhores e mais produtivas.
Meditação
não resolve os problemas de ninguém
Mas ajuda a
lidar com eles. Não se trata de passe de mágica, de milagre, nada disso.
Trata-se de um exercício, de uma prática. Para sentir algum tipo de ‘resultado’,
é preciso sentar a bunda na cadeira e seguir as instruções. É preciso ter
paciência e não esperar resultados imediatos. Meditar é como estudar.
Conhecimento só se constrói com dedicação. Não adianta ler o resumo de um livro
do Platão. É essencial ler o original. Para que a gente aprenda alguma coisa,
precisamos criar um repertório, ler muito, refletir, pensar, errar. Quando você
toma atalhos, compromete a qualidade do que está tentando construir.
Epílogo
Terminei o
programa de oito semanas há poucos dias. O desafio agora é incorporar a prática
à rotina sem a ‘ajuda’ de Jon Kabat-Zinn. Claro que sempre posso revisitar os
áudios e fazer a varredura corporal, a meditação sentado ou algum dos exercícios
de ioga recomendados por ele. Mas já sinto a dureza que é encaixar essa prática
no dia a dia. E lidar, claro, com a auto sabotagem. Mas pretendo continuar
tentando. Quem sabe até eu não comece o programa de novo do zero. O importante
é nunca parar de tentar.
Texto: Diogo Rodriguez , Jornalista, cientista
social e palestrante | =Nexo
(JA, Mar18)